SISTEMA CANTAREIRA

Seca traz de volta antiga vila de operários

Nível baixo da Represa do Jaguari, em Vargem, trouxe à tona restos de antigas casas

Cecília Polycarpo
cecília.cebalho@rac.com.br
12/04/2014 às 05:00.
Atualizado em 27/04/2022 às 01:50

Ruínas de uma vila de operários da antiga Usina das Flores, em Vargem (SP), a 90 quilômetros de Campinas (SP), começaram a aparecer com o baixo nível da Represa do Jaguari. As bases de pelo menos quatro casas da comunidade, inundada no final da década de 1970 para a criação do reservatório, são visíveis no bairro Rio Acima. A paisagem extraordinária da seca tem também dois barcos encalhados na lama, um deles lado ao lado de uma plataforma flutuante, que agora também está soterrada. E a medida que o ano avança no período seco, a tendência é que mais resquícios da vila fantasma surjam, segundo a Diretoria do Meio Ambiente do município.Moradores e empregados das chácaras do Rio Acima afirmaram que as ruínas apareceram há cerca de duas semanas. Os quintais com piscina das belas propriedades, que antes tinham a represa como vista, agora são mirantes para os destroços das pequenas casas. Em uma das estruturas, é possível reconhecer um fogão e um forno a lenha. Mas na maioria, é visível apenas a base dos imóveis.   Sem peixe "Grande parte das casas era da família Souza, tradicional em Vargem. Eles alugavam para os trabalhadores. Mas quando inundou tudo, a maioria foi embora de Vargem", disse o pedreiro Donizete Turri, de 54 anos, que costuma pescar no local. "Eu vou lá por hábito, porque não estou pegando mais peixe nenhum" , completou. Além disso, a seca revelou a grande quantidade de sujeira que é lançada na represa. Garrafas, entulho e pedaços de plástico agora apodrecem sob o sol que castiga a área e contribuem ainda mais para o cenário desolador. "É nessas horas que a gente vê o quanto a população não cuida da represa. Vários proprietários de casarões acham que o rio e o reservatório são depósito de lixo. Aí não sobra nenhum peixe mesmo", disse o aposentado Arlindo Antônio Silva, de 63 anos, outro pescador que a reportagem encontrou na Rodovia José Augusto Freire (SP-36), que dá acesso à ruínas, voltando para casa sem nenhum peixe.IndenizaçãoO diretor de Meio Ambiente de Vargem, Alexandro Souza Morais, afirmou que as famílias que moravam na área antes da enchente tiveram indenização mínima do Estado. A construção da Represa do Jaguari, que começou em 1976 e terminou em 1981, na Ditadura Militar, teve pouca participação da sociedade civil. O complexo hidrelétrico das Usina das Flores, que tinha duas barragens, fornecia energia para a cidade e municípios do entorno, como Bragança Paulista e Joanópolis. "Não sei dizer quantas famílias moravam no local, mas eram muitas. A maioria não ficou em Vargem, acabou indo para outras cidades. Mas existem muitas histórias de sitiantes que se mataram depois de saírem daqui. Outros definharam de desgosto", disse Morais. Ainda segundo ele, mais resquícios da antiga comunidade devem aparecer nos meses de estiagem. "A situação deve ficar pior em junho e julho, meses em que tradicionalmente não chove".     Sem racionamento   Vargem, que é abastecida pelo Ribeirão dos Limas, ainda não sofre com o racionamento. A vazão do manancial chegou a diminuir substancialmente entre fevereiro e março, mas voltou ao normal com algumas chuvas em abril. "Mas apesar de não dependermos da represa como as cidades da região de Campinas, a Administração tem real preocupação com a situação do Jaguari", explicou o diretor. Morais organizou nesta semana excursões com alunos da rede municipal e com grupos de idosos para visitar as ruínas. O objetivo era impactar e conscientizar para o uso racional da água. "A ação faz parte de um ciclo de palestras sobre as mudanças climáticas. Fizemos também uma gincana de coleta de lixo. Cada grupo ficou responsável por retirar da represa um tipo de material, que mandamos para a reciclagem" . Criação do sistemaA criação do Sistema Cantareira, que começou em 1963, se deu no período da Ditadura Militar brasileira. Da mesma forma como outros empreendimentos de grande porte realizados neste contexto, as comunidades afetadas não tiveram chance de opinar em relação às desapropriações necessárias. A inundação de Vargem foi feita sem nenhum aviso prévio e sensibilização da população para a importância do projeto, de acordo com informações da ONG Instituto Socioambiental (ISA). Os proprietários foram indenizados pela área inundada com o valor venal do terreno, sem preocupação das autoridades com benfeitorias ou valor de mercado. Por falta de alternativas, muitos deles acabaram migrando para centros urbanos da região, como Atibaia, Bragança Paulista e Campinas. Outros que resolveram ficar perto do reservatório, desenvolvem atividades ligadas ao turismo. Neste processo, grandes áreas de vegetação nativa foram substituídas por gramados e infraestruturas de lazer, segundo a ONG.

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