AÇÕES DE COMBATE

RMC contabiliza dez casos de feminicídio em cinco meses

Situação neste ano supera nove registros de 2021 e sete ocorrências de 2022

Israel Moreira/ [email protected]
24/05/2023 às 09:00.
Atualizado em 24/05/2023 às 09:00
Comandante da Guarda Municipal de Campinas, Maria de Lourdes, apresentou detalhes do programa Gama (Fernanda Sunega/Prefeitura de Campinas)

Comandante da Guarda Municipal de Campinas, Maria de Lourdes, apresentou detalhes do programa Gama (Fernanda Sunega/Prefeitura de Campinas)

A Região Metropolitana de Campinas (RMC) teve 10 casos de feminicídio nos primeiros cinco meses de 2023, superando os dois últimos anos com nove registros em 2021 e sete ocorrências em 2022. Só esse ano em Campinas foram cinco situações de violência fatal contra as mulheres. Hortolândia, Sumaré, Santa Bárbara D’Oeste e Indaiatuba, registraram um caso cada. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP).

Esses casos vêm chamando a atenção do poder público pela complexidade do tema e com dois registros recentes em uma mesma semana, a Prefeitura de Campinas por meio da Secretaria de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos realizou na terça-feira (23) de manhã no Paço Municipal o seminário "Todos Contra o Feminicídio", trazendo uma ampla reflexão sobre os serviços e a natureza dessa modalidade de crime. Autoridades do poder público, especialistas e a sociedade civil manifestaram repúdio ao feminicídio e expuseram ações voltadas à prevenção, repressão e acolhimento das vítimas.

O prefeito Dário Saadi ressaltou as parcerias do município através da Guarda Municipal com a polícia Civil, por meio das Delegacias de Mulheres. “É uma situação que nos envergonha. E nosso objetivo enquanto poder público é combater a naturalização dessa cultura de violência contra as mulheres. Nessa última semana, ocorreram dois casos que nos revoltaram. Muitos casos têm um histórico de violência doméstica, por isso a necessidade de se alterar a normalização da cultura de agressão às mulheres. Esse sentimento de posse, de propriedade precisa acabar”, disse Dário.

“Nós identificamos três fatores recorrentes que impedem que mais mulheres denunciem a violência sofrida. A primeira delas é não reconhecer o ambiente doméstico como violento e agressivo. Por isso o município entende que há a necessidade de conscientizar essas mulheres sobre seus direitos, disponibilizando mecanismo seguro de denúncia e acompanhamento. Outro fator é desconhecimento dos serviços de proteção. As vítimas são dependentes do agressor, não só psicologicamente como financeiramente, por isso políticas públicas são necessárias para oferecer outra opção de renda para essas mulheres. E por fim, o medo e o receio de denunciar o companheiro agressor e sofrer perseguição. Há recursos como as Medidas Protetivas e o Auxílio Aluguel, para que essas mulheres denunciem, decidam sair dos seus lares e procurrem acolhimento”, completou a secretaria de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos, Vandecleya Moro.

A vereadora Mariana Conti (PSOL) alertou sobre a demanda e insuficiência de uma rede de atendimento as mulheres no município. “Em Campinas, a rede de atendimento às mulheres vítimas de violência é insuficiente para atender a demanda. Há muito tempo, os movimentos de mulheres de Campinas, cobram a ampliação dos serviços e equipes, como, por exemplo, do CEAMO. Mas infelizmente a vida das mulheres não é prioridade do governo municipal e a situação é muito crítica. Do início do ano até agora, tivemos cinco feminicídios em Campinas. Não podemos naturalizar uma situação como essa.”

A Guarda Municipal destacou o serviço municipal do Gama (Guarda Amigo da Mulher) com seu papel crítico na proteção de mulheres em situações de risco. A polícia Militar, também marcou presença no seminário apresentando os trabalhos preventivos de apoio às vítimas de violência doméstica.

PESQUISA

Para a pesquisadora colombiana da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Mônica Caicedo-Roa, a violência contra a mulher não é uma questão tão simples de se resolver. A situação é complexa. “O feminicídio é um fenômeno social e precisa ser entendido e combatido com tal. Há muito trabalho a ser feito com os agressores, não somente com as vítimas. Se não houver um trabalho com as duas partes, não tem como sairmos desse ciclo violento. Você pode empoderar a mulher, dar alternativas de trabalho, tirá-la da situação, mas, se você não trabalhar com os homens, o agressor vai procurar outra mulher e vai praticar violência contra ela, porque eles já cresceram numa cultura que ensinou esses padrões de comportamento" declarou a pesquisadora.

Monica realizou sua pesquisa de doutorado com o tema “Fatores de risco para feminicídios na cidade de Campinas” com 24 casos analisados de crimes contra a mulher, ocorridos no período de 2018 a 2019 pelo ponto de vista da epidemiologia e pela perspectiva interdisciplinar. A partir do levantamento de casos de feminicídio publicados na mídia, Caicedo-Roa juntou os dados das autópsias clínicas (obtidas no Instituto Médico Legal-IML) às informações das autópsias verbais, método que consiste na realização de entrevistas com parentes, amigos e conhecidos das mulheres assassinadas.

A pesquisadora evidenciou duas variáveis importantes que explicam a maior probabilidade de ocorrer um feminicídio, no caso de mulheres que, nos 30 dias anteriores ao crime, sofreram algum tipo de agressão física; e mulheres que vêm de outros estados do País, devido à distância da estrutura de apoio (familiares e amigos). “É interessante pensar no componente social desse fenômeno. As mulheres com uma estrutura de relações mais fortalecidas sofrem menor risco de serem vítimas de feminicídio. É importante que nós, enquanto sociedade, proteja as mulheres e que, como mulheres, desenvolvam maiores redes de apoio e empoderamento”, finalizou Monica.

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