DRS-7, que abrange 42 cidades, revelou o aumento de 96% nos procedimentos realizados de janeiro a novembro do ano passado em comparação com todo o ano de 2023
Coordenador do Centro de Excelência em Cirurgia Bariátrica do Hospital PUC-Campinas, Hercio Cunha destacou os avanços nos procedimentos e revelou que hoje um paciente é liberado 24 horas após a intervenção; unidade hospitalar realiza 500 bariátricas por mês fora do SUS (Rodrigo Zanotto)
O número de cirurgias bariátricas registradas pelo Departamento Regional de Saúde (DRS) de Campinas, composto por 42 cidades, registrou um aumento de 96% entre 2023 (21) e o período de janeiro a novembro de 2024 (41). O índice é superior ao do Estado de São Paulo, que no mesmo período registrou alta de 26,8% nos procedimentos realizados, saltando de 1.434 em 2023 para 1.818 nos 11 primeiros meses do ano passado. O avanço nos procedimentos bariátricos traduz uma retomada crescente das cirurgias, que apresentaram uma queda significativa entre 2020 e 2021 por causa da pandemia da covid-19, momento em que os leitos foram priorizados para os atendimentos de urgência e emergência.
Segundo o coordenador do Centro de Excelência em Cirurgia Bariátrica do Hospital PUC-Campinas, Hercio Cunha, os avanços das cirurgias bariátricas têm possibilitado a melhor recuperação dos que se submetem ao procedimento. Há 20 anos, era exigido que o paciente permanecesse no hospital após a cirurgia por até quatro dias, para garantir uma melhor recuperação. Atualmente, 24 horas depois da intervenção a alta hospitalar é liberada.
Cunha pontuou que a aposta futura da cirurgia bariátrica é a cirurgia robótica assistida. Neste caso o processo de laparoscopia, que se utiliza de pequenos furos para a incisão das pinças no paciente, continua o mesmo. A mudança é que um robô passa a movimentar os instrumentos cirúrgicos seguindo os comandos do médico responsável. Desta maneira, o manuseio torna-se mais preciso, garantindo a rotação da pinça em até 540º, movimento incapaz para a mão humana, além de as imagens geradas pelo instrumento tecnológico serem em 3D e 4K, o que garante maior nitidez a cada passo.
“A cirurgia robótica é feita no Brasil há cinco anos, porém é algo que está bem no início, ainda na fase de implementação. Do total de bariátricas realizadas no país, as que se utilizam de um robô não chegam a 1%”, contextualizou Cunha. No Hospital PUC-Campinas, informou o médico, são realizadas cerca de 500 cirurgias bariátricas por ano, procedimentos subsidiados por convênios médicos e financiados pelos pacientes.
Para que a cirurgia seja indicada ao obeso, explicou Cunha, é necessário que ele passe por uma equipe médica formada por diversos especialistas, como nutricionista, endocrinologista, cardiologista e psicólogo. Também é preciso que o paciente tenha tentado anteriormente emagrecer de outras maneiras. São comuns os casos de pessoas que recorrem ao uso de remédios para auxiliar na perda de peso, antes de cogitar a possibilidade da bariátrica. “Em relação à capacidade de perda de peso e manutenção do emagrecimento, não há comparação entre a bariátrica e o uso de remédios. Os resultados obtidos com a cirurgia alcançam índices superiores neste caso”, ressaltou.
Segundo o coordenador do Centro, as chances de sucesso com o uso de remédios são menores porque o organismo vai se adaptando à ingestão das medicações. “A obesidade é uma doença crônica, por isso tem que ser tratada a vida inteira”, alertou. Ao contrário de remédios de uso contínuo, acrescentou, os que buscam o emagrecimento não possuem essa recomendação por causa dos possíveis efeitos colaterais, como o refluxo.
Um dos fatores decisivos para que o paciente seja submetido à operação é o Índice de Massa Corporal (IMC), que leva em conta o peso e a altura. No Brasil, pessoas com IMC maior ou igual a 40 são candidatas para a cirurgia. Quem tem IMC maior ou igual a 35, e possui comorbidades, como pressão alta, colesterol e depressão, também pode receber a indicação do procedimento. No entanto, segundo Cunha, até o conceito de obesidade tem sido questionado por especialistas. No exterior, por exemplo, os índices classificatórios são diferentes, tornando aptos ao procedimento pacientes com IMC igual ou maior a 35 e, para quem tem comorbidades, IMC maior ou igual a 30.
