Para especialista Ademar Romeiro, da Unicamp, houve o descaso com a segurança hídrica e a gestão de risco foi inadequada, o que afetou outras represas da Capital
Represa Jaguari-Jacareí do Sistema Cantareira, que começou a elevar seu volume neste mês, mas continua com níveis baixos para o período (Luis Moura/ AE)
A segurança hídrica necessária para região de 30 milhões de pessoas que vivem na macrometrópole paulista, formada pelas regiões de São Paulo, Campinas, Santos, Vale do Paraíba e Sorocaba, vai demorar pelo menos 10 anos para ser atingida, segundo o pesquisador do Instituto de Economia da Unicamp, Ademar Romeiro. Com a crise que atingiu o Sistema Cantareira, os outros sistemas paulistas passaram a ser mais usados , ampliando a deficiência hídrica e interferindo nos volumes armazenados em sistemas como Guarapiranga, Alto Tietê, Cotia, Rio Grande. "O Cantareira puxou para baixo o restante por causa do descaso com a segurança hídrica. A gestão de risco foi inadequada e os órgãos gestores falharam em adotar medidas diante da previsão de seca que já era esperada", afirmou. "Não podemos culpar a seca pela crise, porque ela era perfeitamente possível", afirmou o pesquisador no Fórum sustentabilidade hídrica, que termina nesta quarta-feira (18) no Centro de Convenções da Unicamp. Variáveis Para o especialista em recursos hídricos da universidade, Antônio Carlos Zuffo, a recuperação da segurança hídrica vai depender muito do volume de chuvas e de como os sistemas serão administrados. "Obras poderão reduzir o tempo estimado de dez anos", afirmou. Pesquisadores fizeram muitas criticas à gestão dos recursos hídricos paulista. Para José Galizia Tundisi, da Academia Brasileira de Ciências, a governança falhou. O que vem pela frente poderá, no entanto, ser mais difícil. O governo trabalha com a possibilidade de a estiagem de 2015 ser pior que a do ano passado e por isso, essa semana, o Comitê de Crise já começa a preparar um plano de contingência para o enfrentamento da situação na Grande São Paulo. Regra desrespeitada "Estamos reforçando os sistemas", afirmou o coordenador de recursos hídricos da Secretaria de Recursos Hídricos, Rui Assis Brasil. Para o diretor técnico da Sanasa, Marco Antonio dos Santos, os gestores do sistema, a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Departamento de Água e Energia Elétrica (Daee), não seguiram as regras da curva de aversão de risco, que define quanto de água se pode tirar do sistema em relação ao volume armazenado. "Continuou-se tirando água do mesmo jeito que antes. Os comitês de bacia ficaram fora dessa discussão. Estamos nessa crise porque faltou respeitar as regras operativas do sistema", afirmou. Um dos problemas de governança apontados por Ademar Romeiro foi o fato de, há dois anos, a Sabesp oferecer a água do Cantareira para grandes consumidores, inclusive incentivando o não uso de águas subterrâneas, sabendo que o sistema estava sendo fragilizado. Falha "Existe uma falha tremenda de governança dos recursos hídricos que não pode ser esquecida. De modo algum podemos culpar a seca" , disse. O diretor da Sanasa lembrou que estudos mostram que a macrometrópole vai precisar aumentar a disponibilidade hídrica em 60 m3/s até 2035 e será difícil conseguir essa água. A Bacia do Alto Tietê precisará de mais 16 m3/s e as Bacias PCJ, na região de Campinas, de mais 18 m3/s. "Nós já montamos nosso plano de contingência, estabelecendo faixas de emergência", afirmou. A faixa amarela vale quando o Rio Atibaia estiver com vazão entre 2,5 m3/s a 3,5 m3/s. Nessa situação, a cidade será dividida em dois blocos e cada um terá 24 horas com água em 24 horas sem. Na faixa laranja, a cidade será dividida em três blocos quando o rio estiver com vazão entre 2 m3/s e 2,5 m3/s e cada um ficará com 24 horas de água e 48 horas sem e na faixa vermelha, quatro áreas da cidade ficarão alternadamente com 24 horas abastecida e 72 horas sem água.Perdas no sistema As perdas de água na rede, de acordo com o especialista em recursos hídricos Antônio Carlos Zuffo, são a grande vilã atual da crise hídrica - é água tratada que se perde em vazamentos e não chega a torneira dos consumidores. Seu controle, afirmou, é essencial para aumentar a disponibilidade hídrica. Os investimentos deveriam vir dos comitês de bacias, com recursos da cobrança da água, que hoje não são usados porque a cobrança pela captação de água bruta é irrisória, de R$ 0,01 por metro cúbico, afirmou. Essa cobrança, paga por todos que captam água bruta nas bacias, deveria financiar os investimentos, mas isso não ocorre. A cobrança pelo uso da água foi implementada em 2005 e é recolhida de serviços de saneamento, de indústrias e de proprietários rurais que fazem uso da água (captação, consumo e lançamento de esgoto) dos rios Atibaia, Cachoeira, Camanducaia, Jaguari e Piracicaba, de domínio da União e também dos usuários dos rios estaduais. Valores Os valores cobrados são de R$ 0,01 por metro cúbico de água captada, R$ 0,02 por metro cúbico de água consumida (água que não retorna ao rio nem mesmo em forma de esgoto), R$ 0,10 por quilo de DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio) lançado em corpo d´água e R$ 0,015 por metro cúbico de água captada e transposta para outra bacia (caso do Sistema Cantareira). As verbas oriundas da cobrança pelo uso da água são importante fonte de recursos para o financiamento das ações que visam melhorar a qualidade e aumentar a quantidade de água nas bacias. Ela é uma das principais fontes que irão sustentar o Plano de Bacias aprovado há dois anos pelos Comitês e que se propõe a investir R$ 4,4 bilhões até 2035, para melhor a qualidade e quantidade da água utilizada no abastecimento público. Com esses investimentos, os Comitês PCJ acreditam que será possível chegar com 62% dos rios com a mesma qualidade que tinham em 1977, quando o governo do Estado enquadrou os cursos de água em classes de 1 a 4. Hoje apenas 39% dos rios tem a qualidade que deveriam possuir para atender as necessidades dos municípios.