Gaeco ouve suspeitos de ligação com o tráfico; policiais de Campinas se calam
Os promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) afirmaram ontem ter convicção de que houve vazamento dentro do Departamento Estadual de Repressão ao Narcotráfico (Denarc) das informações sobre a investigação de policiais suspeitos de terem cometido diversos crimes, como corrupção e tortura, contra traficantes de Campinas pertencentes à quadrilha de Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho. Nesta semana, uma operação do Gaeco e da Polícia Civil terminou com 14 presos, entre eles nove policiais.
Foto: Rodrigo Zanotto/Especial para a AAN O promotor José Cláudio Tadeu Baglio: defesa de delegados detidos já pediu revogação das prisões As afirmações vieram após a Promotoria ter interrogado durante oito horas dois delegados do Denarc, Clemente Calvo Castilhone Júnior e Fábio Alcântara. Além do depoimento dos delegados, os dois investigadores do 10 Distrito Policial de Campinas, também presos, tiveram a chance de ser ouvidos, mas preferiram ficar em silêncio por orientação da defesa.
O promotor José Cláudio Tadeu Baglio afirmou que os delegados do Denarc presos na operação prestaram todos os esclarecimentos e a defesa já fez o pedido para que as prisões sejam revogadas. Eles estão desde a última segunda-feira na Penitenciária da Polícia Civil de São Paulo.
O pedido será avaliado hoje, assim como o dos outros dois policiais de Campinas.
Sobre o teor dos depoimentos, o promotor afirmou que não vai divulgar as informações em razão do processo estar em segredo de Justiça, e disse apenas que as falas dos dois suspeitos contribuíram para comprovar a tese do Gaeco. “O MP obteve informações relevantes. Foi firmada mais uma vez a convicção de que realmente houve vazamento da investigação e isso ocorreu no Denarc. Agora estamos apurando de que forma as informações sigilosas chegaram até outros policiais e até mesmo a traficantes”, disse.
A suspeita é de que Castilhone Júnior, chefe do setor de Inteligência do Denarc, tenha vazado as informações já que participou de duas reuniões nas quais a apuração do Ministério Público foi debatida dentro da cúpula da Secretaria de Segurança. O advogado João Batista Augusto Júnior, que defende o delegado, esteve ontem no Gaeco, mas disse que não falaria sobre o assunto também por não ter analisado ainda o relatório da Promotoria, que baseou as prisões.
O depoimento mais demorado do dia foi do delegado Fábio Alcântara. A suspeita contra ele é de participação no núcleo que praticava corrupção dentro da Polícia Civil. Seu advogado, Márcio Sayed, também não comentou o caso ao chegar à sede do MP para o depoimento de seu cliente.
Baglio afirmou que as situações dos dois delegados dentro das investigações são distintas e que já existem outros elementos que apontam a participação de outros policiais no esquema.
Silêncio
Os policiais do 10 Distrito de Campinas presos na operação, Renato Peixeiro Pinto e Mark de Castro Pestana, preferiram manter o silêncio ontem diante dos questionamentos dos promotores. Os dois são suspeitos de também terem recebido propina dos traficantes da quadrilha de Andinho para facilitar o tráfico na cidade, num esquema que não possui vinculação com o Denarc. Os valores seriam pagos mensalmente em dois volumes, um de R$ 5 mil e outro de R$ 14 mil.
O advogado Ralph Tórtima Sttetinger Filho disse ontem que orientou seus clientes a permanecerem em silêncio em razão do processo ainda não ter sido totalmente analisado pela defesa. “Nós não tivemos condições de análise de todos os procedimentos de interceptação. São mais de dez volumes. Somente após concluído o acesso à todas as provas eles irão se manifestar”, disse.
Sttetinger Filho voltou a dizer que as provas contra seus clientes são frágeis e que não indicam para uma acusação por corrupção. “A única coisa que existe é a palavra de um traficante delator e não há provas do que o delator afirma. Com relação ao Mark é muito mais incipiente”, afirmou. Os próximos depoimentos estão previstos para segunda-feira.
Operação
Após uma megaoperação realizada em outubro do ano passado pelo Gaeco e Polícia Militar, que resultou na prisão de 27 criminosos e desmantelou a liderança regional de uma facção criminosa, os promotores passaram a investigar diversos núcleos do tráfico em Campinas. Em escutas telefônicas autorizadas pela Justiça, a Promotoria identificou policiais do Denarc ligados a Andinho, principal liderança do tráfico na cidade. No esquema, os investigadores cobravam um mensalinho de cerca de R$ 30 mil dos traficantes e uma taxa anual de R$ 300 mil para permitir o tráfico no São Fernando e em vários bairros do entorno.
No início deste ano, após um atraso no pagamento, os policiais teriam passado a sequestrar integrantes das famílias dos traficantes e a praticar tortura como forma de obter o dinheiro. De dentro do presídio de segurança máxima Presidente Venceslau 2, Andinho negociava e dava ordens para os traficantes numa tentativa de solucionar o problema com os policiais.