CIÊNCIA E SAÚDE

Sirius desvenda processo de maturação do vírus da covid

Descoberta possibilita a fabricação de remédios mais eficazes contra a doença

Edimarcio A. Monteiro/ [email protected]
03/05/2023 às 08:51.
Atualizado em 03/05/2023 às 08:51
Laboratório Nacional de Luz Síncroton, onde pesquisadores da USP-São Carlos desvendaram a forma com que o vírus da covid se desenvolve tão rapidamente no organismo humano (Rodrigo Zanatto)

Laboratório Nacional de Luz Síncroton, onde pesquisadores da USP-São Carlos desvendaram a forma com que o vírus da covid se desenvolve tão rapidamente no organismo humano (Rodrigo Zanatto)

Uma pesquisa desenvolvida com ajuda do Sirius - fonte de luz síncrotron instalada em Campinas e uma das mais modernas do mundo - revelou o processo de maturação do vírus da covid-19, o que será usado na busca de tratamentos mais eficazes contra a doença. A descoberta feita por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos ocorre no momento em que uma nova variante do Sars-CoV-2, a Arcturus, foi confirmada no Brasil. A XBB.1.16, como é chamada cientificamente, não resultou, até o momento, em mudança na gravidade da doença, mas parece estar se espalhando mais rapidamente dos que as anteriores. 

A descoberta do processo de maturação do coronavírus é a segunda fase da pesquisa iniciada em 2020, com os cientistas da USP de São Carlos entendendo agora porque o Sars-CoV-2 se desenvolve tão rapidamente no organismo humano. Em setembro daquele ano, os pesquisadores trouxeram para o Sirius cerca de 200 cristais com proteínas do vírus para análise na linha de luz Manacá, desenvolvida para experimentos envolvendo cristalografia por difração de raios X.

"A linha de Manacá foi a primeira estação de pesquisa a ser inaugurada no Sirius, resultado de um mutirão do CNPEM para apoiar pesquisas que exploram mecanismos moleculares relacionados à covid-19. Esta é uma das publicações que resultou desse esforço", explica o diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), Harry Westfahl. Essa unidade é um dos quatro laboratórios que formam o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), o maior investimento nacional em ciência da história do Brasil. Localizado no Polo II de Alta Tecnologia, no distrito de Barão Geraldo, ele conta ainda com os de Biociência (LNBio), Biorrenováveis (LNBR) e Nanotecnologia (LNNano). 

A pesquisa

"Durante o primeiro estudo, com os dados de cristalografia obtidos no Sirius, conseguimos visualizar e entender as três etapas finais da maturação da Mpro, necessárias para que essa proteína atinja sua forma final. Mas naquela época não conseguíamos entender o primeiro passo da maturação, porque ela ocorre muito rapidamente", explica o biólogo e doutor em ciências físicas André Schutzer de Godoy, líder do grupo de pesquisa do Instituto de Física da USP de São Carlos.

A Mpro é uma proteína essencial no ciclo de vida do SarsCoV-2. Para entender como ela é ativada, os pesquisadores combinaram técnicas de ponta, como a espectrometria de massa nativa, para identificar seus componentes; criomicroscopia eletrônica, que produz imagens tridimensionais de moléculas congeladas; e a cristalografia de difração de raios, que revela estruturas no nível atômico. "Explicar como o Mpro interage com seus inibidores impacta diretamente como desenvolvemos medicamentos para a covid-19, com foco nessa proteína", explica Gabriela Dias Noske, doutoranda da USP de São Carlos e formada em ciências físicas e biomoleculares.

No Sirius, os pesquisadores também analisaram as interações entres essa proteína e dois inibidores diferentes, um dos quais já é usado em medicamentos para combater a covid-19, e como funcionam de formas diferentes no nível molecular. O inibidor não covalente impede a dimerização da proteína, afetando diretamente a maturação da molécula e sua atividade. Já o o inibidor covalente induz a conversão de monômeros em dímeros, mesmo com N-terminais intactos.

