MEDICINA

Raiz africana é arma contra a dependência

O remédio é produzido a partir da ibogaína, uma substância extraída da raiz da iboga, uma planta encontrada na África Central, comumente usada em rituais religiosos

Luciana Félix
17/03/2015 às 10:41.
Atualizado em 24/04/2022 às 02:11

Um medicamento feito a partir da raiz de uma planta africana está sendo visto como luz no fim do túnel por dependentes químicos que não conseguem se livrar do vício sozinhos. Estudos apontam que o índice de recuperação chega a 70% e o paciente não precisa ficar internado. A substância foi descoberta na década de 1960 por um americano, mas ganhou adeptos somente nos últimos anos com estudos e testes.O remédio é produzido a partir da ibogaína, uma substância extraída da raiz da iboga, uma planta encontrada na África Central, comumente usada em rituais religiosos. O medicamento é produzido no Canadá e liberado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a importação.A planta não pode ser cultivada e nem vendida no Brasil. A importação é feita pelos próprios pacientes por meio das poucas clínicas especializadas no tratamento. Um dos estudos mais recentes foi feito por uma equipe da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que passou seis anos fazendo testes com o medicamento. Os resultados foram impressionantes: dos 75 pacientes que usaram a ibogaína, 61% abandonaram a dependência, seja de álcool, crack ou cocaína. Os tratamentos habituais em geral, curam de 30% a 35% dos dependentes.O tratamentoPara usar o medicamento o paciente tem que ser monitorado o tempo todo por uma equipe médica e psicológica — por isso é proibido o uso em casa, sem acompanhamento especializado. Dependendo da quantidade ingerida, o paciente pode passar cerca de dez horas em uma espécie de alucinação, onde, geralmente, vê uma retrospectiva de sua vida. Ou seja: ele sofre uma alteração na percepção, com a sensação de reviver a própria vida. Tem lembranças fortes, emoções; e sob o efeito da ibogaína consegue ver antigos problemas de uma nova forma. As imagens chegam na mente em ordem cronológica, desde o nascimento até o período atual. Antes de ingerirem o medicamento, os pacientes são treinados para deletarem essas imagens para conseguirem suportar o processo.Pacientes cardíacos ou com certas doenças neurológicas não podem usar a ibogaína. Antes de fazer o tratamento, a pessoa tem que ficar 15 dias sem usar nenhum medicamento, álcool ou droga. Depois de uma avaliação psicológica, o paciente é liberado para a utilização.Apesar dos estudos, ainda não se sabe exatamente como a substância atua no combate à dependência, mas as pesquisas indicam que age em dois níveis: tanto na química cerebral como na psicologia do dependente. Por um lado, a droga estimula a produção do hormônio GDNF, que promove a regeneração do tecido nervoso e estimula a criação de conexões neuronais. Isso permitiria reparar áreas do cérebro associadas à dependência, além de favorecer a produção de serotonina e dopamina, neurotransmissores responsáveis pelas sensações de bem-estar e prazer. Isso explicaria o desaparecimento da “fissura” relatado pelos dependentes logo após sair de uma sessão.“Estudamos o potencial terapêutico da substância em dependes químicos, e tem muito potencial. Mas tem que tomar cuidado porque existem muitas clínicas que não são confiáveis fazendo o tratamento, e isso pode ser perigoso”, afirmou o psiquiatra que coordenou a pesquisa da Unifesp, Dartiu Xavier da Silveira, que atende dependentes químicos há 27 anos. Na regiãoEm Paulínia, uma clínica é especializada na substância e, há cerca de 14 anos, trata dependentes químicos com a ibogaína. O naturopata Rogério Moreira de Souza é especialista da clínica Instituto Brasileiro de Terapias Alternativas (IBTA). Lá, o tratamento demora cinco dias, em que as doses são ministradas de acordo com o peso corporal do paciente. São de 20 a 80 miligramas por quilo corporal. “Ninguém fica internado. Temos uma lista de hotéis e pousadas na cidade onde os pacientes ficam. Elas são próximas à clínica e qualquer problema fazemos o atendimento.”O naturopata não soube precisar a quantidade de pacientes que passaram pela clínica no período, mas informou que mensalmente recebe de 40 a 50 dependentes para o tratamento. “A susbtância está ficando mais conhecida e mostrando resultado, por isso o aumento de interessados. Ela funciona porque resgata o equilíbrio da serotonina e dopamina, fazendo com que a pessoa passe a sentir prazer em diversas situações e não só apenas quando utiliza entorpecente”, explicou.Além disso, a substância afeta o lado emocional e psicológico do paciente. “Ele começa a entender melhor o que está acontecendo com ele, qual seu espaço no mundo, no universo, começa a entender porque relacionamentos não estão dando certo, perceber os erros e os acertos, vê o que tem que mudar”, afirmou.O tratamento não é barato: na clínica de Paulínia, por exemplo, custa entre R$ 7,2 mil e R$ 8 mil. Ela recebe pacientes de todo o País e até dos Estados Unidos e Canadá. Segundo o pesquisador da Unifesp, além de mexer quimicamente com o cérebro, a reação psíquica faz com que o paciente enxergue a própria vida enquanto a mente fica lúcida. “Isso faz os dependentes perceberem os fatores que os teriam empurrado para as drogas em determinados momentos da vida. Mas não é só ingerir a ibogaína e se livrar da dependência. É preciso fazer um período de ajuda psiquiátrica, um acompanhamento por ao menos um ano”, disse. Um outro estudo feito pela Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, que usou um eletroencefalograma, apontou que ondas cerebrais de um paciente que tomou ibogaína têm o mesmo comportamento daquelas de alguém em REM (a fase do sono em que sonhamos).  

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