Para especialista, punição a candidato por meio da lei Ficha Limpa ainda não é critério para voto
Peter Panutto durante entrevista ao Correio: sugestões para legislação eleitoral em tese que virou livro ( Gustavo Tilio/Especial para a AAN)
Para que os eleitores usem como critério a “ficha suja” do candidato na hora de votar, o professor e diretor da Faculdade de Direito da PUC-Campinas, Peter Panutto, afirma que a população ainda terá de passar por um amadurecimento político. O advogado concluiu seu segundo mestrado e lançou no começo do mês o livro Inelegibilidades, em que trata sobre as situações que podem deixar um político fora de cargos públicos. Panutto também traz à tona reflexões sobre a Lei da Ficha Limpa, que ampliou as barreiras para impedir a candidatura daqueles que possuem pendências judiciais ou um histórico razoavelmente comprometedor. Na sua avaliação, a lei — criada por meio de iniciativa popular — foi eficiente em seu primeiro ano, nas eleições municipais de 2012, e deverá mudar a postura dos políticos e dos candidatos daqui em diante. Sua dissertação também traz uma proposta de mudança no sistema de prestação de contas durante a campanha. Leia abaixo trechos da entrevista. Correio Popular - Temos vários exemplos de candidatos que, embora barrados pela Lei da Ficha Limpa, chegaram a disputar as eleições e até foram eleitos. Qual a avaliação do senhor a respeito? Peter Panutto - Todo cidadão tem direito de se candidatar. O que ocorre é que aquele cidadão condenado por crimes, que teve as contas reprovadas, corre o risco de ter a candidatura indeferida. Mas ele pode recorrer e continuar exercendo o seu direito de disputar a eleição fazendo campanha, fazendo comícios, propaganda em rádio e TV. Paulínia é um exemplo disso (embora com pendências na Justiça, Edson Moura deu sequência à sua candidatura, mas na véspera da eleição colocou o filho, de mesmo nome, em seu lugar) O que o senhor pensa a respeito? Em Paulínia, sabia-se do risco e da possibilidade da candidatura ser indeferida. O que ele (Edson Moura, candidato pelo PMDB) fez, no final da campanha, foi desistir da candidatura e o partido lançou o filho dele (Edson Moura Júnior). Se a gente analisar desse ponto de vista, a Lei da Ficha Limpa foi eficaz, porque Edson Moura sabia que sua candidatura seria indeferida e desistiu. Mas muita gente votou no filho pensando ser o pai... O que a gente tem de pensar é que a Lei Eleitoral tem uma falha que permite a substituição do candidato, e não há um prazo definido para que isso ocorra. Existem propostas na Câmara dos Deputados e no Senado para modificar isso. Eu já vi prazo mínimo de 20 dias, de três meses. Acho que em torno de 60 dias seria o mais viável porque haveria um tempo para campanha. E por que a demora em votar um projeto como esse? Para a classe política isso é cômodo. Talvez deputados e senadores possam sofrer influência do partido e dos próprios pares para que essa regra não mude. Acho que teria de haver uma conscientização dos políticos, mas também uma movimentação da própria população para essa mudança. A Justiça Eleitoral pode fazer algo nesse sentido? Pode fixar um entendimento, que chamamos de entendimento jurisprudencial, fixando um prazo. Há resolução sobre propaganda, sobre candidatura para a eleição seguinte, por isso entendo que a Justiça Eleitoral poderia fixar um prazo mínimo. Mas mesmo sabendo que o candidato corre o risco de estar inelegível, muitos foram eleitos no Brasil. O senhor acha que a população, do ponto de vista moral, não entendeu ainda o que significa um candidato “ficha suja”? Eu acho que isso faz parte da maturidade do processo democrático. Acho que a Lei da Ficha Limpa funcionou nas eleições passadas, mas é necessário amadurecimento dos próprios partidos, dos próprios candidatos. O que eu sinto é que muitos pretensos candidatos sabiam da dificuldade deles com relação à Lei da Ficha Limpa, mas arriscaram. Não sabiam ao certo se seria rígida a sua aplicação, mas foi. Na ótica dos políticos, aqueles que arriscaram ano passado não vão arriscar mais. No partido terá de ser feita uma reflexão maior na hora de lançar candidato. É um amadurecimento de todos os lados, e mais difícil por parte da própria população. A impressão é que os eleitores não consideraram a Lei da Ficha Limpa como um critério para escolha de um candidato... Eu penso que a responsabilidade maior é do partido. O partido assume o risco de lançar candidatura de um cidadão que tem grandes riscos de ser barrado. A Justiça foi eficiente na aplicação da lei. Ficar inelegível por oito anos ou até mais deixa o político, automaticamente, fora da vida pública. O senhor diz que a Lei da Ficha Limpa e as emendas à Constituição definiram melhor os critérios para a inelegibilidade. Mesmo assim há ferramentas jurídicas para garantir que uma pessoa se candidate? Recentemente o prefeito cassado Hélio de Oliveira Santos demonstrou vontade de sair como candidato a deputado federal. Ele teve as contas reprovadas e foi cassado pela Câmara. Reverter essa decisão seria possível caso houvesse alguma irregularidade na decisão, por exemplo, número de vereadores presentes na hora da votação. É preciso apontar um vício formal na decisão, alguma exigência que foi desrespeitada. A Justiça não entra no mérito. Se a votação foi válida, não vejo condições de ele ser candidato. No que diz respeito à prestação de contas, o senhor acha que o trabalho da Justiça Eleitoral é falho? É um processo falho sim. Cabe à Justiça Eleitoral procurar agulha em um palheiro. Daquilo que foi apresentado (pelos partidos) ela tem de verificar se há alguma falha, mas somente a partir de uma denúncia. Por isso, em meu livro, proponho que, quando o candidato tiver as contas desaprovadas por qualquer motivo, ele seja automaticamente cassado. Hoje, cabe ao Ministério Público dar início a um novo processo propondo a cassação, cabendo a Justiça decidir. Isso demora. Mas o “caixa 2” é um problema recorrente. Haveria alguma forma de combater essa prática? Eu acho que acabar seria o ideal. Alguns países muito consolidados, como a Alemanha, conseguiram chegar a esse nível. Não vejo uma mudança automática para não haver mais erros. Vejo como uma mudança relevante para impor limite no gasto de campanha, que são valores exorbitantes. O senhor é a favor do financiamento público de campanhas? Quando se discute o financiamento público de campanhas é preciso levar em consideração que já existe hoje um fundo partidário, que é recurso público. Essa divisão de valores deveria ser repensada porque o montante não chega de forma igualitária para todos candidatos daquele partido. Ou seja, o dinheiro público está sendo gasto de forma democrática.