AÇÃO SUSTENTÁVEL

‘Seo Beto’, o semeador de pomar e de solidariedade

O aposentado Waldomiro Bett transformou um terreno que era ocupado pelo mato em uma praça repleta de árvores frutíferas à disposição da comunidade

Alenita Ramirez/ [email protected]
12/08/2023 às 08:14.
Atualizado em 12/08/2023 às 08:14
O aposentado Waldomiro Bett, o “seo Beto”, criador e cuidador da “praça do pomar”, do Parque Residencial Fazenda Roseira: árvores frutíferas são para o deleite da atual e das futuras gerações (Rodrigo Zanotto)

O aposentado Waldomiro Bett, o “seo Beto”, criador e cuidador da “praça do pomar”, do Parque Residencial Fazenda Roseira: árvores frutíferas são para o deleite da atual e das futuras gerações (Rodrigo Zanotto)

Quem anda entre as árvores da Praça Nair Roberto Gallani, no Parque Residencial Fazenda Roseira, em Campinas, não imagina a história de sua criação e pensa apenas que ali vicejam somente mangueira, amoreira, pitangueira e goiabeira. O local abriga muito mais que essas espécies frutíferas. Lá também tem encanto, esperança e futuro. 

A praça de cerca de quatro mil metros quadrados foi idealizada e implantada no bairro pela Prefeitura, mas foi o aposentado Waldomiro Bett, mais conhecido como Beto, de 64 anos, quem deu o toque sustentável àquele espaço. Em vez de plantar flores e árvores "coloridas", seu desejo era transformar o local em um pomar público, com variedade de espécies frutíferas para alimentar os pássaros e também os moradores que por ali passam. 

Apaixonado pelo meio ambiente e muito curioso em relação aos tipos de árvores frutíferas, ele pesquisou, comprou, fez enxerto, plantou, zelou, transmitiu conhecimento e costuma passar o dia caminhando entre um e outro exemplar, para ver se há algum tipo de praga ou se algum deles precisa de cuidados específico. Apesar de ser um projeto pessoal, tudo ali é público. Os frutos estão lá para serem colhidos e servidos quando maduros.

"Eu trago minha netinha desde pequenina aqui. Colho as frutas madurinhas e dou para ela comer aqui mesmo. Ela come todas. Aqui tem muitas variedades, inclusive algumas que eu nem conhecia. Descobri muitas coisas aqui, no pomar do seo Beto", contou a aposentada Luzia de Fátima da Silva, de 68 anos, que estava colhendo amoras para a neta Cecilia de Fátima Augusto, de oito meses.

Beto mudou para o bairro em 2015, quando ainda estava em formação. Na época, havia poucas casas no local. Seu terreno fica quase de esquina e a cerca de 100 metros da praça. Ele mesmo encarou a obra de sua residência e construiu os cômodos necessários para poder ocupar e do temido aluguel. Quando ficou mais aliviado na construção, sua atenção se voltou para a praça, que estava irreconhecível, com o mato de mais de um metro de altura. Segundo ele, o local não parecia ser uma praça, mas um pasto.

Era o ano de 2017. A brachiaria e o capim bravo, como diz ele, estavam altos. Ninguém limpava. Além daquela praça, outras sete do mesmo bairro também estavam ocupadas por mato. Eram pouco usadas pela comunidade.

Foi quando o senhor Beto decidiu encarar o desafio de cuidar da praça próxima à sua casa. Comprou uma roçadeira, tirou o mato, tratou a terra. Depois, colocou adubo orgânico, um total de 52 sacos. Na época, gastou R$ 18 mil para deixar o terreno preparado para receber o pomar. 

As mudas e sementes começaram a ser plantadas em sua casa. Decorrido um anos, o aposentado fez o transplante para a praça. "Fiz com amor. Nasci na roça, em Santa Catarina, e gostava de cuidar da terra e de plantar", justificou o catarinense de Joaçaba, que saiu de casa aos 20 anos para percorrer estados como Mato Grosso, Paraná e Rio de Janeiro antes de chegar a Campinas, há 30 anos. 

No começo, foram plantadas 70 mudas de 46 variedades. Entre um indivíduo e outro, o aposentado usou uma distância de cinco metros para que às árvores crescessem livres e houvesse espaço para que as pessoas pudessem caminhar tranquilamente entre elas. Tudo calculado com muito estudo para garantir a segurança e o bem-estar tanto das plantas quanto dos futuros frequentadores. 

A praça tem abacate, cereja, pêssego, nectarina, pera, lichia, ciriguela e manga. "É para todos comerem", insiste o aposentado. E todos comem. As árvores produzem o ano todo, em diferentes épocas. Os pés ficam carregam. Beto acredita que neste ano mais de espécimes espécies vão produzir, já que algumas estão adultas e preparadas. 