“O valor do índice não é a melhor maneira para classificar a obesidade. Afinal, o peso também é composto pela musculatura. Então uma pessoa com IMC alto não necessariamente tem sobrepeso ou é obesa. Cada caso é um caso”, frisou o especialista. Na contramão de quem recorre à bariátrica como uma oportunidade de mudança de vida, há os que desprezam os riscos do procedimento e se propõem a engordar apenas para fazer a cirurgia, no vislumbre de solucionar de maneira rápida um problema de saúde. “Escutamos muito a frase ‘vou comer e depois faço bariátrica’. Isso precisa ser tratado de maneira séria”, ressaltou.
O médico esclareceu que o sucesso pós-cirúrgico depende do paciente. Sendo assim, a operação é apenas o passo inicial. Posteriormente, a pessoa precisará lidar com uma série de cuidados e disciplina. “O emagrecimento será parte do processo. O mais difícil é manter o resultado obtido”, pontuou. A partir de dois anos após a operação é natural o reganho de peso, que pode chegar a até 20% do total de quilos eliminados.
As técnicas bariátricas mais realizadas no Brasil são a Sleeve, em que parte do estômago é removida, e a Bypass, que conta com alterações no estômago e intestino. “O tipo de cirurgia depende de uma decisão tomada em conjunto com o paciente. Em cada caso há vantagens e desvantagens”, ressaltou. As cirurgias, acrescentou, podem ser indicadas para pessoas a partir de 16 anos, sem idade limite, e os riscos do procedimento são comparáveis aos de uma cesárea ou cirurgia para retirada da vesícula. “Ao analisar os prós e contras, o riscobenefício é muito aceitável”, concluiu o médico.
MUDANÇA DE VIDA
A gerente de hotel, Adriana de Lima Gonçalves, realizou a cirurgia bariátrica em 2019, depois de lutar por mais de uma década contra a obesidade. Segundo ela, o ganho de peso teve início em 2005 por causa de problemas emocionais. A comida tornou-se uma fuga que a levou a sair de 60 kg para 109 kg. Antes de cogitar a intervenção cirúrgica, Adriana tinha convicção de que conseguiria alcançar os resultados desejados sozinha. Deste modo, seu processo foi marcado por altos e baixos na balança e, por consequência, em sua esperança de voltar a se reconhecer no reflexo do espelho.
“Eu sempre tive esperança de que conseguiria chegar lá. Iniciava atividade física e acompanhamento nutricional e com endocrinologista. Tudo o que você pode pensar eu tentei. Cheguei a perder peso, mas em quatro meses eu recuperava os quilos perdidos novamente”, contou a gerente. De acordo com ela, sua compulsão alimentar começou a nortear seus hábitos sem que ela percebesse, o que fez com que cada novo recomeço com dietas fosse ainda mais difícil que o anterior. No total foram mais de 100 tentativas.
A possibilidade de realizar a bariátrica surgiu quando a gerente começou a assistir a um programa televiso que retratava o processo cirúrgico, acompanhando passo a passo a trajetória de pessoas obesas que foram submetidas ao procedimento. Na sequência, ela acompanhou pessoas de seu convívio que decidiram recorrer à cirurgia para emagrecer. “Eu vi casos de pessoas que ficaram magras e conseguiram manter uma qualidade de vida, e de quem engordou tudo de novo.”
O momento decisivo foi quando Adriana decidiu ir às palestras sobre o procedimento e ouviu de um médico especialista que apenas 2% das pessoas obesas que emagrecem conseguem manter o peso. “Quando eu percebi que precisava de uma ajuda mecânica para alcançar o meu objetivo, decidi seguir esse caminho por mim, mas eu sabia que era uma ajuda e não um milagre”, ressaltou. Ela passou por um longo processo de avaliação médica e por diversos especialistas para se tornar apta à intervenção cirúrgica.
Um ano e três meses depois da operação, a paciente alcançou a sua meta de voltar a pesar 60 kg. Durante a caminhada, esforço e foco foram imprescindíveis. “Depois de seis meses operada, eu não estava seguindo as recomendações médicas à risca. Foi quando o meu médico me deu um choque de realidade. Eu corri riscos, tinha feito tanto por mim... não podia relaxar naquele momento.” Desde então, Adriana faz atividade física todos os dias e mantém atenção com a alimentação. “A luta continua, porém agora eu gosto de quem vejo no espelho e tenho mais forças para seguir”, concluiu.
Siga o perfil do Correio Popular no Instagram