Daniel Zulian destacou exemplos positivos de Curitiba, Franca e Porto Alegre; cidade gaúcha tem reduzido número de pessoas nessa condição
De segunda a sexta-feira, a Casa da Cidadania, na Vila Industrial, oferece 240 marmitex por dia para as pessoas em situação de rua; na fila, os relatos mais frequentes são de pessoas que buscam uma oportunidade para conseguir sair da triste situação (Alessandro Torres)
Em meio ao crescente número da população de rua em Campinas e suas consequências, o promotor de Justiça de Campinas, Daniel Zulian, afirmou ao Correio Popular que vê como alternativas para amenizar a situação na cidade a implantação de políticas públicas e projetos semelhantes aos dos municípios de Curitiba-PR, FrancaSP e Porto Alegre-RS. Tais municípios, que têm conseguido encarar o grave problema social, concentram as atenções no tratamento a dependentes químicos, em programas de moradia, encaminhamento para o mercado de trabalho e qualificação profissional. Ele também mencionou a necessidade de ações permanentes de assistência social que devem ser mantidas independentemente de qual governo esteja à frente da gestão municipal.
Segundo dados do Observatório Nacional dos Direitos Humanos do governo federal, Campinas tem 2.324 pessoas morando nas vias, calçadas e praças, sendo a nona cidade com mais pessoas nessa condição com 1,1% do total nacional. As três cidades citadas por Zulian, Curitiba, Franca e Porto Alegre, na visão do promotor, têm bom desempenho nos projetos voltados às pessoas em situação de rua.
“Os municípios que apresentaram, na minha visão, melhores resultados no tema, tiveram, necessariamente, um projeto de habitação/moradia associado. No Estado de São Paulo, temos o exemplo de Franca. No sul do Brasil, Curitiba e Porto Alegre vêm enfrentando a situação. É preciso avaliar as peculiaridades de cada local, mas os programas de ‘Moradia Primeiro’, inspirados no modelo estrangeiro ‘HousingFirst’, são um ponto em comum”, disse.
Para reduzir a quantidade de pessoas nessa condição é necessário, na visão do promotor, utilizar uma “política de saúde mental eficiente, com a avaliação e disponibilização do tratamento adequado para cada indivíduo, associada a uma política socioassistencial de (re)construção de vínculos, além de um programa sério e abrangente de moradia”.
Segundo o promotor Daniel Zulian, o enfrentamento da dependência envolvendo pessoas em situação de rua deve ser realizado de acordo com a lei 11.343/06, uma vez que a internação involuntária é excepcional e para casos específicos. “A Prefeitura já faz avaliação de alguns desses casos, com o encaminhamento para o tratamento de saúde. Na minha visão, falta ampliar essa atuação, principalmente por meio de uma mais efetiva interlocução dos serviços de saúde e assistência social do município”, defende.
'NÃO HÁ FÓRMULA MÁGICA'
De acordo com o secretário Municipal de Desenvolvimento Social de Porto Alegre, Léo Voigt, a cidade pode ter reduzido o número de pessoas morando na rua, em relação a 2020, em 40%. Isso porque os dados dos últimos meses de 2023 estão sendo contabilizados.
Porto Alegre, conforme o secretário, atingiu o pico em 2020, chegando a 2.679 moradores de rua. Em 2021, a quantidade caiu 6%. Em 2022, a redução foi de 5%. Agora, com o balanço de 2023 sendo fechado, a previsão é de queda superior a 30%. A expectativa é de retração de cerca de 40% na população de rua desde 2020. O secretário ainda criticou o uso político da temática, o que, segundo ele, somente prejudica o enfrentamento da questão.
Em Porto Alegre, a Secretaria de Saúde segue orientações e diretrizes da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e equipes de Consultórios na Rua trabalham articuladas com as de abordagem social e espaços de acolhimento da assistência social, a fim de ofertar vagas. A cidade menciona que a experiência mostra que diversas pessoas conseguem diminuir e/ou parar de usar álcool e drogas, a depender das respostas obtidas pelas ofertas feitas pelos serviços.
A Prefeitura pontuou que não adianta "prender as pessoas ou interná-las à força", pois isso está ultrapassado. A internação involuntária é realizada apenas quando há risco iminente de vida.
"Não é a internação em si que funciona, e sim as possibilidades diversas de ofertas de políticas públicas para que essas pessoas possam ressignificar diversas questões da sua história de vida."
Porto Alegre explica que não há fórmula mágica ao problema. “Cada pessoa responde conforme a sua história, limites, singularidade. Não há uma receita pronta, nem apenas uma só solução. Há um conjunto de recursos que podem dar certo e eles se chamam políticas públicas efetivas e articuladas. Quanto mais possibilidades de saúde, trabalho, cultura, lazer, moradia e outras, melhores serão os resultados”.
DEPENDÊNCIA QUÍMICA E QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL
A Prefeitura de Curitiba tem uma Rede de Proteção Social reconhecida pelo Governo Federal e que desenvolve ações integradas. Uma equipe multissetorial realiza a busca ativa pela população em situação de rua para a oferta de serviços de saúde. O Departamento de Política sobre Drogas, ligado à Secretaria Municipal de Defesa Social e Trânsito, conta com o ônibus Intervidas, que fica estacionado em praças da cidade. Nele, há a oferta de serviços especializados para as pessoas em situação de rua que fazem uso de álcool e outras drogas e o encaminhamento para o CAPS, unidades de saúde e outros órgãos. As equipes atuam em parceria com as 16 comunidades terapêuticas cadastradas no Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas. Durante o ano de 2023, foram atendidas 6.861 pessoas pelo Intervidas. Além disso, 774 foram encaminhadas para os serviços especializados em Curitiba.
