ENTREVISTA

Redaelli cobra gestão mais transparente no trânsito

Dono do despachante Canhão critica prioridade na aplicação de multas

Thiago Rovêdo / [email protected]
11/06/2022 às 20:34.
Atualizado em 12/06/2022 às 10:59
O advogado especialista em trânsito, Oswaldo Redaelli Filho, em seu escritório no Canhão Despachante: atendimento a concessionárias, revendas e empresas de Campinas e região (Gustavo Tilio)

O advogado especialista em trânsito, Oswaldo Redaelli Filho, em seu escritório no Canhão Despachante: atendimento a concessionárias, revendas e empresas de Campinas e região (Gustavo Tilio)

Campinas tem colocado a arrecadação das multas de trânsito como prioridade e deixado de lado o investimento na educação deste setor, o que contribui para os altos índices de acidentes e multas. Esta é a visão do advogado especialista em direito do trânsito e proprietário do Canhão Despachante, Oswaldo Redaelli Filho, durante visita ao presidente-executivo do Correio Popular, Ítalo Hamilton Barioni.

Para o especialista, também há falta de transparência de uma forma generalizada nas gestões do trânsito das cidades. Não há informações precisas e amplamente divulgadas dos motivos de determinadas ações - como a instalação de radares ou definição de velocidade máxima permitida na via -, serem tomadas pelas administrações municipais.

Outro ponto que o especialista considera crucial é apostar em uma educação no trânsito duradoura, trazendo os agentes de mobilidade urbana para perto da população e desmistificar o estereótipo de servidores públicos que estão nas ruas apenas para aplicar multas aos motoristas. 

Correio Popular - Como foi o início da sua carreira?

 Oswaldo Redaelli Filho - A família começou, efetivamente, o Canhão Despachante, em março de 1980. Mas antes disso, meu pai, que era um dos fundadores da Polícia Rodoviária, foi convidado para fazer parte da Ciretran de Campinas. Ele era responsável pelas habilitações. O meu início da área de trânsito foi nessa época, quando não se falava em computador e tudo tinha que ser digitado na máquina de escrever. Eu batia carteira de habilitação, documento de veículo, então eu comecei nessa com meus nove ou dez anos a estar participando de uma delegacia de trânsito, que era o nome que se dava na época. Ainda nessa época, meu pai trabalhava de polícia durante o dia e de garçom durante a noite. E eu o acompanhava, inclusive tenho a gravata borboleta até hoje. Posso dizer com muito orgulho e muito prazer da honestidade do meu pai em todos os empregos que ele passou e ainda tendo que trabalhar de garçom, que é uma profissão digna, para completar a renda da família. Ele passou por muitos restaurantes aqui em Campinas e nas cidades da região também.

E quando começou a carreira de advogado?

Então, depois disso, eu comecei a fazer a faculdade de direito, que terminei em 1989 e também comecei a carreira de advogado. Só que minha área é muito específica e eu sempre entendi muito o que eu queria. Na verdade, eu queria duas coisas: o primeiro era fazer direito, para que eu pudesse atuar na área de trânsito, que era uma coisa que nem se falava na época no meio jurídico; e a segunda era procurar fazer justiça. Eu sabia que como advogado, eu poderia aplicar a justiça para as pessoas que precisassem e que eu faço isso com maior prazer. Nosso escritório começou a ter uma grande repercussão no mercado. Hoje a Canhão é um escritório de grande porte no segmento documental de despachante e concilia comigo que faço a parte do direito de trânsito. Hoje faço única e exclusivamente esta área, quer seja de veículos ou carteira de habilitação. É uma especialidade bem rara não só em Campinas, mas em todo o Brasil. O direito de trânsito é uma coisa interessante, por ser muito específico é que grande parte dos advogados não vai para esta área e uma grande parte dos meus clientes são os próprios advogados. Eu faço isso com muito amor e cada processo, cada movimento, seja a coisa mais simples do mundo, eu encaro isso como um troféu que recebo pela minha atuação.

Já que é uma área rara do direito, como foi para o senhor começar a atuação?

Foi naturalmente. Como eu cresci e vivi sempre no trânsito, foi natural estar aqui. E todas as alterações que ocorreram na legislação de trânsito, eu participava também, já que trabalhava como despachante. Por isso, eu tinha comigo um desejo e sabia que um dia iria aflorar o direito no trânsito na minha vida. De um lado temos os órgãos querendo arrecadar cada vez mais e do outro lado a população tentando sobreviver, tentando dirigir, tentando não perder a carteira de habilitação e ter a sobrevivência garantida. Na verdade o direito de trânsito é uma coisa que lidamos o tempo todo.

Como o senhor vê a relação da cidade de Campinas e sua gestão com o trânsito?

