ENTREVISTA

Receita para uma vida com saúde é caminhar e nadar, diz cardiologista de Campinas

Paulo César Ribeiro Sanches revela dicas de ouro para evitar doenças do coração

Edimarcio A. Monteiro
05/06/2022 às 10:04.
Atualizado em 05/06/2022 às 10:04
O cardiologista Paulo César Ribeiro Sanches em seu consultório: 43 anos de atuação em pesquisas e autor, coautor ou tradutor de mais de 90 livros técnicos (Gustavo Tilio)

O cardiologista Paulo César Ribeiro Sanches em seu consultório: 43 anos de atuação em pesquisas e autor, coautor ou tradutor de mais de 90 livros técnicos (Gustavo Tilio)

A receita para uma vida com saúde passa por fazer exercícios, mas com moderação, respeitando o limite do organismo. É o que diz o cardiologista e clínico geral Paulo César Ribeiro Sanches, que considera andar e nadar como atividades ideais. Com 43 anos de atuação na área médica e em pesquisas, ele é um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Clínica Médica e é autor, coautor ou tradutor de mais de 90 livros técnicos.

Entre as suas obras, está a participação na elaboração da III Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Análise e Emissão de Laudos Eletrocardiográficos. Esta semana, Paulo César Ribeiro Sanches fez uma visita ao presidente executivo do Correio Popular, Ítalo Hamilton Barioni. Nesta entrevista, ele fala sobre a saúde no Brasil e aponta o cigarro, as bebidas e as drogas como os grandes vilões das doenças cardiovasculares. 

O que levou o senhor a fazer Medicina?

Basicamente, eu decidi fazer Medicina quando entrei no Culto à Ciência, já na fase do colégio. Foi quando comecei a entrar em contato com a biologia. Foi o primeiro contato que me chamou mais a atenção, mesmo porque nunca gostei de matemática, tinha horror de matemática.

O senhor é formado pela Unicamp. Desde que começou a atuar profissionalmente, quais os avanços da cardiologia?

Os avanços foram enormes, dá para falar sobre isso, no mínimo, por um mês. Houve um avanço enorme em cardiologia quando começaram os cateterismos. Então, hoje, muitas vezes, você nem precisa operar o indivíduo. A coronária está entupida, você passa um stent, ou seja, é um tubinho que é colocado na coronária, que não a deixa fechar mais.

As doenças relacionadas ao coração são ainda as que mais matam no Brasil. Quais são as principais causas? 

Há doenças que você poderia evitar. É lógico que um indivíduo que nasce como uma válvula cardíaca doente não tem jeito, não tem como modificar. Ele nasceu com isso ou teve uma doença inflamatória que pegou a válvula. Aí a coisa fica meio difícil de evitar, mas a doença coronariana que mais mata, que vai causar o infarto do miocárdio, há condições de evitar. São três coisas muito importantes. O pessoal diz que eu sou o inimigo número 1 do cigarro. O cigarro é um dos principais fatores que afetam as coronárias. Além disso, o aumento do colesterol, ou seja, o indivíduo que tem uma dieta muito rica em gordura, para dizer de uma forma que pessoas possam entender. O colesterol, triglicérides, essas coisas são preocupantes. Se você tem um colesterol alto, tem mais chance de entupir as artérias coronárias, que são as artérias do coração. O cigarro e as dislipidemias, como a gente chama o aumento do colesterol e triglicérides, são os principais fatores. Há também o estresse. Evitando esses três fatores é possível reduzir muito as chances de ter um infarto. Há outros motivos, mas aí a gente vai longe. 

Então, a mudança de comportamento do ser humano pode ajudar a reduzir as doenças do coração?

No meu site, há algumas palestras pequenas, de 5 a 15 minutos de duração, em que abordo isso. A primeira coisa é evitar os malefícios do cigarro. Se você vir o pulmão e as coronárias de um indivíduo que fuma, entenderá os estragos provocados pelo cigarro.

A epidemia de covid-19 agravou as doenças cardiovasculares? As pessoas suspenderam o tratamento nesse período?

Não é bem isso, é que a covid pode ter complicações cardiovasculares. Há indivíduo que tem trombose da coronária, que é a artéria que irriga o coração. Às vezes, ele tinha a trombose localizada, fazia uma coronariografia, tentava tirar isso e espalhava mais ainda. A covid-19 também pode causar uma miocardite no coração. Ela pode deixar sequelas. Quando a miocardite é causada pela covid, é grave, não é fácil tratar.

