MPT-15

Regional de Campinas lidera denúncias de trabalho infantil

Em 2022 a unidade teve 107 registros e neste ano até 5 de junho são 59 apontamentos

Luis Eduardo de Sousa/ [email protected]
13/06/2023 às 08:43.
Atualizado em 13/06/2023 às 10:05
Em bairros nobres, crianças costumam figurar como pedintes, em semáforos e portas de estabelecimentos; pedintes também são levados em consideração nos registros do MPT (Kamá Ribeiro)

Em bairros nobres, crianças costumam figurar como pedintes, em semáforos e portas de estabelecimentos; pedintes também são levados em consideração nos registros do MPT (Kamá Ribeiro)

O Ministério Público do Trabalho (MPT) da 15ª Região, com sede em Campinas e responsável por 599 municípios paulistas, teve a Procuradoria Regional do Trabalho (PRT) da metrópole liderando as denúncias de trabalho infantil em 2022. No total o MPT-15 tem nove unidades da PRT. Cada unidade atende a um número de cidades em suas respectivas regiões. A PRT Campinas é responsável por 89 municípios incluindo da Região Metropolitana de Campinas (RMC), as regiões de Jundiaí e Piracicaba. Além do MPT-15, o Estado de São Paulo também conta com o MPT da 2ª Região, com sede em São Paulo que abrange as cidades de São Paulo, Barueri, Gurarulhos, Santos, Mogi das Cruzes e São Bernardo do Campo. Na PRT de Campinas foram 107 registros, mais da metade do que foi contabilizado pela vice-liderança, ocupada pelas unidades de São José do Rio Preto e Ribeirão Preto, que empataram com 52 denúncias cada.

Os números de 2023 também preocupam. Entre janeiro e o último dia 5 de junho são 59 apontamentos, equivalente a 55% do total do ano passado. Para este período, figura como a segunda colocada a região de São José dos Campos, no Vale do Paraíba, que já somou 29 denúncias. O procurador regional do trabalho, Ronaldo Lira, atribui o alto índice de casos ao reaquecimento da economia com retorno das atividades presenciais e ao aumento da pobreza. A psicopedagoga Priscila Gil Neto aponta que o alto número de denúncias representa um risco social, já que o trabalho infantil desrespeita direitos assegurados por lei e atrapalha o desenvolvimento das vítimas, que podem desenvolver quadros de ansiedade e depressão.

O balanço, que foi divulgado em razão do Dia Mundial do Combate ao Trabalho Infantil, celebrado na segunda-feira (12), revela dados também de 2021, quando a unidade de Campinas também liderou no número de apontamentos. No acumulado do ano foram 137. A segunda colocada foi a unidade de Ribeirão Preto, com 107 registros.

Ainda para a unidade de Campinas, a média de denúncias nos últimos 30 meses (período divulgado pelo balanço) é de 10 a cada mês.

No ano de 2021 as denúncias resultaram em 10 termos de ajustamento de conduta (TAC) entre o MPT e os denunciados pela prática. Foram abertas ainda seis ações civis públicas. Já em 2022 foram 21 ações 25 TACs. Neste ano até o dia 5 de junho foram consumadas 10 TACs, mas nenhuma ação foi aberta. “Quando uma denúncia chega ao MPT ela é distribuída a um procurador que começa a fazer uma investigação prévia, que pode demorar meses até cair depois na publicação de portaria de inquérito. Isso significa que uma denúncia apontada em um ano pode resultar em investigação só no ano seguinte”, explica a assessoria de comunicação do órgão.

Ronaldo Lira é um dos procuradores que atuam na unidade de Campinas. Ele considera alto o número de denúncias, mesmo considerando o tamanho da região atendida pela unidade instalada na metrópole, e atribui a isso o retorno das atividades presenciais e o aumento da pobreza.

“A retomada da economia significa mais pessoas saindo de casa, maior movimentação nas ruas e, consequentemente, mais crianças também voltando a situações de rua e trabalho in loco, elevando o número de denúncias. O segundo é o aumento da pobreza. A pandemia fez com que muitas pessoas perdessem seus empregos e não conseguissem requalificação. Em linhas gerais, vulnerabilidade social e trabalho infantil têm estreita ligação, já que as crianças e adolescentes trabalham para contribuir com a renda da casa”, explica.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em dezembro do ano passado mostram que a pobreza deu um salto no Brasil, influenciado pela pandemia. Em 2021, o número de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza aumentou 22,7% na comparação com 2020. Já o número de pessoas em situação de extrema pobreza saltou 48,2% no mesmo período. “Vulnerabilidade e trabalho infantil tem estreita relação”, diz Lira.

O procurador explica que é difícil estratificar o fenômeno, que ocorre em diferentes lugares e tornam vítimas crianças e adolescentes de todas as faixas etárias. “Nos bairros mais pobres as vítimas, geralmente, trabalham em pequenos negócios, como lava rápidos e oficinas mecânicas, por exemplo. Nos bairros nobres, costumam figurar como pedintes, em semáforos e portas de estabelecimentos – pedintes também são levados em consideração nos registros do MPT. A idade varia de acordo com a atividade. Nas ruas, é mais comum observar crianças. Já nas atividades clandestinas em empresas é mais comum observar adolescentes”, disserta.

O Comitê Municipal Intersetorial de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) de Campinas organizou um seminário para discutir o assunto com toda a rede municipal de ensino. Intitulado "Escolarização e Intersetorialidade no Enfrentamento do Trabalho Infantil", o seminário acontecerá amanhã, das 8h30 às 12h, no Auditório da UNIP – Campus 2, localizado na Av. Comendador Enzo Ferrari, 280, no Swift.

DANOS

“Criança não trabalha, criança dá trabalho. Uma criança ou adolescente exposta a situação de atividade profissional perde direitos básicos assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e é exposta a uma série de riscos à saúde. Tanto saúde física, com exposição ao sol e carregamento de peso, por exemplo, que podem implicar em doenças de pele, de coluna, quanto emocional, já que essa criança está perdendo tempo de acolhimento para com as emoções, que consequentemente faz com que ela lá na frente não saiba lidar com os problemas naturais da vida. Com isso, pode desenvolver ansiedade, depressão, pânico e outras fobias sociais”, sustenta a psicóloga e psicopedagoga Priscila Gil Neto, que trabalha com acompanhamento educacional.

“É importante levar em consideração também que essa criança ou adolescente, exposta a um ambiente insalubre, corre outros riscos. De abuso sexual e de agressão física e psicológica são alguns exemplos também. Se um ambiente permite que a criança trabalhe, então é preciso ter consciência que esse ambiente pode oferecer todos os riscos que proporciona a um adulto, só que para uma pessoa que não tem condição de se defender. Não dá para medir as intenções das pessoas que compõem o entorno desta vítima”, completa a especialista.

De acordo com o MPT, comumente, as saídas para casos com inquéritos abertos buscam acolher tanto a vítima quanto a família, que na maioria das vezes sofre com dificuldades ligadas às questões de vulnerabilidade. Para que os números decresçam, Lira defende que ações intersetoriais devem ser tomadas pelos diferentes órgãos públicos, com maior fiscalização e oferta de opções para que as vítimas em potencial ocupem seus tempos. “Com esporte, educação, lazer, enfim, recreação no geral, a criança preenche o tempo que seria ocupado pelo trabalho. Alia-se a isso ações no campo da assistência social, provendo oportunidade de renda para as famílias, às ações de fiscalização, evitando evasão escolar e contratação irregular de jovens e adolescentes. As ações conjuntas é que resultam em mudanças concretas”, finaliza.

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