É uma situação injusta, não só em Campinas, mas em todas as cidades. Sempre, e, infelizmente, as cidades colocam a arrecadação acima de tudo, depois vem outros tópicos e a educação de trânsito mesmo está por último. Uma cidade como Campinas arrecada milhões por mês com multas e nenhum prefeito ou nenhum Legislativo vai querer mexer com isso. A punição tem que ter? Tem que ter. Mas ela tem que ser equilibrada, moderada e educativa. Mas não uma educação simples, falando que precisamos respeitar a sinalização e pronto. Em minha opinião tem que ter nos canais de comunicação uma campanha de forma massiva. Além disso, e eu sou um crítico dessa parte, nossos agentes de trânsito são muitos, mas estão na rua para multar primeiro e não ajudar. Se a pessoa vai socorrer alguém ou em fila dupla na porta de uma escola, você é multado e guinchado. Não pode ser assim. Vamos fazer uma ação bacana, educativa de verdade, espalhando os agentes pela cidade inteira, mas para educar de verdade e não somente como punição.

O que o senhor acha que tem que ser feito para melhorar essa gestão?

Na minha opinião falta, não só em Campinas, mas em todos os lugares, consciência dos gestores para poder educar melhor a população, para organizar de forma mais lúdica e passar uma orientação melhor. Claro que se houver abuso por parte do condutor, então a penalização tem que ser aplicada. Mas, na minha visão, esta tem que ser a última coisa a ser feita em uma gestão de trânsito. E outra coisa que tem que ser analisada é a gestão dos recursos oriundos das multas. Para onde eles vão? Para a educação? Eu não vejo se isso acontece. O lugar principal que estamos é na rua e eu não vejo isso acontecer. Onde estão os agentes para você poder parar e pedir uma orientação. Estamos falando de cidadania e legislação e do mesmo jeito que temos deveres, também temos direitos. Eu não consigo enxergar onde está sendo investida toda essa verba das multas, porque isso é regulado por lei. Eu não consigo ver uma ação efetiva que você possa falar para o cidadão onde está sendo investido, qual projeto está sendo feito. Eu não consigo ver em um portal da transparência como a verba é gasta. 

E qual seria a saída para estes problemas?

Onde está o erro? Eu acho que está em uma coisa chamada cidadania. Como cidadão, eu não me sinto confortável e seguro para dizer que eles, como gestores, estão fazendo sua parte de forma correta. Eu acho que tem que ter transparência da informação. Por exemplo, pega a imprensa e divulga quanto a Emdec recebeu de verba, quanto foi gasto com, por exemplo, ponto de ônibus, ou o trânsito na frente das escolas. Eu queria saber onde está isso, porque eu não enxergo. Eu acho que isso deve ser de alerta. Eu fico me perguntando o motivo de não conseguirmos fazer uma coisa mais saudável. Não podemos ter medo de um agente de trânsito, achar que ele está ali só para multar. Meu pai, quando era policial rodoviário, ajudava e conversava com os condutores. A última coisa que ele fazia quando realizava uma abordagem era aplicar uma penalização. É por isso que a população enxerga os amarelinhos como inimigos, e isso é muito errado.

As infrações por radares representam cerca de 75% da multas. Como o senhor enxerga isso?

Esta é uma outra situação em que se deveria ter mais critério. Você entra em uma avenida e ela tem duas ou três velocidades. Me pergunto se tem algum estudo. Se tem estudo, queremos ver. Precisamos ser transparente. Se em um determinado local tem muitos acidentes, mostra para a população o motivo do radar ter sido instalado ali. Não há explicação porque uma via é 40 km/h e na sequência ela vira 60 km/h. Não questiono a velocidade em si, mas o que bato é em relação à transparência. Quero saber qual o motivo de ter uma velocidade baixa e com um aparelho de fiscalização, que pode culminar com uma multa. Eu acho que deveria estar melhor colocado para a população. Eu acho que a população e os condutores de veículos devem saber exatamente o motivo de cada ação dos órgãos de autuação, que no caso de Campinas é a Emdec. Na minha opinião, prestar esse tipo de contas é essencial para que a população entenda como o trânsito é feito em uma cidade.

A Emdec lançou um projeto na Avenida John Boyd Dunlop que o radar, ao flagrar a infração, primeiro avisa a pessoa e somente em uma segunda etapa vai multar. O senhor considera isso um projeto educativo?

Com certeza. Ela demonstra que no primeiro momento não vai haver a autuação, e a partir de determinada data, o condutor vai ser autuado, porém, não acho que só isso resolva. Acho que a ostensividade dos programas, os agentes estarem na rua todos os dias para orientar e ajudar e somente em último caso multar, com certeza vai conseguir melhorar bastante coisa. Se essas ações fossem uma coisa regular, mostrariam ao condutor que o órgão está ao lado dele. Mas a sede de arrecadar é tanta, que às vezes chegam multas de veículos que não estiveram lá, ou com placas clonadas, enfim, uma gama de coisas que acontecem.

