CTI/OPINIÃO

Saneamento da Lei de Informática ajuda Campinas

Angela Maria Alves
05/11/2018 às 08:32.
Atualizado em 05/04/2022 às 21:41

A Lei de Informática, criada em 1991, é o mais representativo, em termos volume de recursos, instrumento de política tecnológica do Brasil. Essa lei é especialmente importante para a cidade de Campinas, uma vez que representa uma das principais fontes de financiamento dos muitos institutos de pesquisa localizados na cidade. As empresas de TIC que usufruem de seu benefício recebem redução (atualmente em torno de 80%) do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e devem, em contrapartida, investir um percentual de seu faturamento (atualmente em torno de 4%) em projetos de P&D na área de TIC. Este investimento tem o propósito de contribuir para a capacitação e competitividade do setor. Há quase três décadas em vigor, essa lei enfrentou algumas dificuldades, principalmente no campo da gestão, sistematização e automatização dos processos de avaliação de resultados. Em decorrência disso, houve um acúmulo significativo de projetos com análise atrasada. Em alguns casos foram oito anos de atraso, causando vulnerabilidade tanto para empresas que não sabiam se suas contrapartidas tinham sido aceitas pelo governo, quanto para o Estado e sociedade que não soubiam ao certo o quanto aquela política vinha dando de retorno ao país. Afinal, renúncia fiscal é uma forma de dinheiro público e quem a emprega precisa prestar contas para a sociedade. Para prestar contas para a sociedade é preciso responder algumas perguntas: A política pública (no caso, Lei de informática) alcançou, está alcançando ou vai alcançar o resultado previsto em sua formulação? Sua formulação foi bem desenhada? Sua implementação bem executada? Foram, estão sendo ou serão realizadas correções ao longo de sua execução? Essas e outras perguntas precisam ser respondidas quando se realiza uma avaliação. E essas respostas são necessárias para a gestão responsável dos recursos que estão sendo empregados. A exigência cada vez maior de transparência e participação da sociedade na definição e apreciação da qualidade dos serviços prestados, a necessidade de uma maior efetividade no uso dos recursos públicos e a crescente complexidade social, que aumenta a imprevisibilidade do resultado das ações e programas, vêm intensificando a importância de avaliar ações continuamente. O CTI Renato Archer, instituto de pesquisa há 35 anos atuando como instrumento de produção do conhecimento na área de TIC no país, vem desenvolvendo uma forte competência em avaliação de projetos, programas e políticas públicas nesta área. Partindo de atividades relacionadas com análise e melhoria de processos de software, a instituição vem realizando pesquisas e agregando competências multidisciplinares e obtendo sucesso com a prestação de serviços de desenvolvimento de metodologias e sistemas de avaliação e apoio à sua operacionalização. O instituto conta com um Laboratório de Instrumentos de Política de Tecnologia da Informação e Comunicação denominado poli.TIC que ao longo de quase uma década vem contribuindo com a realização de significativos projetos de avaliação dentre os quais se destacou o recente projeto de Avaliação de Relatórios Demonstrativos Anuais da Lei de Informática (AvalRDA). O projeto AvalRDA foi responsável pela avaliação de mais de 20.000 projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) apresentados ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) por empresas de tecnologia da informação e comunicação (TIC) do Brasil no período de 2006 a 2017 como contrapartida pelo usufruto de incentivos fiscais fornecidos pela lei n° 8.248/91, Lei de Informática. Para realização desse desafio, formou-se uma equipe multidisciplinar composta por, aproximadamente 20 profissionais dentre engenheiros, economistas, advogados, analistas de sistemas, com conhecimento a respeito do setor de TIC, do instrumento de política em questão, de avaliação de políticas de ciência, tecnologia e inovação (C,T&I), avaliação de processos, desenvolvimento de metodologias e de plataformas para a realização das avaliações. A Metodologia utilizada no Projeto AvalRDA se apoiou num estudo amplo, que contemplou a própria Lei de Informática e sua regulamentação (Decreto nº 5.906/2006), entrevistas com a coordenação e o corpo técnico da Coordenação Geral de Tecnologia da Informação da Secretaria de Política de Informática (CGTE/SEPIN), manuais de instruções de preenchimento do sistema utilizado pela SEPIN (SIGPLANI), documentos de referência internacional reconhecidos pelo próprio MCTI (como o Manual de Frascati), literatura acadêmica e práticas adotadas por outros países. A metodologia foi composta por modelos de referência e métodos de análise. Um dos modelos de referência tratou do enquadramento de projetos como P&D e incluiu um conjunto de critérios e sua respectiva gradação, possibilitando assim a oportunidade de uma visão de melhoria continua. O outro modelo de referência tratou do conjunto de atributos para análise de dispêndios. Os métodos de análise apresentavam a sequência de análise e linha de corte para o enquadramento de projetos como P&D e para aprovação de dispêndios. Além dos modelos foram criados materiais para apoio à avaliação, com frases padronizadas para atender as inúmeras situações distintas encontradas. Em