FALTA DE VONTADE POLÍTICA

Projeto bom para Campinas patina no labirinto da Câmara

Proposta da Prefeitura extingue cobrança de IPTU retroativo de glebas destinadas a novos empreendimentos que antes eram da zona rural

Edimarcio A. Monteiro
01/05/2022 às 11:47.
Atualizado em 01/05/2022 às 12:24
Em fase final de obras, loteamento no Campo Grande já gerou 100 empregos diretos e 300 indiretos; nova legislação proposta pela Prefeitura resolve problema dos vazios urbanos (Gustavo Tilio)

Em fase final de obras, loteamento no Campo Grande já gerou 100 empregos diretos e 300 indiretos; nova legislação proposta pela Prefeitura resolve problema dos vazios urbanos (Gustavo Tilio)

Um projeto considerado essencial para atrair novos investimentos do setor imobiliário, gerar empregos e aumentar a arrecadação tributária da Prefeitura está praticamente parado na Câmara Municipal de Campinas há quatro meses. É o projeto de lei complementar nº 95, que cria o cadastramento espontâneo de glebas situadas no perímetro urbano de Campinas e evita que áreas, antes consideradas como de zona rural, paguem IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) retroativo a cinco anos pelo valor atual.

O município é um dos poucos no país que faz essa cobrança, o que muitas vezes inviabiliza o lançamento de novos loteamentos, sejam eles populares ou de alto padrão. O PLC foi apresentado pelo Executivo na Câmara em novembro passado e aprovado em primeira votação (legalidade) em dezembro. Porém, desde então, pouco avançou. O presidente da Câmara, José Carlos Silva (PSB), informou, através de sua assessoria, que a proposta segue a tramitação normal e que não há previsão para a segunda e última votação (mérito).

De dezembro para cá, o Legislativo já realizou 27 sessões ordinárias e extraordinárias e cumpriu todo o processo de tramitação e análise final de projetos protocolados depois do PLC 95. A legislação e o regimento interno da Câmara não estipulam prazo ou ordem cronológica para votação, com o ritmo de andamento muitas vezes sendo definido pela prioridade da proposta e boa vontade política - ou a falta dela. Ao apresentar o PLC 95 em novembro, o prefeito Dário Saadi (Republicanos) ressaltou que faz parte do Programa de Ativação Econômica e Social (Paes), que prevê uma série de medidas para atrair R$ 4 bilhões de investimentos privados e a criação de cerca de 20 mil empregos.

Importância

O programa de cadastramento tem objetivo de ocupar glebas e promover o desenvolvimento urbano. Atualmente, o município tem 55,88 milhões de metros quadrados de vazios urbanos que poderiam ser ocupados para expansão, ou seja, implantação de empreendimentos. "Campinas, infelizmente, tem muitos vazios urbanos. Com a nova legislação, vamos reduzir os vazios urbanos", destacou o prefeito.

De acordo com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), a cada R$ 1 milhão de investimento, a construção civil gera 7,64 empregos diretos e 11,4 indiretos. São vagas que fazem girar a roda da economia e têm forte impacto na riqueza de uma cidade. Esses empregos diretos e indiretos têm um reflexo de R$ 1,26 milhão no Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de todos os bens e serviços produzidos, acrescenta a CBIC. 