Dos recursos que o senhor entra na Justiça, quantos consegue vencer?

Eu posso dizer que está meio a meio. Em muitos recursos estão evidentes os erros, o que chamamos de vício. A placa que foi lançada errada ou que a placa foi clonada. Então temos que provar isso nos recursos e dependendo da época do ano, baixa ou sobe um pouco a porcentagem. Podemos fazer o recurso administrativo, que tem três fases. Primeiro é a defesa prévia, depois a primeira instância e por fim a segunda instância. Na primeira oportunidade não se analisa o mérito, mas somente se tudo foi feito de forma correta, se não há erros na aplicação da penalidade e assim vai. Já na primeira instância, quem julga são as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações. Aqui somente o mérito é analisado. Caso seja negado, você vai para o Conselho Estadual de Trânsito, que é a segunda instância. Por fim, caso não tenha tido uma vitória e se você acha que o Estado não reconheceu o próprio erro, a saída é ir por vias judiciais. De qualquer forma, essas porcentagens de recursos ganhos ou perdidos variam muito ao longo do ano, até porque acabam surgindo novas leis, novos decretos, novas resoluções, e esse fato influencia no resultado de uma ação também.

Voltando para sua profissão, como é sua rotina como advogado?

É bem variado o trabalho de um advogado de trânsito. Tudo que você diz de veículos e carteiras de habilitação, nós resolvemos tanto na parte administrativa, quanto na jurídica. Pode ser recursos de multa, suspensão de habilitação, busca e apreensão do veículo, enfim, tudo que se relaciona a veículos é a nossa rotina como advogado. E como é uma área específica, temos muitos clientes, já que não pulveriza tanto a procura por esse profissional. São muitos mandados de segurança, ações anulatórias, então pode se dizer que tudo que se diz respeito ao veículo e à carteira de habilitação, pode dizer que é a nossa especialidade. Além disso, o despachante Canhão presta serviços, inclusive, para várias concessionárias, revendas e empresas em Campinas e região.

O direito de trânsito, atualmente, é bem difundido nas faculdades?

Não. Há alguns anos eu dei aula em uma faculdade em Araras, mas foi para psicólogas de trânsito e mesmo assim foi na pós-graduação. Agora, aulas específicas nas faculdades, infelizmente você não vai encontrar. Mas é uma ótima ideia, já que se trata de uma legislação extensa, com muitas atualizações com o passar dos anos, decretos, resoluções. O trânsito muda constantemente com o passar dos anos e especificamente nesta área, o advogado vai encontrar cursos ou especializações. O que eu acho que poderia fazer são as faculdades ou entidades de ensino é ter uma disciplina sobre isso. Quando eu dei aula de direito de trânsito em Araras, foi muito interessante, porque foi prazeroso demais falar disso. Eu gosto e a turma era boa. É o mesmo que jornalista falar de jornalismo. Enfim, eu acho que uma matéria de direito de trânsito seria essencial para ter mais profissionais nesta área. Somente em abril, foram 25 novas resoluções do Conselho Nacional de Trânsito. 

O senhor também tem um projeto assistencial. Fale mais sobre ele?

Minha família é espírita kardecista e tudo isso começou com um sonho da Marli, minha esposa. Ela disse que iríamos começar a fazer comida para moradores em situação de rua. Eu estranhei, mas pelo jeito que ela me falou, eu vi que seria sério. Em 1985, ela tava grávida e íamos ter uma menina que se chamaria Jéssica, mas na hora do parto ela desencarnou. Passado dois anos, tivemos um menino, que consideramos um presente de Deus. Em dezembro de 2013 aconteceu o sonho e tudo aconteceu de forma tão natural, que em janeiro nós adquirimos um imóvel onde as refeições seriam preparadas. No dia 14 de janeiro de 2014, estava fazendo o evangelho em casa e veio uma psicografia. Essa mensagem afirmava que o plano espiritual estava em festa, como a casa deveria ser para fazer o auxílio e no final estava assinado por Jéssica. Foi um momento muito emocionante, o coração apertou mesmo. Em agosto fizemos um jantar de inauguração da casa e começamos a distribuir as refeições. Na época eram 26 marmitex com arroz, feijão, um macarrão, uma carne, tudo preparado por voluntários. Chegamos a 180 marmitex, ampliamos o projeto, distribuímos cachorro quente, cobertores. É uma coisa maravilhosa, que marca a gente de uma maneira que eu não sei explicar.

Para finalizar, qual o seu hobby preferido?

Olha, vou ser sincero. Meu lazer é meu trabalho. Eu amo o que eu faço. Quando eu chego no escritório todos os dias, eu agradeço a Deus pela oportunidade de estar ali. Como eu disse antes, a cada documento que eu recebo, eu comemoro como um troféu. Todos temos problemas, mas eu não posso reclamar da minha família, da minha profissão e da minha espiritualidade.

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