VIDA SEM TABACO

Programa municipal ajuda fumante a abandonar o vício

Número de pessoas que recorrem ao serviço vem aumentando; resultados do trabalho em grupo são considerados altamente positivos

Ronnie Romanini/ [email protected]
02/06/2023 às 09:48.
Atualizado em 02/06/2023 às 09:48
Dispostos a abandonar o vício do cigarro, moradores de Campinas participam de terapia em grupo oferecida pelo Centro de Saúde do Jardim Aurélia: meta difícil, mas possível (Alessandro Torres)

Dispostos a abandonar o vício do cigarro, moradores de Campinas participam de terapia em grupo oferecida pelo Centro de Saúde do Jardim Aurélia: meta difícil, mas possível (Alessandro Torres)

A política de redução do uso do tabaco foi bem sucedida no Brasil, principalmente com a proibição de se fumar em ambientes fechados, mas também pelas mensagens de advertência sobre os malefícios causados nos maços de cigarro, veto à propaganda, promoção e patrocínio, além da oferta de tratamento para deixar de fumar em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS). Em Campinas, cujo Programa Municipal de Tabagismo é oferecido pela Secretaria de Saúde desde 2003, o número de atendimentos cresceu 63% na comparação entre o primeiro e o último quadrimestre de 2022 - passou de 2020 para 359 pacientes. Durante o ano todo, foram 851 assistidos.

Quando comparado o primeiro quadrimestre deste ano com o do ano passado, o crescimento na quantidade de pacientes foi de 55,45%, com 342 atendidos até o final de abril de 2023. Os pacientes recebem auxílio multidisciplinar para parar de fumar, com palestras motivacionais, orientações nutricionais e terapias em grupo. Quando necessário, é utilizado tratamento medicamentoso. A equipe multidisciplinar abrange médicos, enfermeiros, farmacêuticos, terapeutas ocupacionais, agentes comunitários de saúde, entre outros, que assistem os participantes em sessões individuais.

Houve um pequeno crescimento no número de grupos ativos e serviços credenciados em 2023, passando, respectivamente, de 30 para 33 e 40 para 44. A Secretaria de Saúde trabalha na capacitação de mais profissionais para que a oferta aumente ainda mais na cidade. É possível conferir as unidades que oferecem o programa no seguinte site: https://saude.campinas.sp.gov.br/programas/tabagismo/Unidades_Programa_Tabagismo.pdf.

Se o programa não for oferecido na unidade de referência da pessoa, ela pode participar em outra, mas a orientação aos interessados é ir até o Centro de Saúde mais próximo da residência para receber as informações sobre o grupo de tratamento. A experiência da coordenadora do programa, Vivian Cristina Matias de Oliveira Nunes, mostra que encontrar motivação para combater o tabagismo é maior em grupo do que sozinho. "Temos hoje 33 Centros de Saúde no município têm grupos.

Temos um protocolo de controle do tabagismo que funciona em nível nacional e seguimos esse modelo na Prefeitura. Ele indica que trabalhar com atividades coletivas em grupos gera muito mais sucesso que trabalhar no individual. Conseguimos ter o estímulo de pessoas que pararam de fumar e frequentam o grupo e incentivam os demais que ainda não conseguiram. Cada um vai vendo a realidade do outro e a gente consegue ter uma resolutividade dos casos muito maior do que se fosse no individual. Não temos números, mas é mais da metade", calcula Vivian.

A primeira fase do paciente que entra em um grupo consiste em trabalhar as questões comportamentais e cognitivas. Há, além da dependência química, a dependência psicológica, por isso é feita uma série de avaliações com o paciente através de questionários e consultas para averiguar o nível do vício. Após a avaliação feita no grupo e a avaliação médica, pode ser indicada ou não a utilização de medicamentos.

"São geralmente quatro sessões até passar pela avaliação que verifica se há a indicação para a medicação. Nós apenas começamos com ela quando o paciente e os profissionais do grupo definem uma data para parar de fumar. Ou acompanhamos até ele parar de fumar, não ter mais crises de abstinência, até estar seguro para ter alta. Há pacientes que passam um ano sem fumar e querem continuar. Eles são bem-vindos porque estimulam outras pessoas a pararem com o cigarro. Trabalhamos no dia a dia do paciente como o grupo, lidamos com o comportamento, a recaída, a abstinência. Há pacientes que tentam parar sozinhos e não conseguem porque essas questões não foram bem trabalhadas com a pessoa como ocorre no contexto de um grupo, com cuidado multidisciplinar. Não adianta apenas a medicação, explica Vivian."

A coordenadora do Programa Municipal de Tabagismo disse que a melhora na qualidade de vida é nítida após os pacientes pararem de fumar, quase um renascimento. Fisicamente, a pele fica mais bonita, as tosses diminuem ou acabam, a respiração fica melhor e a atividade física não gera tanto cansaço ou falta de fôlego.

PACIENTES DO PROGRAMA

"Faça o que eu digo, não faça o que eu faço". Essa era a lição que Celina da Cunha, 59 anos, ouvia dentro de casa ao ver avó, mãe e tia fumando quando era criança. Ela relatou que experimentou o primeiro cigarro por volta dos 14 anos, por querer se sentir adulta. Celina parou algumas vezes, mas voltou todas, exceto a última. Foram mais de 35 anos como fumante e, agora, já são dois anos e quatro meses longe do vício com a ajuda do grupo que frequenta no Centro de Saúde da Vila Ipê.