O desenvolvimento pessoal e a qualificação profissional das pessoas em situação de rua integram a estratégia do município para fazer com que esse público possa ter novos projetos de vida e deixar as ruas. A Administração acrescentou que, mensalmente, a Fundação de Ação Social (FAS) oferece cursos gratuitos do programa Liceu de Ofícios e Inovação, inclusive com turmas exclusivas para a população em situação de rua. Para facilitar o acesso, muitos cursos são realizados dentro das unidades de acolhimento. Além disso, são realizadas ações de encaminhamentos para o mercado de trabalho.
'MORADIA PRIMEIRO'
Franca promove o projeto “Moradia Primeiro” voltado ao atendimento de moradores em situação de rua. O projeto tem chamado a atenção de gestores públicos de outras cidades brasileiras e até da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, ganhando visibilidade em um seminário internacional sobre o tema realizado recentemente em Brasília. Tal projeto disponibiliza a locação de um imóvel, com o pagamento subsidiado pela Prefeitura de Franca, para que a pessoa tenha condições de buscar melhor qualidade de vida.“Atualmente, 110 pessoas que estavam em situação de rua estão inseridas no projeto, recebendo auxílio-moradia e acompanhamento socioassistencial com vistas a romper definitivamente a vivência de rua e promover a reinserção social”, explicou a Prefeitura.
O “Moradia Primeiro” é pioneiro no país. O governo do Estado do Rio Grande do Sul tem acompanhado o funcionamento da ação em Franca e pretende implantá-la em ao menos quatro cidades. Franca tem uma população geral de 352.536 pessoas. Já Porto Alegre, com 1.332.845 habitantes, e Curitiba, com 1.773.718, têm populações próximas a de Campinas, que totaliza 1.138.309 pessoas.
E EM CAMPINAS?
A Secretaria de Saúde de Campinas informou que o SUS Municipal tem uma estrutura direcionada aos atendimentos de usuários de álcool, crack e outras drogas. Ela vai desde a atenção primária oferecida pelos 67 centros de saúde para casos considerados menos graves até a rede dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
Outro destaque é o Consultório na Rua, serviço imprescindível voltado à assistência em saúde da população em situação de rua que reforça as ações de cuidado integral da Administração para a superação desta condição”. Eventuais demandas que se agravam contam com retaguarda de leitos noite em três dos CAPS AD (Álcool e Drogas), além das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e da enfermaria de saúde mental no Hospital Ouro Verde.
O total de usuários ativos nos CAPS AD é de 1.795 pessoas, sendo 1.360 homens e 435 mulheres. Há, ainda, a Coordenadoria de Prevenção às Drogas, sob gestão da Secretaria de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos, que em parceria com o governo estadual dispõe de 121 vagas para tratamento da dependência química por meio de acolhimento em comunidade terapêutica. O tratamento pode durar até seis meses.
DESEJO DE SAIR DAS RUAS
Em Campinas, a Casa da Cidadania, instalada na região da Vila Industrial, oferece 240 marmitex por dia para moradores de rua durante a semana. São 120 refeições no almoço e 120 no jantar, de segunda a sexta-feira, e cerca de 120 refeições para os almoços aos sábados, domingos e feriados, além de 60 a 70 banhos por dia. A reportagem constatou uma fila de cerca de 120 pessoas, por volta das 12h. Os almoços acabaram em menos de 20 minutos. “Aqui a gente come, toma suco. Estou trabalhando com montagem de estrutura de palco, em um trabalho que é fixo. Estava no albergue, mas agora estou na rua. Quero sair da rua”, relatou Bruno Felipe Bacce, de 23 anos, que veio de Minas Gerais.
Israel Antonio da Silva, de 50 anos, estava na fila por alimento e busca um emprego. “Estou desempregado e procurando trabalho de pedreiro, motorista, motoboy, pela circunstância da vida estou nessas condições. Tive um problema pessoal, perdi um pouco o foco, bebi algumas por aí, quero arrumar um serviço e sair da rua”, disse ele, que é natural de Artur Nogueira. José Ismaeri, de 39 anos, veio da Paraíba e está morando na rua em Campinas. “Às vezes me aparecem uns bicos, mas o que peço quando encosto minha cabeça no papelão, todas as noites, é um emprego fixo pra eu poder voltar à sociedade”, disse.
A Prefeitura de Campinas realiza atualmente 16 ações voltadas à população em situação de rua, através de projetos como SOS Rua, Operação Inverno, Mão Amiga, Bagageiro Municipal, Operação Amigos no trecho, Distribuição de Refeições, entre outras, e se diz “focada” em abordar a problemática dos moradores em situação de rua de maneira “humanizada”. Em 2023, R$ 12 milhões do orçamento municipal (o equivalente a 89,1% das verbas de políticas públicas para essa população) foram gastos pela Secretaria de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos de Campinas.
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