ambos modelos, a avaliação era realizada mediante identificação e destaque dos indícios encontrados no texto apresentado pela empresa. Um dos desafios que a equipe encontrou foram campos descritivos, abertos, sem restrições ou mais definições do que deveria ser declarado por parte das empresas. Esse aspecto conferia uma dificuldade em relação à escalabilidade da avaliação que era uma preocupação fundamental para cumprimento do objetivo do projeto. Do mesmo modo, também foram consideradas desde o início a rastreabilidade das análises, sua repetibilidade e automatização bem como a construção de arcabouço que funcionasse para prevenir a formação de novos legados de RDA pendentes para avaliação. A homogeneização do entendimento conceitual por parte dos diferentes analistas e de sua aplicação de maneira consistente entre RDA de diferentes empresas e exercícios foi outro requisito determinante na concepção da metodologia, sempre considerando o que estava previsto na legislação, manuais e demais instruções veiculadas para o preenchimento dos RDA. Para tanto a equipe recebeu treinamento e atualização antes e ao longo de toda operação de avaliação. Além do aumento da qualidade e diminuição do tempo de avaliação, com ganho de homogeneidade entre os analistas e com redução de inferências, buscou-se a preservação das informações relacionadas ao processo de análise. A aplicação da metodologia, que é a utilização do método de análise em relação ao modelo de referência, gerou relatórios contendo tanto o resultado da análise do projeto em relação ao atendimento aos critérios de enquadramento como P&D, com os graus atribuídos e as justificativas elaboradas pelos analistas, como a análise dos dispêndios realizados, também com justificativas elaboradas pelos analistas. Um dos maiores desafios que a equipe foi capaz de transpor foi a integração das práticas encontradas na literatura, a legislação, as práticas herdadas pelo órgão gestor da política e a condição das empresas locais, com a informação que dispunham no momento da submissão do projeto, se adequarem à metodologia proposta. A metodologia de avaliação foi inicialmente elaborada focalizando a legislação e as melhores práticas de avaliação de projetos de P&D. No entanto, o órgão gestor da política instruiu a equipe sobre a necessidade do método preservar as práticas empregadas até então, resultando numa segunda proposta metodológica. Como exemplo, foi feita a mudança na descrição de dois dos quatro critérios que definiam se um projeto era ou não de P&D Stricto Sensu. Em um dos critérios, passou-se a exigir que o projeto contemplasse em seus objetivos, no todo ou em parte, a execução de atividades de natureza tecnológica que levassem à resolução de um problema técnico-científico na área de Tecnologia da Informação e não mais da resolução de um desafio tecnológico ou de uma incerteza científico-tecnológica, como havia sido proposto num primeiro momento. Nesse sentido houve uma perda de precisão em relação ao que se entende e se poderia exigir de um projeto de P&D. O Manual de Frascati, uma das referências utilizadas, distingue uma atividade de P&D por meio da noção de “incerteza científica ou tecnológica” no qual define “O critério básico para distinguir P&D (...) é a presença em P&D de um apreciável elemento de novidade e a resolução de uma incerteza científica ou tecnológica, isto é, quando a solução de um problema não é prontamente aparente para alguém familiar com o estoque básico de conhecimento e técnicas comuns para a área de interesse”. Esse esclarecimento do Manual levanta dois pontos importantes: o primeiro é que P&D visa resolver uma incerteza, seja ela científica ou tecnológica. O segundo ponto é que se o problema que o projeto precisa resolver pode ser atacado e solucionado com o repertório disponível e conhecido, então esse projeto não é um projeto de P&D, ele não tem um desafio a ser superado. Apesar de o Manual mencionar a resolução de um problema (e não incerteza ou desafio) isto não deve ser possível apenas com o repertório disponível. Dessa forma, deduz-se que deveria haver um desafio para a resolução de tal problema. Não seria assim apenas um problema, uma dificuldade rotineira, mas sim um problema com um desafio que envolve a utilização de novos conhecimentos. Foi então redefinido o texto de “desafio tecnológico ou incerteza científico-tecnológica” para “problema técnico-científico” e, assim, puderam ser aceitos projetos que apenas descreveram a existência de um problema técnico, sendo ele passível de resolução com conhecimento disponível. Embora com isso a exigência de um projeto que envolvesse, efetivamente, P&D tenha sido atenuada, considerando o contexto do projeto. Em alguns outros critérios foi necessária a redução de exigência na nota mínima necessária para enquadramento dos dois critérios utilizados. Em outro caso, foi necessário criar uma categoria intermediária de resultado de avaliação que se referia ao não enquadramento do projeto como P&D por falta de informação. Em todos os casos, a equipe poli.TIC buscou, seguindo os princípios das melhores práticas de avaliação, equalizar o complexo contexto técnico e político e finalizar, com sucesso, o projeto. Angela Maria Alves é pesquisadora no Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI)

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