As pesquisas mostram que 230 mil pessoas morrem por ano no Brasil por doenças cardiovasculares. Dá para ter uma estimativa de queda nesse número se as pessoas levassem uma vida mais regrada, com maior preocupação com a saúde?

Deve ter esse tipo de estudo, mas eu não tenho esse número agora. Mas é possível tratar doenças relacionadas ao coração principalmente com medicamentos, para o indivíduo diminuir o colesterol, o triglicérides.

Uma vida mais regrada e fazer exercícios físicos ajudam a reduzir as doenças cardíacas?

Eu tenho algumas restrições em relação aos exercícios porque o pessoal, às vezes, vai para os extremos. Eu levo em consideração, por exemplo, a minha mãe. Ela tem 105 anos e não tem problemas cardíacos. Ela tinha que fazer exercício, nasceu na roça, tinha que ir ao pomar para pegar comida e hoje as pessoas compram no supermercado. O exercício dela era andar. Se você disser que andar faz bem, faz. Andar é um bom exercício. Em relação a outros exercícios, fica difícil. Quantos atletas você conhece que passaram de 80 anos? 

O exercício tem que ser controlado?

O exercício é bom, mas precisa ser feito com orientação, sem querer fazer demais, sem sobrecarregar o organismo. Se você chegar no meu consultório e perguntar; “Paulo, que exercício faço?” Eu digo, vai andar. Se quer mais do que isso, vai fazer natação, que não sobrecarrega nada. O exercício físico tem que ser moderado e sob orientação. É arriscado a pessoa sair por conta malhando, ele pode estar fazendo mais mal do que bem. 

Como os avanços dos medicamentos contribuem para o controle das doenças?

Os avanços dos medicamentos, dos remédios, não param, a indústria farmacêutica investe pesado nisso. Tanto que há remédios novos, que a gente chama de diretrizes, que são conclusões de estudos, que mudam cada vez mais o tratamento da insuficiência cardíaca e de outras doenças cardiovasculares. Os aparelhos usados no tratamento também estão cada vez mais sofisticados.

As doenças cardiovasculares, cada vez mais, atingem pessoas mais jovens. Por quê?

É preciso ter cuidado ao falar isso porque o número de pessoas mais jovens que contraem essas doenças é muito pequeno. A maioria dos mais jovens que eu vejo, de 40, 50 anos, são fumantes, alcoólatras, são coisas que realmente prejudicam o coração. Tem outras situações que não são comuns. Há pessoas com 30 e poucos anos com problemas, mas são casos menos comuns. 

O senhor falou que o estresse está entre as principais causas das doenças do coração. A vida agitada que as pessoas levam, com muitas preocupações, isso pesa muito na saúde das pessoas? 

Pesa porque aumenta a frequência cardíaca, aumenta a pressão arterial. Quando você está tenso, aumenta um pouquinho. Agora, se for hipertenso, aumenta mais ainda. Então, você sobrecarrega o coração mais do que se não estiver estressado. Aí entram todas as coisas que prejudicam mais ainda, o álcool, o cigarro e as drogas ilícitas. Essas têm dado um susto na gente porque pega pacientes com menos de 30 anos com infarto, isso porque usam drogas.

Do ponto de vista médico, como o senhor considera que deve ser uma vida ideal para a pessoa ter saúde e viver mais?

Você está cobrando caro. Primeiro tem uma parte congênita que não se consegue mexer. Se você tem doenças que favorecem o aumento de colesterol, triglicérides, aí tem que se cuidar desde jovem. Isso você só sabe se fizer uma avaliação cardiológica precoce. Outra coisa é que quem vai fazer exercício tem que, primeiro, ver se não tem problema nenhum. Tem que fazer uma avaliação cardiológica. Não é só para fazer exercício, mas também para operar. Há colegas que mandam o paciente e pedem só um eletro. Mas, de jeito nenhum, o paciente vai fazer é um teste ergométrico. Eu quero ver você, o seu coração na hora que sobrecarrega ele. Aí, eu deixo operar.

O senhor é um profundo conhecedor do eletrocardiograma. Quais os avanços que esse exame teve nos últimos anos?