"As pessoas falam que você tem que parar de fumar, mas não te dão nenhuma ferramenta. O Centro de Saúde dá essa ferramenta, tem um comprimido que tira a vontade de fumar, adesivo de nicotina, chiclete, toda essa parte física, mas o mais importante para mim foi o suporte que o grupo dá para ensinar a gente a viver sem o cigarro. Eu nunca tinha tido isso." Ela contou que desenvolveu algumas estratégias para largar o fumo, como evitar fumar dentro de casa e do carro, além de deixar o maço de cigarros em locais difíceis de alcançar para que a preguiça vencesse a vontade. "É preciso criatividade para enganar a mente", ensina. "Eu fui ao Mercadão e comprei uns paus de canela enorme. Cortei do tamanho do cigarro e ficava ali uns 15 dias com o cigarrinho de canela, pura estratégia. Eu nem colocava na boca, ficava com ele no meio dos dedos. E, para mim, funcionou. Assim como cenoura cortada na geladeira com água e sal. Você pega a cenoura, tira a pele dela, corta em tiras compridas e põe na geladeira com um copo de água e um pouco de sal. Deu vontade de fumar? Pega um talinho daqueles e mastiga", recomenda Celina.

O que faz com que muitos nem comecem a tentar cortar o cigarro é o medo de fracassar, de não conseguir e sentir que o vício venceu. "O fumante sabe o tamanho da besteira que está fazendo. Eu estava há muito tempo fumando. Eram dois maços de cigarro por dia. É muita coisa. Tinha dificuldade para respirar, dormia mal. A vida com o cigarro é horrível. Diminui a nossa resistência, envelhece, prejudica os dentes. Para mim foi uma libertação, de verdade. A minha saúde mudou completamente. A gente acha que fuma por ansiedade, mas é mentira. O cigarro gera ansiedade na gente. Eu me converti em outra pessoa, tranquila, relaxada", acrescenta Celina.

O servidor municipal Cláudio Luis Baiochi contou que fumou por 29 anos e que os motivos foram semelhantes aos de muitos: enturmar-se e autoafirmação, o que ele hoje trata como "besteiras". Ele já tinha tentado parar de fumar algumas vezes, inclusive com tratamento por meio de convênio, mas foi no SUS que ele conseguiu se livrar do fumo há mais de oito anos. Para ele, uma das estratégias que mais ajudou foi mudar o local de fumar, mas ele também usou adesivos de nicotina dentro do programa.

"O que mais me ajudou eram as dicas que passavam e que coloquei em prática, como mudar o lugar de fumar. Eu trabalho em casa há muito tempo e fumava dentro do meu escritório. Eu comecei a ir até o quintal e fumar no portão. Foi para desvincular o escritório do cigarro. Agora, eu fico no escritório e não lembro mais do cigarro." O conselho que Cláudio dá é que, mesmo quem para de fumar, assim como ele, deve continuar frequentando o grupo tanto para inspirar os outros como para evitar uma recaída.

FUMO PASSIVO E CIGARRO ELETRÔNICO

De acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), o tabagismo foi responsável, em 2020, por 161.853 óbitos, o equivalente a 443 mortes por dia. Ainda houve mais de 440 mil novos casos de doenças cardíacas e 430 mil de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC). Naquele ano, foram 26 mil diagnósticos de câncer de pulmão e mais de 40 mil outros cânceres. Os números alarmantes reforçam a importância da data celebrada no último 31 de maio, Dia Mundial sem Tabaco, para ajudar a população a se livrar do vício com diversas ações.

O coordenador do Departamento Científico de Pneumologia da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas (SMCC), Rene Penna Chaves, também citou o programa municipal como alternativa para quem quer parar com o cigarro e pontuou que o melhor tratamento é a prevenção, ou seja, não começar a fumar e conscientizar as crianças a partir dos dez anos deidade.

"A ação da nicotina, que é a substância principal que traz a sensação de saciedade e bemestar do cigarro, é rapidamente absorvida depois que a pessoa inala e tem uma duração na corrente sanguínea de aproximadamente umas duas horas, por isso há a sensação da queda do nível de nicotina no sangue e a necessidade de acender o novo cigarro", esclarece.

Os cigarros eletrônicos, que se popularizaram no Brasil, estão fazendo com que jovens menosprezem os riscos, segundo o especialista. "Eles estão ingerindo as mesmas substâncias que são consumidas através do cigarro. E a indústria não informa a realidade dos malefícios causados por esses dispositivos. A rigor, a comercialização desses dispositivos é proibida por lei, mas nós sabemos que isso acontece à luz do dia", lamenta o médico.

Diante do nevoeiro que se forma a cada tragada, é importante também se atentar aos efeitos do fumo passivo. "Todo mundo está sujeito, são os mesmos efeitos do fumante, em um grau um pouco menor. Temos que olhar ao nosso redor para que este também seja um incentivo para parar de fumar. Já tivemos no grupo quem parou de fumar porque pessoas, como um neto, não queriam ficar próximas pelo cheiro do cigarro", relata Vivian, coordenadora do Programa Municipal de Tabagismo.

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