Evento realizado na Câmara Municipal reuniu especialistas e responsáveis por pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA)
Dados do Conselho Municipal de Pessoa com Deficiência indicam que Campinas tem 1,8 mil estudantes com TEA matriculados na rede pública de ensino: promotor de Justiça, Rodrigo Oliveira (esquerda) alertou para a falta de profissionais na área da educação especial (Alessandro Torres)
Campinas tem cerca de 1,8 mil estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) matriculados na rede pública de educação, no entanto a cidade não possui dados precisos sobre sua própria população de pessoas autistas. O registro com a quantidade de alunos consta do Conselho Municipal de Pessoa com Deficiência e evidencia uma lentidão nas políticas públicas voltadas a essa população, assunto que pautou o I Simpósio de Autismo de Campinas.
O evento, realizado no sábado (13) no plenário da Câmara Municipal, abriu margem para estabelecer uma comunicação entre especialistas no assunto, pais e familiares de pessoas com TEA, com objetivo de esclarecer dúvidas comuns enfrentadas pelas famílias, cotidianamente, diante dos desafios encontrados. O dia 2 de abril é marcado pelo Dia Mundial da Conscientização do Autismo. Por isso, o mês é conhecido pela campanha Abril Azul, também com o foco para a conscientização das pessoas sobre o TEA.
Segundo a ativista e conselheira de Pessoa com Deficiência Mariah Machado, que coordenou o evento, a questão do autismo ainda é tratada como tabu, inclusive pelo poder público. A falta de discussão sobre o tema, diz, causa lentidão nas ações voltadas às pessoas com TEA.
“Campinas não teve, até hoje, nem contagem do IBGE para os autistas, não sabemos exatamente qual é a população estimada. O que temos são dados da Educação, mas que contemplam apenas os matriculados na rede pública, deixando de fora aqueles que estudam na rede privada. Isso evidencia a importância desse evento, para chamar atenção dos governos e da sociedade sobre a precariedade das políticas voltadas aos portadores de TEA.”
De acordo com ela, que é mãe de uma criança autista de 12 anos, as principais barreiras atingem crianças e adolescentes e se referem à falta de acesso à saúde e educação.
“Hoje, a principal dificuldade das famílias é conseguir atendimento clínico para os filhos, já que a equipe é extremamente diminuta. A Rede Mário Gatti conta com apenas dois neuropediatras para atender a população inteira que depende do SUS. Existe uma escassez de médicos e especialistas para diagnosticar, realizar laudos. É algo muito grave”, explica.
“Na educação, o maior problema se dá no momento da matrícula. As escolas não querem matricular, pois não são dotadas de infraestrutura para isso, e o próprio mercado tem uma carência de cuidadores, terapeutas ocupacionais e demais profissionais”, complementa Mariah.
Os problemas citados por Mariah são sentidos na pele pela trabalhadora autônoma Carla Silva, de 27 anos. Mãe do Davi, de 8 anos, ela não conseguiu matricular o filho para o ano letivo de 2024, mesmo na rede particular. Carla possui uma decisão judicial que assegura à criança o direito de matrícula e acompanhamento profissional no colégio, mas a escola se nega a respeitar.
“Eu recebi o contrato da escola, assinei, e quando fui fazer a matrícula eles me deram um termo com várias restrições. Basicamente, um termo em que eu abria mão dos direitos do meu filho. Só que eu não poderia ter cópia desse termo, nem acesso a ele depois de assinado, nem mostrar para advogado ou Justiça. Eu me neguei, e eles impediram de fazer a matrícula justamente para não custearem o acompanhante do meu filho, mesmo com a decisão judicial. Estamos aguardando a Justiça, mas meu filho já perdeu o primeiro bimestre letivo”, conta.
A mãe explica que o filho também está sem atendimento terapêutico, o que deveria ser ofertado pelo convênio médico. Por esse motivo, a criança não pode mudar de escola, uma vez que não tem a terapia para amenizar possíveis estranhamentos com o novo ambiente.
“No dia que fui fazer a matrícula, meu filho me olhou e disse 'mamãe, hoje é o dia mais feliz da minha vida'. Ele estudou por seis anos lá, gosta dos amigos, do ambiente e qualquer menção a mudar de escola gera uma crise”, lamenta Silva.
PAUTAS
Para o promotor de Justiça Rodrigo Oliveira, da 33ª Promotoria do Ministério Público de São Paulo (MPSP), a maior preocupação do órgão, atualmente, é com a falta de profissionais para atuação na área da educação especial.
“Quando falamos de autismo, evidenciamos a importância de uma rede de apoio para essas pessoas, sejam crianças ou adolescentes, justamente para buscarmos a equidade. Uma dificuldade que a gente encontra é que, quando há um diagnóstico multidisciplinar de que a criança precisa de um suporte na escola, não existem esses profissionais. O MP está preocupado, e por isso instauramos um inquérito para saber se as faculdades, a sociedade, o poder público estão formando esses profissionais e se eles estão recebendo os estímulos necessários, porque daqui a pouco chegaremos a uma equação perversa e complicada”, alerta o promotor.
De acordo com advogada Naiara Borges de Campos, diretora da Comissão de Pessoa com Deficiência da OAB Campinas, é possível identificar essas deficiências jurídicas com base em uma cartilha lançada pela entidade. “É uma cartilha que, de uma forma muito fácil e acessível, ensina quais os direitos das pessoas autistas. Direito à educação, saúde, medicamentos, transporte, saque de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Uma infinidade de direitos.”
O simpósio ofereceu ainda explicações de especialistas sobre o funcionamento neurológico de pacientes TEA, estímulos comportamentais, atividades e utilidades públicas correlatas.
Palestraram o neuropediatra Charlington Cavalcante, a psicopedagoga Juliana Caetano, a ativista e gestora da Autismos, Susy Ferraz, a ativista pela cannabis medicinal Ângela Aboin, a terapeuta ocupacional Denise Toledo, a 1ª secretária do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, Marina Batista e o presidente da associação Vitória Cannabis, Vitor Pereira, além de Mariah, Naiara e o promotor Oliveira.
Siga o perfil do Correio Popular no Instagram.