Ele é um exame complementar. Se você ligar para Sociedade de Medicina, de Cardiologia, falando “vamos fazer uma entrevista com Paulo sobre eletrocardiograma”, ela vai dizer: “pode fazer porque ele participa até das diretrizes nacionais”. Todos os livros de eletro do Instituto do Coração de São Paulo eu sou um dos autores. Esse exame é muito importante porque é mais simples hoje do que uma máquina fotográfica. Hoje, é possível colocar um aparelho, que parece um pen drive, no computador e conectar a impressora. O preço desse pen drive é alto, em torno de R$ 8 mil, R$ 10 mil. Esse aparelho tem condições, para quem está treinando, de fazer um diagnóstico precoce. Já aconteceu de, no hospital, entrar no consultório um paciente para quem disseram que estava com gases. Foi feito um eletro que mostrou um padrão clássico de infarto. Esse homem estava com duas artérias entupidas. Esse depoimento está no meu site, tem quase 100 depoimentos.

Qual o período ideal para a pessoa fazer exames preventivos, de controle da saúde?

Eu sou fundador da Sociedade Brasileira de Clínica Geral. Há profissionais, colegas que dominam a clínica geral e podem pedir um check-up anual ou a cada dois anos. Isso vai ser bom para o paciente e envolve vários exames, incluindo um teste ergométrico, um eletro. O teste ergométrico é um eletro de esforço. Então, o paciente faz um eletro deitado, quietinho. Depois, vai para a esteira. Hoje, tem até o eco estresse, ou seja, faz o exame com o eletro e o ecocardiograma ligado, é mais sofisticado ainda. Assim é possível dizer como está o coração. O médico pode pedir um raio-X de tórax para saber como está o pulmão. Assim, vai ter uma boa ideia de como o paciente está para fazer uma cirurgia, entrar em uma academia. 

A rede pública de saúde no Brasil dá a devida atenção às doenças do coração?

Eu trabalhei algum tempo na rede pública. Depende de como essa rede pública está preparada, quem é o médico que está lá, os aparelhos que estão disponíveis, que tipo de eletro tem. De repente, o aparelho é ultrapassado. Aí, não tem jeito. Agora, esses exames não são baratos, são caros. Então, o pessoal evita fazer. 

É uma questão de custo?

O custo varia muito, varia de um consultório particular para uma clínica popular. 

De uma forma geral, o senhor considera que a medicina no Brasil está avançada, está em um bom nível? 

Está. Ela não está mais porque o avanço depende de pesquisa. Não são todas as universidades e todas as faculdades de medicina que investem nisso. 

O senhor considera que os cursos de medicina no Brasil estão em um bom nível?

Você está fazendo uma pergunta que eu não acompanho, eu vejo o resultado. A expansão das faculdades de medicina ultimamente tem sido incrível, não sei nem se incontrolável. O que nos preocupa é que qualidade tem esses cursos. 

O senhor disse que os exames são caros. Os planos de saúde facilitam o acesso à prevenção médica? Eles prestam um bom serviço ao usuário?

Os planos de saúde têm diferenças. É como perguntar sobre restaurantes: há restaurantes bons e outros nem tanto. Os planos de saúde estão cada vez mais se modificando, porque não está fácil levar isso. Para sobreviver, não podem cobrar barato. A pessoa que quer entrar em um plano tem que verificar qual o hospital que ele tem, qual a retaguarda que oferece para cirurgias mais complexas. Se a pessoa chega em meu consultório e perguntar: “qual plano eu faço?” Eu não vou falar, me tira dessa. 

O senhor acha que é viável a cobrança de atendimentos feitos pelo SUS?

É meio difícil de responder. Mas o SUS não pode cobrar. Como vai cobrar? Para quem? Quanto? De que jeito? O SUS é do governo. Todo mundo se preocupa com as máquinas, com o que tem de exames, mas é preciso ver qual é o nível dos profissionais que trabalham. 

O senhor acredita que a covid-19 continuará a ter consequências para a saúde nos próximos anos?

Todo vírus que é desconhecido faz isso. Então, tem muita gente que falava: "pode tomar isso, pode tomar aquilo". É a mesma coisa de você estar me conhecendo hoje e alguém perguntar para você: “Esse cara é bom?” Eu não conheço esse cara, sei lá. O vírus está aí, está pegando todo mundo, depois vai baixando. Foi a mesma coisa com a dengue. Quando veio, deixou todo mundo apavorado. São vírus novos, têm que estudar. O estudo e a experiência demoram. 

Campinas é tida como uma cidade com um bom nível na área médica, com bons hospitais e bons profissionais. Ela está acima da média nacional, está em uma situação melhor?

