Reitor Antonio José de Almeida Meirelles e Dário Saadi assinaram, no início do mês, carta de intenções para rede de apoio ao povo indígena (Alessandro Torres)
Dois dias depois do caso de racismo contra a comunidade indígena, na terça-feira (22) foi a vez da reitoria da Universidade de Campinas (Unicamp) se manifestar sobre o ocorrido no último sábado, dia 19, durante o evento Unicamp de Portas Abertas. As falas foram proferidas no período da tarde, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), em uma roda de conversa promovida pelo Grupo de Estudos de Filosofia Indígena. Um aluno do curso de Filosofia da PUC-Campinas, Washington de Oliveira Vieira, participava do debate como ouvinte e disse que “ninguém está interessado no idioma indígena”, “que as etnias indígenas devem se adequar à civilização” e que os “índios devem tirar a tanga e estudar nossa língua”. O discurso preconceituoso foi registrado em vídeo e publicado nas redes sociais.
“A Universidade Estadual de Campinas vem a público repudiar as falas de conteúdo racista proferidas por um estudante de outra instituição de ensino, durante apresentação do Grupo de Estudos de Filosofia Indígena realizada no dia 19 de agosto, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, no âmbito das atividades do evento Unicamp de Portas Abertas (UPA)”, cita a nota. “A Unicamp reforça o seu compromisso com o processo de inclusão dos povos e pessoas indígenas em sua comunidade, já expressos em suas políticas de acesso e permanência, assim como na busca incessante pela ampliação e pelo aperfeiçoamento destes mecanismos”, finaliza o documento.
Os alunos indígenas da universidade alegam ainda que o rapaz teria dito que os povos originários são “drogados”, “vagabundos” e “atrasados”. O Coletivo Acadêmicos Indígenas da Unicamp (AIU) enviou uma carta cobrando posicionamento da reitoria e disse que registrará um boletim de ocorrência.
RELATO E OUTROS POSICIONAMENTOS
A estudante de ciências sociais Marcela Pankararu, de 30 anos, estava no evento e presenciou o ocorrido. Ela conta que os estudantes ficaram em choque ao ouvir as falas racistas proferidas por Washington. Marcela detalhou por pontos as falas agressivas emitidas pelo outro estudante.
“Ele começa dizendo que ninguém está interessado no nosso idioma, que nós é que devemos falar o português, assim como todo mundo. Até porque, na visão dele, nossas etnias não vão existir em breve. Disse que os ‘homens do Ocidente’ inventaram tudo e devem ser dominantes, não fazendo sentido a continuidade da nossa existência.”
No vídeo, registrado por outros participantes do evento, é possível ouvir as ofensas. O rapaz fala que “o homem ocidental é aquele que criou a tecnologia, criou a bomba nuclear, criou uma série de coisas para se estabelecer como dominante, então a gente tem que se adequar, não tem essa. Eu acho que o 'índio' mesmo, no meu ponto de vista, tem que tirar aquela tanga dele, tá certo? E estudar nossa língua em vez de ficar falando essa língua que ninguém entende. Detalhe, tem que entender que a maioria das pessoas não está interessada em aprender tupi-guarani nem língua nenhuma deles”, diz o homem, que somente parou ao ser interrompido por outro aluno.
Em outro vídeo é possível ouvir o momento em que o rapaz é convidado a se retirar. Ele reclama, mas não resiste, e deixa o local sob protestos. Apesar das falas racistas, nenhuma agressão física foi registrada. A PUC-Campinas confirmou que Washington é aluno da instituição e se posicionou sobre o caso. “A PUC-Campinas defende e preza, em todas suas atividades acadêmicas e institucionais, uma sociedade justa e fraterna, o que inclui o respeito às origens e às culturas diversas que compõem a nação brasileira. A Universidade condena com veemência a manifestação do estudante e reforça que a postura do aluno confronta a missão e os valores da instituição."
O IFCH também se manifestou em nota. “Durante a exposição do Grupo de Estudos de Filosofia Indígena, um dos participantes da atividade - que não é estudante da Unicamp- fez uma intervenção racista contra os povos indígenas. Mais do que emitir opiniões infundadas, sua fala demonstra preconceito e ignorância, desrespeita a diversidade de saberes e culturas, expressa e promove a violência contra os povos indígenas, manifestando um profundo desrespeito aos direitos humanos e incorrendo no crime de racismo. Diante desse episódio, o IFCH e toda sua comunidade se solidarizam com os povos indígenas, que hoje fazem parte dos saberes que ensinamos, aprendemos e compartilhamos, não apenas no IFCH, mas em toda a Unicamp.”