Fernando Cavalcante explica que software Qualichat possibilita análise de conversações de grupos do WhatsApp (Alberto Prado)
Inspirado pelo fenômeno de disparos de mensagens instantâneas em massa que marcou as eleições de 2018, um pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveu uma plataforma capaz de analisar o conteúdo compartilhado pelo aplicativo WhatsApp e identificar conteúdos usados como mecanismo de desinformação e manipulação de grupos de pessoas.
O software Qualichat — desenvolvido pelo pós-doutorando do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), Fernando Nobre Cavalcante — permite que pesquisadores e instituições consigam efetuar análises de conversações de grupos do aplicativo WhatsApp, de forma gratuita.
Segundo Fernando, os algoritmos do software conseguem detectar a opinião e perfil do grupo estudado por meio da obtenção de dados, como notícias e temas mais compartilhados, pessoas envolvidas, símbolos comumente utilizados e especificidades temporais da linguagem, como palavras mais usadas, além dos dias e horários com maior pico de troca de mensagens instantâneas.
O pesquisador ressalta que, ao entrar na plataforma e iniciar uma pesquisa, é possível ainda identificar a polaridade das informações compartilhadas nos grupos estudados e, agora, na mais recente versão, a presença e a participação de robôs, os chamados bots, que enviam e compartilham mensagens falsas via Whatsapp.
Como resultado de dois anos de investigação etnográfica, o pesquisador exemplifica a importância das funcionalidades do software a partir do contexto atual, da circulação de desinformações. "Na última eleição presidencial, em 2018, o Whatsapp foi uma mídia determinante para os rumos do pleito. Nos tornamos imunes com os grupos invisíveis de WhatsApp. Naquele momento, não tínhamos ferramentas para combate a desinformação Pensando nisso, apresentamos, em conjunto com uma rede de 50 pesquisadores, uma resposta da comunidade acadêmica brasileira à desinformação por meio da análise das conversações nesse aplicativo, que também pode influenciar as eleições deste ano", disse Fernando.
Mais que uma ferramenta de combate à desinformação e às fake news, a plataforma incentiva a cidadania, o uso adequado da informação. Fernando explica que, com a plataforma, os pesquisadores podem descobrir a relação entre palavras ou temas e determinados atores ou grupos.
Além disso, permite também a identificação da fonte desses conteúdos divulgados ou compartilhados via aplicativo e, com isso, entender a que grupos pertence essa quantidade de mensagens analisadas.
Fernando cita, como exemplo, uma pesquisa de análise com a palavra Bolsonaro. "Nessa análise, foi possível identificar, com o software, que a palavra estava bastante associada a grupos de caminhoneiros. Isso pode ser realizado a partir de qualquer palavra, tema ou material compartilhado, até mesmo links", disse.
A plataforma pode ser acessada gratuitamente no site www.Qualichat.com. A ferramenta é destinada a pesquisadores, imprensa e instituições diversas, entre elas o próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e também a quem tenha interesse em realizar pesquisas qualitativas e quantitativas sobre grupos de mensagens por aplicativo. A plataforma está disponível para a utilização através da linguagem aberta Phyton, explica Fernando. "Detectar a opinião pública em grupos é o objetivo do nosso pacote computacional gratuito para pesquisadores", ressalta.
Rede de pesquisadores
O software Qualichat contou com a ajuda de uma rede de pesquisadores da temática Humanidades Digitais e Pós-Humanismos do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, sob a supervisão do professor livre-docente Marcelo Buzato.
Segundo Buzato, a importância de uma ferramenta como essa é justamente proporcionar pesquisas qualitativas. "Esses métodos digitais são muito úteis para entender as conversas muito grandes. Há milhões de pessoas conversando, existem sentidos ali que são coletivos e que se constroem de um jeito que você não consegue capturar sem usar métodos quantitativos fortes", explicou.
O professor também ressalta a relevância da união de métodos qualitativos e quantitativos, e afirma que o Qualichat contribui ao fazer essa ponte. "É muito importante a gente encontrar métodos que permitam essa conversa entre ciências humanas e exatas, e isso também passa pelo uso de métodos quantitativos e qualitativos", disse.
Ele explica que a aplicação do Qualichat evita uma análise engessada, ao permitir capturar uma quantidade de informações transmitida durante a troca de mensagens de determinados grupos.
O projeto também é resultado de debates com o Laboratório de História da Comunicação e Mudanças da Mídia da Universidade de Bremen, na Alemanha, e recebeu investimentos da Associação de Ciências Políticas dos Estados Unidos para as despesas de desenvolvimento.