RACISMO ESTRUTURAL

Risco de morte em Campinas é maior entre jovens negros

Prefeitura apresentou boletim inédito sobre a saúde da população negra; levantamento explicita desigualdades entre negros e brancos na cidade

Cibele Buoro/ [email protected]
28/10/2023 às 11:00.
Atualizado em 28/10/2023 às 11:00
Barra Grande, lembra que a população negra enfrenta, historicamente, disparidades no acesso à saúde (Eduar Lopes/PMC)

Barra Grande, lembra que a população negra enfrenta, historicamente, disparidades no acesso à saúde (Eduar Lopes/PMC)

Um mapeamento da Prefeitura de Campinas sobre os indicadores de saúde da população negra revela que, nos últimos cinco anos (2018 até 2022), o risco elevado de morte foi maior entre os homens negros (24,7% do total de óbitos), especialmente entre adultos jovens do sexo masculino (20-29 anos), grupo em que há a maior diferença observada na comparação com a população branca de Campinas. Durante o período, foram 10 mortes de homens negros de 20 a 29 anos e 5,6 de homens brancos da mesma idade a cada mil habitantes.

Outro dado relevante no boletim "Saúde da População Negra Campineira" diz respeito à mortalidade materna, ou seja, mortes que aconteceram durante a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término da gravidez, desde que tenha como causa fator relacionado ou agravado pela gestação, sem considerar fatores acidentais. Neste caso, a "Razão de Mortalidade Materna" por 100 mil nascidos vivos no ano passado foi de 63,3 para mulheres negras e 13,1 para mulheres brancas. Em 2021, o índice de mortalidade materna entre mulheres negras foi ainda mais elevado: 109,2 por 100 mil nascidos vivos.

Ainda, em relação aos nascidos vivos de mães brancas e negras, a proporção de nascimentos é maior na população branca. Com pequenas variações, a proporção oscilou, de 2018 a 2022, entre 54,4% e 60,4% para as mães brancas e entre 37,4% e 42,7% de mães negras.

O levantamento é resultado de uma compilação de informações do Sistema Único de Saúde (SUS), dos postos de saúde do município, do prontuário eletrônico do Ministério da Saúde, IBGE/PNAD, além do Sistema de Vigilância e de Violência de Campinas e de registros de nascimentos e mortalidade.

A diretora do Departamento de Vigilância em Saúde, Andrea Von Zuben, afirma que se trata de um estudo inédito sobre saúde da população negra e que os dados nortearão “melhorias específicas” de saúde no município. A proposta é transformar essas políticas em ações recorrentes de forma a combater outras situações de desigualdade, e não apenas na área da saúde.

Quanto à distribuição de raça/cor em Campinas, utilizando os dados do censo demográfico do IBGE de 2010, 32,3% da população campineira se autodeclara negra (preta e parda). A maioria, 66,3%, se declara branca, o que mostra uma situação diferente da existente no país. Com dados mais atualizados, em 2022 a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) mostrou que 42,8% das pessoas do país se declararam branca e a maioria dos brasileiros se considera negra (56%), sendo 10,6% pretos e 45,3% pardos.

O mesmo censo de 2010 do IBGE mostra a diferença no envelhecimento entre brancos e negros. 8,2% da população negra possuía idade igual ou acima de 60 anos. Na população branca, esse índice era de 14,3%. Quando observamos a diferença entre sexos na população negra, 9,14% das mulheres tinham idade maior ou igual 60 anos, enquanto entre os homens esse percentual era de 7,2%. As condições de vida e o acesso à saúde são determinantes na diminuição da mortalidade precoce por doenças evitáveis.

Vale destacar que embora tenha utilizado dados do censo de 2010, o boletim divulgado pela Prefeitura também mostrou a proporção da população registrada no Sistema de Informação da Atenção Básica (SISAB/e-SUS APS) segundo a raça/cor, com resultados semelhantes: 62,3% das pessoas se autodeclaram brancas e 34,8% negras em Campinas.

Segundo a enfermeira e membro do Departamento de Vigilância em Saúde (Devisa) da Secretaria de Saúde de Campinas, Kamila de Oliveira Belo, estes dados demonstram as condições de vida da população negra, como o acesso à saúde, educação, segurança, hábitos alimentares, renda, tempo gasto no trânsito para o trabalho e retorno à casa e frequência à academia de ginástica.