Postergação 

Enquanto a tramitação da PLC 95 patina no labirinto da Câmara, os vereadores já garantiram o prosseguimento de propostas que chegaram ao Legislativo este ano, com aprovação final em menos de um mês. Apenas um exemplo é o projeto de lei complementar 16, que prevê a extinção, criação e redesignação de cargos e funções da Fundação Municipal para Educação Comunitária (Fumec).
A proposta foi protocolada pelo Executivo na Câmara em 16 de março passado. A aprovação em primeira votação ocorreu no dia 6 deste mês, passando pela segunda análise exatamente uma semana depois, no dia 13. Já a PLC 95, após passar pela primeira votação em 1º de dezembro, somente recebeu o parecer favorável da Comissão de Política Urbana da Câmara em 9 de março. O passo seguinte, que é o encaminhamento para a Comissão de Administração Pública, ocorreu em 18 de abril. Nesse dia chegou às mãos do presidente de comissão, vereador Filipe Marchesi (PSB), para definição do relator para analisar a proposta.
Para ele, o projeto de cadastramento espontâneo de glebas é "benéfico" para Campinas e o trâmite na comissão deve ser rápido. A relatoria ficou com o vereador Luiz Carlos Rossini (PV), que também é o líder do governo na Câmara. "Essa proposta é importante para o processo de desenvolvimento de Campinas, é de relevância pública", disse ele. Rossini disse que dará parecer favorável e disponibilizará a proposta para a comissão votar.
No entanto, antes de seguir para segunda votação em plenário, a PLC terá ainda que passar pela avaliação da Comissão de Finanças e Orçamento, seguindo o mesmo rito burocrático: definição de um relator para dar o parecer se atende os princípios legais nessas áreas. O presidente dessa comissão, o vereador Juscelino de Souza Martins, o Juscelino da Barbarense (PP), estava em viagem a Brasília e não foi localizado para falar sobre a tramitação do projeto.

Pela agenda do grupo de Finanças e Orçamento, uma possível análise da PLC 95 somente ocorreria no final do mês. Os membros têm reunião marcada para amanhã, dia 2, mas a discussão é inviável - ainda nem recebeu o projeto. O próximo encontro está marcado para 25 de maio.

Em nota, a Secretaria Municipal de Finanças ressalta que "esse projeto de lei não tem renúncia fiscal porque não havia lançamento anterior". Pela proposta, o IPTU passará a contar a partir do cadastramento espontâneo da gleba, com cobrança a partir do exercício fiscal seguinte, ou seja, o ano subsequente.

O líder de governo disse avaliar o pedido de votação em regime de urgência para agilizar a tramitação nas comissões e a última votação. "Vou discutir o assunto com o governo para ver se é o caso que seja pedido a votação em regime de urgência", disse Rossini. No entanto, esse é um recurso que terá efeito apenas com a retomada das sessões ordinárias (presenciais) pela Câmara. No momento, ela são classificadas como extraordinárias por serem realizadas online. 

Custo

Um loteamento novo na região do Campo Grande tem de pagar o IPTU retroativo a cinco anos de R$ 5,7 milhões em valor de 2022. A tramitação de aprovação na prefeitura levou 15 anos. Com uma área de 1,5 milhão de metros quadrados, a antiga área rural - agora reconhecida como loteamento urbano - foi subdividida em 1,6 mil terrenos populares. O tributo retroativo teve um impacto de 5% no valor final dos lotes, de acordo com os empreendedores.

Em fase final de obras de infraestrutura, o projeto do loteamento já gerou 100 empregos diretos e 300 indiretos. Isso sem contar as oportunidades a serem criadas quando as casas estiverem em construção e as lojas previstas no projeto estiverem funcionando. O loteamento está localizado em uma área que retrata bem os vazios criados pela expansão da mancha urbana de Campinas para áreas que antes eram rurais. 

O distrito do Campo Grande é o segundo mais populoso de Campinas, com 190 mil habitantes distribuídos em 90 bairros. Apesar disso, é possível ver às margens da Avenida John Boyd Dunlop, que corta a região, grandes áreas vazias separando os bairros. Com a cobrança do IPTU retroativo, muitos proprietários desses imóveis preferem mantê-los como rurais, pagando o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR).
Isso cria dois problemas para o município. O primeiro é os loteamentos clandestinos, muitos localizados em Áreas de Proteção Ambiental (APAs). A Prefeitura de Campinas investiga 21 denúncias de loteamentos irregulares e clandestinos. Alguns foram embargados e receberam multas que somam R$ 2,8 milhões. 

O segundo problema é que a cidade perde arrecadação tributária. Por serem imóveis rurais, os donos não pagam IPTU, a terceira maior fonte de receita da prefeitura. O município tem cerca de 460 mil imóveis residenciais, comerciais e industriais, com a arrecadação de Imposto Predial e Territorial Urbano devendo chegar a R$ 956,2 milhões este ano. O valor é equivalente 13,46% do Orçamento de Campinas para 2022 - R$ 7,1 bilhões. 

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