INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Rede estadual de ensino conta com IA para auxiliar correção de redação

Sistema está em fase de testes desde agosto e deve passar a valer a partir de 2024

Isadora Stentzler/ [email protected]
30/12/2023 às 10:43.
Atualizado em 30/12/2023 às 10:43
Durante todo o segundo semestre, mais de 2,4 milhões de estudantes submeteram 3,5 milhões de redações para análise da IA; considerando apenas a Diretoria de Ensino Campinas Oeste, foram 120 mil (Secretaria da Educação/SP)

Durante todo o segundo semestre, mais de 2,4 milhões de estudantes submeteram 3,5 milhões de redações para análise da IA; considerando apenas a Diretoria de Ensino Campinas Oeste, foram 120 mil (Secretaria da Educação/SP)

A Inteligência Artificial (IA) se tornou uma aliada para as aulas de redação na rede Estadual de Ensino de São Paulo. Desde agosto, um sistema tem sido testado na plataforma Redação Paulista e já tem ajudado milhões de estudantes na correção ortográfica de textos, além de diminuir o tempo resposta da revisão dos professores. A tecnologia foi desenvolvida pelo Centro de Mídias São Paulo, da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

A IA verifica de forma automatizada os erros de ortografia e gramática e ainda sugere uma nota para a avaliação do aluno. Todo o material é submetido ao professor que faz a checagem final e atribui o peso da redação.

Ao longo do segundo semestre, mais de 2,4 milhões de estudantes em todo o estado submeteram 3,5 milhões de redações para a análise da IA. Considerando somente a Diretoria de Ensino Campinas Oeste, esse número foi de 120 mil no segundo semestre.

Até a implantação da assistente virtual, a conferência era feita manualmente pelos professores. Segundo uma estimativa feita pela dirigente da Diretoria de Ensino Campinas Oeste, Patrícia Adolf Lutz, enquanto um professor pode levar de 10 a 15 minutos para corrigir uma redação, a IA faz isso em segundos.

O objetivo, de acordo com o secretário da Educação, Renato Feder, é ampliar o número de redações no ano que vem e, assim, garantir que estudantes da rede pública escrevam mais e melhor e alcancem melhores índices em avaliações como o Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) e o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

COMO FUNCIONA

Para usar a IA, cada aluno tem acesso a um computador na escola e acessa o programa disponibilizado pelo governo estadual. Nele, o estudante produz a redação. Depois disso, ao clicar em um comando, a IA responde imediatamente apontando quais os erros gramaticais estão presentes no texto. A IA não altera a redação, mas deixa grifado o que está em desacordo com as regras ortográficas. A partir disso, o estudante tem a possibilidade de alterar as informações erradas e submeter a redação novamente para a plataforma. Neste segundo envio, o texto vai para o professor já com as correções gramaticais. Cabe ao docente apenas verificar a coesão e coerência do material. A IA ainda sugere uma possível nota, que é avaliada e definida pelo professor.

“O professor deixa de gastar tempo com a correção objetiva”, explicou Patrícia. “Quando a gente lê muito, por muito tempo, muitas vezes não consegue identificar o erro, seja uma palavra ‘comida’ ou mesmo algum erro crasso. A Inteligência Artificial vem para sanar essa possível falha humana e para otimizar.”

O sistema está em fase de testes em todo o Estado de São Paulo e é usado por alunos do 6º ao 9º ano e do Ensino Médio. A ajuda tecnológica, porém, não substitui as avaliações escritas e redações feitas à mão. Patrícia explica que a metodologia ainda é utilizada para que os alunos fiquem familiarizados com processos seletivos como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que exige redação feita “à moda antiga”.

Questionada se a IA pode distanciar o professor das reais dificuldades do aluno na escrita, a dirigente negou.

“O professor de Língua Portuguesa tem esse vínculo muito grande com os estudantes. No dia a dia não existe somente a redação, então a IA não substitui (o professor) em nada. O professor continua com suas metodologias em sala de aula, realizando o acompanhamento do aluno. Além disso, ele visualiza o que foi apontado pela IA na primeira produção textual do estudante, então ele sabe a palavra que o aluno escreveu errado”, explicou.