Atualmente, o espaço conta com 145 árvores frutíferas, de 56 tipos diferentes, sendo que alguns deles são considerados exóticos (Rodrigo Zanotto)

Atualmente, o espaço conta com 145 árvores frutíferas, de 56 tipos diferentes, sendo que alguns deles são considerados exóticos (Rodrigo Zanotto)

EXÓTICAS

Quando se trata de árvores frutíferas, senhor Beto é curioso. Decidido a diversificar o pomar e trazer para a praça frutas de outras localidades, o aposentado começou a pesquisar sobre novidades e métodos de adaptação. Viu que na Argentina, Chile, Califórnia, Amazônia e Norte e Nordeste do Brasil há plantas desconhecidas pelos campineiros, e que algumas delas poderiam se adaptar à cidade. 

Ato contínuo, ele entrou em contato com produtores, questionou e pediu sementes. Paralelo a isso, também comprou sementes pela Internet e produziu mudas em casa. Algumas nasceram, outras morreram. As que prosperaram foram transplantadas para a praça e, com o tempo, o pomar aumentou. Atualmente, são 145 árvores frutíferas, com 56 tipos diferentes. Dos exemplares cultivados na praça, 90 são enxertados. Entre as frutas exóticas constam guabiju, castanha do maranhão, caferana, abil, pitomba, canistel, entre outras. 

"Por que plantar só abacate, amora e manga, que são conhecidas das pessoas? Eu decidi mostrar que existem outras plantas frutíferas que podem ser consumidas", argumentou o aposentado-semeador, ao ser questionado sobre a diversidade.A pequena Cecília ainda não sabe falar, mas faz carinha de riso ao saborear uma canistel, que tem sabor semelhante ao do mamão mesclado com manga. Segundo a avó, os pais da bebê não gostaram da fruta, mas as duas amaram. "Aqui é muito bonito. O senhor Beto dedica o tempo dele ao espaço, sem contar que ele tem prazer em explicar sobre cada árvore", falou a aposentada.

GERAÇÃO FUTURA

No pomar comunitário também tem pé de tâmara. Segundo a ciência, essa árvore leva cerca de 100 anos depois de plantada para dar os primeiros frutos. Na Bíblia, Abraão plantou uma tamargueira em Beer-Seba e invocou o nome do Senhor Deus. Depois, Moisés, ao sair do Egito, carregou por 40 anos sementes desta espécie, que foi plantada na terra prometida. "É uma planta para as gerações futuras. O pé está bonito", falou Beto, enquanto passeava pelo pomar público.

O encanto do local atraiu um casal de coruja, que teve vários filhotes. Senhor Beto cuidava também dos bichinhos. Quero-queros até viraram seus "amigos". Em outras palavras, os pássaros também agradecem o pomar de formado pelo senhor Beto. Atualmente, um beija-flor montou seu ninho em uma das árvores. Outros pássaros também fizeram ninhos. Além de abrigar suas ninhadas, as frutas servem de alimento aos animais. 

"Às vezes me perguntam se estou ganhando para isso (plantar e cuidar da praça) e que sou otário em fazer o que é de responsabilidade dos órgãos públicos. Mas falo que faço porque gosto e para passar o tempo", comentou o aposentado. O desejo dele é dotar a praça de grama, água, bancos, iluminação e até um quiosque, "tudo bem bacana", para as pessoas desfrutarem, mas sem danificar nada. A grama é para manter a umidade da terra e proteger as raízes superficiais de algumas espécies.

As aposentadas Luzia Monteiro, de 65 anos, e Onice de Mello Pereira, de 70 anos, moram no Jardim Roseira e decidiram fazer caminhada matinal por um novo percurso. Durante o exercício, depararam com a praça. Em um breve olhar, avistaram uma amoreira carregada. Aproximaram-se para apanhar. Antes, perguntaram se o aposentado cuidava do local e então pediram permissão para fazer a colheita de algumas frutas, embora não soubessem que o pedido não era necessário. "Fiquei encantada, pois é raro ver uma praça só com árvores que servem de alimento", disse Luzia Monteiro.

Segundo o senhor Beto, o lado ruim é o fato de que algumas pessoas não respeitarem a época da colheita. Muitos arrancam as frutas ainda verdes. Como não conseguem comer, jogam fora. O grande desejo dele é se tornar o "pai" da praça. O semeador de pomar disse que há seis anos luta para conseguir o título de adoção. Tudo indica que ele está prestes a receber a papelada. "Vai ser uma filha. Vou ter que zelar por ela até a minha partida", disse todo orgulhoso.

OUTRO LADO

Em nota, o Departamento de Parques e Jardins (DPJ) disse que fará uma vistoria no local, nos próximos dias, para verificar a possibilidade de atender as solicitações do morador. Campinas tem cerca de duas mil praças públicas e o programa de "Adoção de Praças" tem como objetivo estimular o interesse de empresas, instituições e associações para que contribuam com a preservação do meio ambiente e manutenção dos espaços verdes. "O DPJ orienta e acompanha os serviços. Quem adota uma praça fica responsável pela manutenção e tem direito a fazer publicidade no espaço", frisou o departamento

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