EM HORTOLÂNDIA

Produção de tapete ajuda presos no processo de ressocialização

Iniciativa da Funap, que há um ano mantém e-commerce para a venda dos produtos, auxilia que os condenados consigam garantir algum valor para as famílias que os esperam após o cumprimento da pena

Isadora Stentzler
08/04/2022 às 09:59.
Atualizado em 08/04/2022 às 10:13
Tear utilizado na produção dos tapetes: na penitenciária Hortolândia III, 20 presos trabalham na oficina-escola, 13 na produção e 9 em treinamento (Ricardo Lima)

Tear utilizado na produção dos tapetes: na penitenciária Hortolândia III, 20 presos trabalham na oficina-escola, 13 na produção e 9 em treinamento (Ricardo Lima)

Concentrados dentro de um galpão na Penitenciária de Hortolândia III, 13 homens se misturavam entre teares e linhas na tarde de ontem. Eles são integrantes da oficina-escola ofertada pela Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel (Funap), que desde o ano passado capacitou o grupo para produzir tapetes. Marcos*, de 38 anos, era um deles. Há um ano dentro da penitenciária, viveu a pandemia entre as celas do cárcere, sem a oportunidade de trabalhar ou realizar outra atividade. 

Foi quando, em outubro de 2021, recebeu a proposta de trabalhar na oficina de tear, entregou-se completamente ao projeto. Desde então, trabalha de segunda a sexta-feira na produção de tapetes com diversos desenhos, produzindo dois por dia. Toda a sua produção é comercializada por meio de um e-commerce mantido pela Funap. “Para gente que está no cárcere, é uma boa atividade”, diz Marcos. “Quebra a rotina e ainda permite que ajudemos nossos parentes, além da remissão de pena. A cada um ano trabalhado eu consigo reduzir a pela em três meses. Isso já ajuda.” Ao lado dele, Pedro*, de 37 anos, que também participa da escola-oficina, concorda. “Eu abracei este projeto”, garante. Pedro está na unidade há um ano e sete meses e calcula que, em dezembro, deva receber a liberdade. O projeto, além de garantir uma atividade que quebre a monotonia do cárcere, assegura a ele projetos futuros. “Eu tenho planos para quando sair daqui, mas se eu não conseguir algo formal, sei que posso trabalhar com o tear.” 

Oficinas-escola 

As oficinas-escolas que Pedro e Marcos participam são proporcionadas pela Funap, um órgão governamental ligado à Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo. Em todo o Estado, são 200 mil pessoas trabalhando em 40 oficinas, garantindo remissão de pena e renda a quem participa. 

“Os resultados são muito promissores”, avalia o diretor de Comercialização da Funap, Daniel Augusto Ramos Ignácio. “O preso que tem a oportunidade de trabalhar e estudar acaba tendo um comportamento melhor, vínculo mais saudável com a sociedade e a família. E, quando ele volta ao convívio social, é bem baixa a chance dele reincidir no crime, porque já passou por essa oportunidade, conseguiu uma formação, está trabalhando e ajudando a família. E a grande maioria dos condenados hoje não são criminosos de delitos graves, são pessoas que, eventualmente, por uma questão de desvio de comportamento, acabaram praticando o crime, pelo qual têm que se responsabilizar, é claro, mas tem que se ressocializar também.” 

Na penitenciária Hortolândia III, funciona a oficina de tear para 20 presos – 13 estão na produção e 9 em treinamento. Os reeducandos, como são chamados pela Funap, são escolhidos pela direção do próprio sistema, a partir do período da pena já cumprido, bom comportamento e aptidões para o serviço. Na Penitenciária Feminina de Mogi Guaçu, 20 mulheres produzem máscaras reutilizáveis em oficinas que também funcionam de segunda a sexta-feira. 

Todos os produtos fabricados pelos apenados são depois vendidos a preço de custo. Os recursos são aplicados pela Funap para a aquisição de novos materiais que possam ser revertidos em produtos nas oficinas. Aos apenados, em contrapartida, é garantido um salário mínimo mensal - depositado em conta específica e que os auxilia a viver dentro do presídio -, mais a remissão de pena: a cada três dias trabalhado, menos um dentro do cárcere. 

Além disso, parte dos tapetes vão para as famílias dos apenados que integram o projeto. Segundo o diretor técnico da Penitenciária de Hortolândia III, Alex Sandro Pereira, por meio do programa Integração Familiar, as famílias foram capacitadas em cursos de empreendedorismo e venda, pelo Sebrae, para comercializar esses tapetes. Todo o valor excedente que conseguem ficar com ela. Pereira destaca que isso é uma garantia para que, uma vez fora do sistema, os apenados tenham a oportunidade de emprego e renda de forma autônoma. 

Em todo o Estado, são 200 mil pessoas trabalhando em 40 oficinas, garantindo remissão de pena e renda a quem participa (Ricardo Lima)

Em todo o Estado, são 200 mil pessoas trabalhando em 40 oficinas, garantindo remissão de pena e renda a quem participa (Ricardo Lima)

E-commerce 

Há um ano e em meio a pandemia da covid-19, a Funap lançou ainda uma plataforma digital para divulgação e venda das produções. O e-commerce, que funciona na página www.funap.com.br, recebeu quase 15 mil visitas no período e faturou, a partir da venda dos produtos, em torno de R$ 15 mil. 

A plataforma, que é um incremento para as vendas que já ocorriam na loja física, localizada na Capital, tem cadastrado mais de 60 itens que são produzidos em diversas unidades do Estado e que podem ser adquiridos em todo o Brasil por meio da compra por cartão e entrega via correios. Atualmente, são 102 reeducandos e reeducandas produzindo artigos para venda on-line. 

“Porém, o nosso foco não é apenas o de vender os produtos”, ressalta Ignácio. “É fazer a ressocialização do preso. Enquanto ele está trabalhando, estudando e produzindo, está sendo ressocializado para poder ser reintegrado à sociedade como uma pessoa melhor.” 

Além das oficinas-escola, outros métodos de trabalho são oferecidos a partir da iniciativa privada e pública. No primeiro, empresas podem levar as fábricas para dentro das unidades prisionais ou chamar apenados do semiaberto para atuarem em suas empresas. Já na iniciativa pública, geralmente, há a contratação para serviços de limpeza de rua. 

Em todos os casos, as tratativas passam pela Funap. Na penitenciária de Hortolândia III, há outras ações nesse sentido e, segundo Ignácio, elas precisam acontecer para garantir a plena reinserção dessas pessoas. “É importante que o próprio poder público, os empresários e a sociedade deixem de lado a uma visão crítica sobre essa atividade e considerem-na uma oportunidade para que os presos possam, no momento em que eles forem postos em liberdade, retornar a um convívio sadio na sociedade. E, para que isso aconteça, temos que dar oportunidades de estudo e trabalho enquanto estiverem encarcerados.

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