PROFESSORES APROVAM, MAS VEEM FALHAS

Uma professora ouvida pela reportagem, e que não quis ser identificada, disse que no início teve dificuldade para usar o sistema. Ela refletiu, ainda, que, diferente do que é divulgado pelo estado, a IA não otimizou o tempo de revisão. A maior preocupação da professora é que a rotina com a IA forme uma geração de estudantes que não reflete sobre os erros cometidos na escrita, deixando na mão da IA a correção. “Muitos alunos sequer fazem as correções necessárias. Também já peguei redações com textos copiados de site”, apontou.

Outra professora, que também optou pelo anonimato, compartilhou a mesma opinião sobre a otimização do tempo. Ela ainda disse que a plataforma é limitada nos comentários do docente sobre a produção do aluno. “Eu não consigo fazer comentários pontuais ao longo do texto do aluno, porque esse comentário muda de lugar. Ele não fica salvo no lugar que eu selecionei e ainda há um limite de caracteres para fazer isso. Então, às vezes, você faz um comentário muito simplista”, ponderou.

Além disso, ela citou que o estado exige uma redação por mês na plataforma para cada aluno. Para professores que lecionam em quatro turmas, esse número chega a quase 140 textos por mês. Uma correção automatizada pode deixar passar erros que demandariam atenção do docente. Por isso, como metodologia, ela opta por trabalhar a temática da redação em sala e realizar a produção nos cadernos para, depois, inserir os textos na plataforma.

Willian, um terceiro professor da rede estadual ouvido pelo Correio Popular, acrescentou que já viu falhas que não condizem com a gramática. “Há outro ponto que merece consideração: o fato de a redação ser mensal acaba gerando uma certa sobrecarga de atividades, e a redação acaba sendo feita de qualquer maneira. O sistema entende que se os alunos fizeram as redações, então está tudo certo. Se cumpre burocracias, todos se dão por satisfeitos, mas quem sai prejudicado é o aluno”, pontuou.

O professor Huyra Estevao de Araujo, apontou que professores precisam estar atentos para o uso dessas ferramentas digitais no ensino.

“Em torno dos estudantes, a gente não pode esquecer que um dos papéis da escola, principalmente da educação básica, é promover uma formação, uma compreensão crítica da realidade. Então é importantíssimo que os professores se apropriem das ferramentas de Inteligência Artificial para que, aí sim, possam também ter uma relação dialógica com os estudantes sobre essa realidade que os rodeia”, avaliou.

Porém, segundo o especialista, em nenhum momento a IA deve ocupar o papel do professor ou ter a autonomia de ensino, que é própria do docente. A educação, de acordo com ele, se dá pela interação do professor com aluno e isso nenhuma IA pode substituir.

“Agora, um aspecto sobre os cuidados que precisam ser levados em conta quando a gente fala do uso da Inteligência Artificial na educação é a gente relembrar como que a Inteligência Artificial vai dar essas respostas. Elas são soluções criadas a partir de um compilado de informações que existem. Nós temos todos os tipos de informações, corretas, incorretas. Dessa forma, nós temos informações que vão fazer com que as soluções criadas pela Inteligência Artificial também possam ser enviesadas”, frisou. Apesar disso, o professor vê com bons olhos o uso desse tipo de ferramenta no dia a dia estudantil.

MATEMÁTICA E LÍNGUA PORTUGUESA

Além da adoção total da ferramenta de IA para 2024, a educação do Estado fará uma reforma da matriz do Ensino Médio, ampliando o foco em áreas como linguística e exatas. Será aumentado em 60% o tempo destinado à aprendizagem de língua portuguesa no Ensino Médio. A matemática terá um aumento de 70%.

Além das aulas de língua portuguesa, os estudantes terão acesso à disciplina de redação e leitura. Em matemática, o incremento acontecerá com aulas de educação financeira.

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