É difícil dizer que é melhor, melhor é o que temos em São Paulo. O nível de Campinas é bom, é bom, não se pode reclamar. Eu fiquei uns 15 anos no InCor, no setor de eletrocardiografia, e dá para comparar. 

O senhor tem participação em vários livros médicos. Quantos são?

Quase todos os livros de eletrocardiografia do InCor têm o meu nome. Entre participações e traduções, são mais de 90. Eu fui tradutor da Harvard durante três edições do livro de Eugene Brawnwald, um dos melhores cardiologistas do mundo. 

A medicina exige que o profissional esteja se atualizando o tempo todo, as novidades vão surgindo, a ciência vai avançando. O médico é um profissional que nunca vai parar de estudar? 

Eu agradeço a Deus a oportunidade que tive de ficar ao lado de professores que eram considerados de renome nacional. Meu primeiro professor era o chefe da Unicamp, Sílvio dos Santos Carvalhal. Quando me formei, fiz residência com ele. O professor Carvalhal fazia necrópsia dos pacientes que a gente cuidava e falava: “Vai lá ver o que não viu quando cuidou dele”. Essa maneira de ensinar, de correlação anátomo-clínica foi muito importante na minha formação. Você vê coisas que não viu com exames, com exames subsidiários, no eletro, no raio-X. Era um aprendizado meio pesado.

O senhor comentou que a alimentação é importante para a pessoa cuidar da saúde. Como deve ser a dieta ideal?

Claro que a dieta é importante porque quanto menos alimentos gordurosos você ingerir, melhor para você. Quanto menos açúcar, melhor ainda. Então, a dieta deveria ser baseada em legumes, verduras e carnes magras, para quem gosta de carne. Mas tem gente que fala: “Não vou poder ir ao churrasco”. Se você faz churrasco todo dia, está querendo morrer. Eventualmente, pode fazer. A pessoa pode uma, duas latinhas de cerveja no final de semana. Agora, se você se entope de álcool, a consequência para o coração é clássica. O ideal é o equilíbrio, como tudo na vida.

Há décadas, existem restrições no Brasil para a propaganda de cigarro. O senhor é a favor do controle também para bebida alcoólica?

O cigarro deveria enfrentar a mesma guerra que existe contra a maconha. Quanto à bebida, depende de como se faz. Aparece lá “beba com moderação”. Mas qual é a moderação? Aí se fala em bom senso. Mas o meu bom senso é diferente do seu. Em comparação a uma pessoa de menos idade, é mais ainda. Às vezes, eu vou a um lugar que faz um café muito gostoso, é em um posto de gasolina. Eu levanto às 6h30 e vou a esse lugar, que tem um capuccino muito gostoso, o pão de queijo está quentinho, acabou de fazer. Tem lá, sete, oito jovens que estão tomando cerveja às 7 horas da manhã. E eles já tomaram cerveja a noite inteira. A longo prazo, isso vai acabar com a pessoa.

O brasileiro, de uma forma geral, dá a devida atenção aos cuidados com a saúde?

Essa pergunta é difícil, pode pular? Não sei responder porque é preciso de estudos de população. A preocupação dos jovens com os hábitos alimentares vai ser um pouco mais para frente. Quanto às drogas, cigarro e álcool, tem que começar cedo. 

A internet, as redes sociais ajudam ou atrapalham nessa questão de cuidados com a saúde?

Depende de onde a pessoa está entrando. Tem que buscar informações com profissionais sérios. 

Nessa questão de saúde, tem mais alguma coisa que o senhor gostaria de destacar?

Tem muito o que ser feito para a saúde no país melhorar, chegar a um padrão americano, coisa que o valha. É preciso ter mais investimentos, tem que haver um aprimoramento das universidades para oferecer cursos melhores. Então, tem muito chão para chegar perto dos Estados Unidos. No Brasil, temos faculdades excelentes, mas também coisas que precisam melhorar. 

O que o senhor faz para relaxar? Qual o seu hobby?

Se você me ver no campo de futebol, chama a polícia. No sábado de manhã, busco fazer uma caminhada. Gosto de nadar. Mas é no sábado e domingo que tenho mais tempo para estudar e escrever. Então, vou estar lendo livros técnicos. A pessoa tem que fazer uma atividade que não lhe mata. Fazer até o ponto que se sente bem. Tem gente que fala que vai andando de Campinas a Valinhos. Mas o que ganhou com isso? Está exagerando, está forçando o coração. Para quem não quer apenas andar, quer ir para um patamar superior, que não faça mal, vai nadar.

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