Peça apresentada em escolas aborda o impacto causado pelo lixo jogado aleatoriamente
As crianças acompanham atentamente as peripécias de dois cientistas malucos, o professor Edinho e sua assistente Lata Latina, que ensinam sobre a destinação dos materiais recicláveis (Rodrigo Zanotto)
Na quadra da escola, crianças atentas acompanham as peripécias de dois cientistas malucos: o professor Edinho (Willian Ferreira) e sua assistente Lata Latina (Fernanda Silva). Entre músicas, risadas, brincadeiras e interações com os artistas, elas vão aprendendo sobre a importância da reciclagem para a preservação do meio ambiente. Essa é a proposta do projeto Diverte Teatro Viajante, do grupo Anguaná Cultural, de Vinhedo, que usa a arte teatral como meio de transformação social.
Sexta-feira (25), a peça "Reciclagem Divertida" realizou três apresentações em Valinhos, nas Escolas Municipais de Educação Básica (Emebs) Professora Alice Sulli Nonato e Prefeito Jerônimo Alves Correa. Mariana Ferreira dos Reis, de 11 anos, foi uma dos aproximadamente 300 estudantes que assistiram à peça. "Sem isso, a gente não vive. O meio ambiente é importante, porque, sem ele, não tem como existir vida", afirmou, ao apontar a reciclagem como uma das opções para preservar a natureza.
De uma forma lúdica e divertida, o professor Edinho e Lata Latina mostram, na peça, com duração de 50 minutos, os impactos do lixo jogado aleatoriamente e a importância de recolhê-lo e dar a destinação correta, além da possibilidade da reciclagem de vidro, papel, metal e plástico, que podem ser reutilizados. Uma ação simples, mas com grande impacto. Os reflexos vão desde reduzir o uso de recursos naturais - ao evitar a extração de matéria-prima -, até aumentar a vida útil dos aterros sanitários e gerar empregos e renda.
Reciclagem no país
Segundo o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), cerca de 800 mil agentes ambientais, popularmente conhecidos como catadores de lixo reciclável, estão em atividade no Brasil, sendo 70% deles mulheres. São pessoas que transformam aquilo que não serve mais para os outros em sua fonte de renda, tornandose peça fundamental para a construção de um mundo com equilíbrio ecológico.
Isso apesar de o Brasil ainda engatinhar nessa área e ter muito ainda no que avançar. Os dados do último Diagnóstico de Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos do Brasil, elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, revelam que o país gera mais de 80 milhões de toneladas de lixo todos os anos e recicla menos de 4%.
Mais de 70% dos brasileiros não separam o lixo em comum e reciclável, aponta pesquisa realizada pelo Ibope em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos (Abrelpe).
O levantamento mostra ainda que 77% dos brasileiros sabem que boa parte dos plásticos é reciclável, mas ainda insiste em descartar esses resíduos de forma inadequada. Para a diretora da Emeb Alice Nonato, Rosane Evangelista, a apresentação da peça teatral na escola é um passo para mudar essa realidade. "É essencial, porque as crianças passam para a família o que aprendem. Elas são agentes multiplicadores", explicou.
"Isso tem tudo a ver com a nossa proposta. Anguaná quer dizer alma de vaga-lume, e nós queremos levar luz para as crianças por meio da cultura", esclareceu Antônio Marcos Guimarães, produtor da companhia de teatro.
O papel reciclado, por exemplo, pode ser transformado em diversos produtos, como toalhas de rosto, papéis de embrulho, sacolas, embalagens para ovos e frutas e até mesmo cadernos, livros e materiais de escritório.
As vantagens da reciclagem de papel são inúmeras. Uma tonelada de aparas pode substituir de 2 a 4 metros cúbicos de madeira, o que significa evitar a derrubada de 15 a 30 árvores. A reciclagem consome apenas 2 mil litros de água, enquanto em todo o processo de produção de papel são gastos até 100 mil litros por tonelada. Em média, economiza-se metade da energia - podendo-se chegar a 80% de economia - quando se compara a produção dos papéis reciclados simples com virgens, feitos com pasta de refinador.
Trupe na estrada
"Isso é importante para todo mundo", disse a estudante Mizaeli Ferreira da Silva, de 11 anos, que acompanhou a peça "Reciclagem Divertida". As apresentações são gratuitas, com o grupo teatral mantendo o projeto mediante incentivos da Lei Rouanet, contando com o apoio de diversas empresas. O trabalho é realizado há oito anos, tendo passado por 128 cidades de 19 estados e atingido um público de cerca de 82 mil espectadores.
Na região de Campinas, as apresentações ocorreram em Indaiatuba e Hortolândia, mas também passou por outras cidades paulistas, como Jundiaí, Aguaí, São Bernardo do Campo e São Paulo. Após Valinhos, a próxima parada será em Pouso Alegre (MG), onde o grupo ficará até a próxima quarta-feira, dia 30.
Durante as apresentações, ocorrem diversas intervenções com a participação das crianças. "A interatividade é importante, porque conquista a atenção quando entregamos a mensagem que a gente precisa", explicou a diretora do projeto Diverte Teatro Viajante, Christiane Derche. A reciclagem é o tema da edição atual, mas outros já foram abordados desde 2015, quando teve início. Entre eles, a importância da água, mudanças climáticas e sustentabilidade.
Christiane revela que o próprio grupo aprende com a participação das crianças e as diferentes realidades que encontra nos mais variados pontos do país. "Uma vez, fomos surpreendidos por uma criança que viu uma garrafa de água em cima da mesa. Ela disse: 'então, é assim que é a água...'. Essa criança nunca tinha visto que a água não tem cor, é transparente. Onde ela vive, a água é marrom, tem cor de barro", contou.
De acordo com a diretora, o tema das peças é definido pelos patrocinadores, sendo depois adequado a partir da realidade dos locais onde as apresentações são realizadas. Em função disso, as peças não se restringem a questões ambientais e versam também sobre trânsito, química, saneamento, alimentação saudável e outros. "Além de levar arte e cultura a muitas crianças que nunca viram uma peça de teatro, queremos abrir a cabecinha delas", esclareceu Christiane.
Em seu oitavo ano, o projeto está em fase de transição para mostrar a realidade brasileira e utilizar elementos nacionais. "Ele começou como ciência divertida, que foi criado na Espanha, mas é uma realidade muito diferente da nossa. Queremos mostrar o Brasil, que é muito diverso", afirmou a diretora.
O projeto também já abordou questões sociais, como prevenção às drogas, tabagismo, bullying e, recentemente, o coronavírus, em função da pandemia de covid-19. O palco para apresentação pode ser uma escola, praça pública e outros espaços alternativos. "O teatro é uma importante ferramenta de representação e de experimentação das nossas subjetividades, ambos caminhos essenciais para o pleno desenvolvimento humano", defendeu Christiane.
A temporada 2023 do projeto Diverte Teatro Viajante terá início em março próximo e tratará sobre a diversidade humana. "Não queremos apenas levar cultura, mas servir como inspiração, mostrar que as pessoas podem ser o que elas quiserem. Uma vez, uma criança se identificou com um de nossos produtores e disse que era isso que ela queria ser", lembra a diretora. "Quem sabe um dia essas crianças não serão um de nossos produtores, atores, atrizes? Ou mesmo escreverão as nossas peças?", indaga.