A pesquisa revelou ainda que o desenvolvimento do SarsCoV-2 ocorre de maneira diferente do que se pensava inicialmente. Modelos anteriores indicavam que a clivagem N-terminal era necessária para que Mpro alcançasse o formato de dímero (molécula formada pela união de duas unidades idênticas, chamadas monômeros), o que é importante para sua atividade no ciclo de vida viral.

As modificações no domínio N-terminal podem dificultar a ligação com anticorpos e, assim, fazer com que o vírus fuja do sistema imunológico no corpo humano. "Começamos esse estudo pensando que essa reação seria o primeiro passo da maturação. As análises feitas no Sirius por cristalografia mostraram que a proteína é capaz de atingir seu estágio final de maturação mesmo sem o processamento N-terminal. Os resultados foram uma surpresa", diz Godoy.

Os pesquisadores estão trabalhando para desenvolver novos inibidores para Sars-CoV-2 como parte do Covid Moonshot Consortium, um projeto colaborativo de ciência aberta iniciado em março de 2020 para desenvolver um antiviral não patenteado para combater o vírus. O grupo também pretende continuar usando técnicas combinadas para aprofundar o estudo de outros inibidores de outros vírus, considerando o risco de novas epidemias e pandemias no futuro.

Brasil registra o primeiro caso da subvariante Arcturus 

Oprimeiro caso no Brasil de covid-19 causada pela nova subvariante Arcturus foi confirmado na noite de segunda-feira (1º) pela Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa) da Prefeitura de São Paulo. O paciente é um homem de 75 anos, acamado e com comorbidades, que apresentou sintomas de síndrome gripal e febre persistente no dia 7 de abril. Ele tem o esquema vacinal completo contra a covid-19, inclusive com a dose da vacina bivalente. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, o paciente foi tratado em um hospital privado de São Paulo e teve alta na última quinta-feira (27). A XBB.1.16 foi identificada pela primeira vez no início deste ano, na Índia, onde se tornou a principal cepa transmissora da covid-19. A variante está sendo monitorada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como de interesse.

Entre os sintomas causados pela Arcturus estão irritação nos olhos, o que é parecido com a conjuntivite, tosse seca e febre alta. Esses vírus é uma sublinhagem da variante XBB, que, por sua vez, é uma "descendente" da Ômicron. "As evidências atuais relacionadas a esta linhagem da variante Ômicron não indicam risco adicional à saúde pública se comparada a XBB.1.5 (principal linhagem em circulação no Brasil atualmente), bem como não há evidências de alteração na gravidade dos casos", divulgou a Prefeitura de São Paulo.

Desde o início da pandemia, em março de 2020, até a quarta-feira da semana passado (26), o Brasil registrou 37,5 milhões de casos de covid-19, com 701.494 óbitos, de acordo com o Ministério da Saúde. No Estado de São Paulo, foram 6,5 milhões de pacientes e 179.853 mortes. Já Campinas, registrou 224.169 casos confirmados da doença, que causaram 5.468 óbitos, segundo a Secretaria Estadual de Saúde.

Desde o dia 26, A Prefeitura de Campinas liberou a imunização contra a covid-19 com a vacina bivalente para todas as pessoas acima de 18 anos de idade. "A bivalente aumenta a resposta protetora e eleva a efetividade da vacina, garantindo maior proteção à população", afirma a coordenadora do Programa Municipal de Imunização, Chaúla Vizelli.

A Secretaria de Saúde iniciou na terça-feira (2), por meio do Consultório na Rua, a vacinação de pessoas em situação de vulnerabilidade. Estão sendo aplicadas as vacina contra gripe e o reforço contra a covid-19 com a bivalente. A imunização em pessoas em situação de rua está programada para acontecer até o próximo dia 12 em diversos pontos da cidade. De hoje até sexta-feira (5), a vacinação será em dez locais, entre eles a Casa da Gestante, Casa da Cidadania, Terminal Metropolitano e região do Teatro Castro Mendes.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por