Ato começou no Largo do Pará e terminou em frente à Prefeitura
Manifestantes percorrem as ruas do Centro em protesto contra a terceirização da UPA São José (Kamá Ribeiro)
Quase 100 pessoas se reuniram na terça-feira (2) em Campinas para uma manifestação em defesa do SUS e com críticas às terceirizações feitas nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e à precarização da saúde pública. O ato começou no Largo do Pará com discursos e confecção de cartazes para uma caminhada que terminou na Prefeitura. O ato aconteceu menos de uma semana depois que a Rede Mário Gatti de Urgência, Emergência e Hospitalar autorizou a contratação da Associação Beneficente Cisne, que já atua na UPA Campo Grande, para fornecer médicos e profissionais da saúde para assistência e desenvolvimento de atividades educacionais na UPA São José.
A presidente do Conselho Municipal de Saúde (CMS), Nayara Oliveira, afirmou que a gestão da Rede Mário Gatti pretende privatizar todas as UPAs de Campinas e que isso foi dito ao CMS em reunião. O Conselho defende que a Rede tem que aprimorar o sistema público de saúde e fazer concurso público para diminuir a defasagem existente no quadro de servidores, e não transferir para empresas privadas uma responsabilidade que é do setor público.
O prefeito de Campinas, Dário Saadi (Republicanos), justificou as terceirizações. "Há uma dificuldade imensa de gestão com servidores próprios. A UPA Campo Grande, por exemplo, durante anos não tinha pediatra à noite e de fim de semana e hoje tem. A gente está fazendo um processo de modernização na gestão. Deu certo na UPA Campo Grande, que hoje é uma unidade que funciona muito bem." A Rede Mário Gatti disse que não há, no momento, previsão de novos chamamentos.
A Associação Beneficente Cisne foi selecionada por oferecer o maior desconto (17,6%) em relação ao valor teto (R$ 33,4 milhões). A proposta da Cisne foi de R$ 27,6 milhões e a entidade vai atuar por um período de dois anos, com o início previsto para a segunda quinzena de agosto.
Para o coordenador da Comissão de Atenção Hospitalar, Urgência e Emergência do Conselho Municipal de Saúde, Paulo Mariante, a economia das empresas na licitação pelo menor preço costuma acontecer na força de trabalho, com salários menores oferecidos aos profissionais - o que afeta a qualidade do serviço.
"A Rede Mário Gatti, lamentavelmente, não passa de uma operadora de intermediação de mão de obra. Na prática, ela transfere para as empresas a prestação de serviços que são essenciais à saúde. Ela não cumpre a função que deveria."
A Cisne negou a informação de que oferta salários inferiores e disse que "todas as contratações são baseadas nos pisos salariais das categorias, regulamentados pelos respectivos sindicatos de classe e publicizados desde o Processo Seletivo".
A Prefeitura divulgou números que exemplificariam como boa a experiência da entidade na UPA Campo Grande. De acordo com os dados, a taxa de desistência dos pacientes caiu de 26,3% para 4,7% entre novembro de 2021 e junho de 2022. Em média, os pacientes esperavam por duas horas entre a abertura da ficha e a chegada da medicação no ano passado. Em junho, a espera caiu para 1h12. Ainda, na UPA Campo Grande, dobrou o número de pacientes atendidos, de 5,7 mil em novembro do ano passado para 11,3 mil em maio deste ano.
Na avaliação dos conselheiros, atender mais gente em menos tempo não significa necessariamente uma melhora na qualidade do serviço prestado à população. "O que temos defendido, com unhas e dentes, é um estado mais ágil e capaz de fazer concurso público, que se planeja adequadamente e consegue contratar, com agilidade, pessoas para garantir o serviço público funcionando o tempo inteiro. É preocupante que Campinas tenha decidido entregar serviços à iniciativa privada", opinou o médico sanitarista e coordenador da secretaria executiva do Conselho Municipal de Saúde de Campinas, Roberto Farias.
Críticas ao modelo
O sanitarista também apontou que o modelo de terceirização proporciona uma alta rotatividade dos profissionais, o que prejudica a saúde e não consolida vínculos, já que os bons profissionais trabalhariam à espera da primeira oportunidade de ir para outro lugar com melhor remuneração.
Farias explicou que normalmente a prevenção na saúde é mais cara do que o tratamento, portanto pensar apenas na "economicidade" não é o correto. Para ele, saúde é fruto de uma conjunção de fatores, e a forma de gestão e sua eficiência não podem ser medidas pelo menor preço. "Essa economicidade só é boa na saúde privada, onde transformo saúde em mercadoria. Onde cuido da doença, não da saúde. Esse conceito não é bom. Em saúde mental, por exemplo, é mais barato colocar pacientes em manicômios ou em comunidades terapêuticas do que cuidar dele em liberdade. Nós preferimos cuidar dele em liberdade, por mais que seja com menos economicidade (...) a impressão que passa é que a conceituação de saúde como fruto da cultura, renda, emprego, transporte, moradia tornou-se secundária."