“Esses são fatores que se refletem na longevidade das pessoas”, explica Kamila. Ainda segundo ela, esses dados demonstram a ausência de políticas públicas para a população negra há 20 anos, portanto algo não iniciado nessa gestão, que vem “de governos anteriores”.

GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

Se, por um lado, houve mais nascidos vivos de mães brancas do que de mães negras (respectivamente, em 2022, 60,4% e 37,4%), mesmo com a população branca sendo maioria, quando se observa a proporção de nascidos vivos de mães adolescentes em Campinas (8,2% dos nascidos vivos), notase a redução dessa diferença, indicando que a gravidez na adolescência é um fator de extrema relevância para a saúde das meninas negras. Neste caso, em 2022 a divisão ficou em 49,3% de nascimentos vivos de mães adolescentes brancas e 48,5% de adolescentes negras. Os números da gravidez precoce entre as adolescentes negras mostram quão privadas elas são do acesso à informação, aos direitos sexuais e reprodutivos e à educação.

Segundo Kamila, algumas condições impedem que essas meninas possam aproveitar a infância, como a falta de uma estrutura familiar, a dificuldade financeira - que pode levar ao trabalho infantil - e o fato de terem que cuidar dos irmãos mais novos enquanto os adultos estão fora de casa. “Quando as meninas negras estão fora da escola, estão menos protegidas e, por isso, expostas à gravidez precoce.”

A gravidez precoce aumenta as chances de morbidades na gestação e mortalidade materna. Por isso, de acordo com a enfermeira do Devisa, é preciso sanar as desigualdades de acesso em saúde voltadas aos direitos sexuais e reprodutivos, que afetam diretamente a maternidade, o acompanhamento do pré-natal, o parto e o puerpério.

O mapeamento da Prefeitura também revelou que a população negra – sobretudo mulheres e idosos - está mais suscetível a alguns tipos de violências, como agressões domésticas, violência psicológica (dentro e fora do núcleo familiar) e violência institucional (quando há assédio no local de trabalho).

Sendo os profissionais de saúde que atendem nos hospitais os primeiros a terem contato com vítimas de violência doméstica, a Prefeitura tem promovido uma campanha de sensibilização para que eles acolham com qualidade as vítimas de violência e racismo.

“Quando a mulher é violentada pelo companheiro, ela recorre primeiro ao hospital. Os profissionais de saúde estão obrigados, por lei, a notificarem o caso no sistema de vigilância e violência de Campinas”, destaca Kamila.

Diante das informações apresentadas no levantamento, Kamila relata que a Secretaria de Saúde prevê a promoção de políticas públicas de igualdade racial em âmbito municipal, algo que é considerado por ela como uma ação inédita, pois demonstra a iniciativa da gestão local. Outra política pública já em andamento é a implantação de método contraceptivo por meio de implante subcutâneo nas adolescentes dos bairros mais vulneráveis.

FILA DE ESPERA

Mãe de quatro filhos, Luciane Santos é moradora do bairro Cidade Singer e usuária do Centro de Saúde do Jardim Campo Belo. Ela conta que os moradores precisam pernoitar na fila para conseguirem consulta. Por dia, o CS distribui até sete senhas, mas não para atendimento. Elas servem para a triagem, e são de duas a três horas até o chamado. Quem consegue a senha, é encaminhado para a triagem. Se o problema de saúde for urgente, o atendimento é no mesmo dia, caso contrário a consulta é agendada. A partir disso, a demora é de três a quatro meses, e ainda dependendo da disponibilidade de agenda do médico.

Ela também reclama que exames são igualmente demorados e que quase nunca encontram os remédios que necessitam. “Toda essa dificuldade desanima, por isso optamos por procurar o pronto-socorro do Hospital Mário Gatti. O atendimento também demora, mas somos atendidos no dia”, diz Luciana, que é fundadora do projeto social ProDICA - Programa de Desenvolvimento Integrativo da Criança e Adulto.

Na avaliação do presidente do Conselho de Desenvolvimento e Participação da Comunidade Negra de Campinas, Moacyr Barra Grande, a gestão municipal precisa garantir a equidade em políticas de saúde para acesso a todos, independente de sua raça ou etnia. “A população negra historicamente enfrentou disparidades no acesso à saúde. As políticas públicas buscam corrigir essas desigualdades”, analisa Moacyr.

Ele afirma que a população negra enfrenta um maior risco de doenças crônicas, como hipertensão, diabetes e doenças cardíacas. “Políticas públicas de saúde podem direcionar recursos para a prevenção e tratamento dessas condições, reduzindo as disparidades de saúde”, conclui.

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