EM CAMPINAS

Privatização de Viracopos requer relicitação com metas factíveis

É o que cobram especialistas para viabilizar a expansão estratégica do aeroporto

Edimarcio A. Monteiro/ [email protected]
06/07/2022 às 09:18.
Atualizado em 06/07/2022 às 09:19
Maior terminal de cargas do Brasil, Viracopos bateu o recorde no ano passado, com 364,3 mil toneladas, somadas as áreas de importação, exportação, remessas expressas (courier) e cargas nacionais (Cedoc)

Maior terminal de cargas do Brasil, Viracopos bateu o recorde no ano passado, com 364,3 mil toneladas, somadas as áreas de importação, exportação, remessas expressas (courier) e cargas nacionais (Cedoc)

A relicitação do Aeroporto Internacional de Viracopos é cercada por uma série de incertezas. Especialistas e autoridades cobram a adoção de medidas para garantir a viabilidade da privatização e a manutenção dos investimentos que garantam a importância estratégica do terminal para a economia da região e do País. Para o advogado especialista em contrato de concessão de infraestrutura Antonio Coutinho, a devolução para o governo federal, em andamento desde 2017, mostra um problema mais profundo, com metas que não foram atingidas.

“As licitações aeroportuárias foram projetos mal estruturados, que partiram de premissas irreais de demanda de passageiros”, afirma. Segundo Coutinho, é preciso que a nova concorrência pública para privatização, prevista para 2024, olhe com cautela a questão da outorga e o valor de amortização que a União precisa pagar para os investimentos já realizados. 

O tema delicado e espinhoso marcou na sexta-feira passada a solenidade de inauguração de quatro novas pontes de embarque e desembarque de passageiros, uma ampliação de 14 mil metros quadrados. 

A concessionária Aeroportos Brasil assumiu Viracopos em julho de 2012, época em que o Brasil vivia um crescimento econômico e a previsão era que o terminal atingisse a marca de 14 milhões de passageiros já em 2014, praticamente o dobro do registrado em 2011, último ano de administração da estatal Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero).

Quebra de contrato

Porém, passados 10 anos da privatização, a marca não foi atingida, apesar de Viracopos sempre bater recordes de embarques e desembarques. Em 2021, o terminal registrou 10.045.361 passageiros, com projeção de chegar aos 12 milhões este ano. 

De acordo com o presidente do Conselho de Administração da Aeroportos Brasil Viracopos (ABV), João Villar Garcia, a empresa abriu mão do terminal porque o governo federal descumpriu o contrato de concessão, o que afetou o equilíbrio econômico-financeiro do consórcio. 

Como principal ponto descumprido, ele cita que a ABV não recebeu o sítio aeroportuário — de 27 quilômetros quadrados — previsto na licitação, o que inviabilizou o desenvolvimento de projetos que aumentariam a receita. Eles previam a construção de hotel, centro de convenções, edifícios comerciais e uma universidade. 

No entanto, Viracopos ocupa hoje cerca de um terço dessa área. Desde a privatização, o governo federal não desapropriou as outras áreas, que seria sua obrigação. Além disso, as tarifas operacionais ficaram abaixo dos valores previstos na licitação. Para completar, em junho de 2017, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) adicionou uma terceira contribuição não prevista, a Contribuição Mensal, resultante da aplicação de alíquota sobre a receita mensal proveniente da cobrança de Tarifas de Embarque, Pouso e Permanência e dos Preços Unificados e de Permanência, domésticas e internacionais, e de Armazenagem e Capatazia.

A concessionária de Viracopos aponta que em 2021, pela primeira vez, fechou no azul. A empresa registrou no ano passado lucro líquido de R$ 276 milhões, após ter prejuízo de R$ 322 milhões em 2020. 

Apesar desses percalços, a ABV observa que manteve os investimentos previstos e Viracopos foi eleito em 2021, pelo terceiro ano seguido, como o melhor aeroporto do País. De acordo com a empresa, desde que assumiu a concessão, já investiu R$ 4,085 bilhões em valores históricos, o que corresponde a R$ 6,63 bilhões quando corrigidos pela variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a taxa oficial de inflação.

Cobranças

Para o prefeito de Jaguariúna e presidente do Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Campinas (CDRMC), Gustavo Reis (MDB), “é importante que a relicitação preveja a manutenção do sítio aeroportuário” para mantê-lo atrativo para privatização. O prefeito de Campinas, Dário Saadi (Republicanos), também defende os 27 km2 para garantir a expansão futura do aeroporto, que é o maior de cargas do País. De acordo com ele, Viracopos é “estratégico e fundamental” para Campinas, Região Metropolitana e para o País, sendo um indutor de desenvolvimento. 

“Não permitam que o sonho de transformar Viracopos no maior aerotrópole (aeroporto que serve como centro de um núcleo comercial multimodal) do País se perca”, diz o presidente do Conselho de Administração da ABV. 

A empresa foi a primeira do País a desistir da privatização de um aeroporto e, depois, foi seguida por outras. A Inframerica, administradora do terminal de São Gonçalo do Amarante, nas redondezas de Natal (RN), e a Concessionária Aeroporto Internacional de Guarulhos, que gerencia Cumbica, também desistiram da privatização.

O secretário nacional de Aviação Civil e presidente do Conselho de Administração da Infraero, Ronei Saggioro Glanzmann, reafirma que o sítio aeroportuário de 27 km2 será mantido na relicitação. Porém, ele diz não haver prazo previsto para a nova concorrência. Antes da licitação, é preciso concluir o processo de devolução da outorga em tramitação no Tribunal de Contas da União (TCU).

De acordo com Glanzmann, “é uma questão administrativa longa e complexa, com direitos e deveres”, além de prever a indenização da concessionária que administra Viracopos. 

A Anac divulgou que “entende a relicitação amigável como um mecanismo que traz segurança jurídica para os contratos, além de permitir a continuidade da prestação de serviços aos usuários, dado que as concessionárias deverão manter a qualidade da prestação do serviço e os requisitos de segurança operacional até que a nova empresa assuma as operações do aeroporto”. 

A agência federal, responsável pela abertura da nova licitação de privatização, acrescentou que a futura concorrência irá prever mecanismos jurídicos que garantam a estabilidade do contrato. Segundo a Anac, o processo de relicitação está em tramitação no Ministério de Infraestrutura, que fará parecer sobre a compatibilidade dos pedidos com a política para o setor aéreo.

CRONOLOGIA VIRACOPOS 

✔ Fevereiro de 2012 – O consórcio Aeroportos Brasil vence a licitação de privatização de Viracopos ao oferecer R$ 3,832 bilhões pela outorga, ágio de 159,75% (diferença entre o valor ofertado e o lance mínimo). O contrato prevê concessão por 30 anos.

✔ Junho de 2012 – Assinatura do contrato de concessão da ABV com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). O plano de investimentos da concessionária prevê um aporte de aproximadamente R$ 9,5 bilhões ao longo da concessão, divididos em cinco ciclos.

✔ Agosto de 2012 – Início das obras do novo terminal de passageiros, com investimentos de R$ 1,4 bilhão, para ampliar a capacidade para 14 milhões de usuários por ano. A previsão era entregar a ampliação até maio de 2014, fazendo parte do pacote de obras para a Copa do Mundo no Brasil.

✔ Outubro de 2014 – A primeira fase de ampliação começa a ser entregue com atraso.

✔ Julho de 2017 – A concessionária decide devolver a concessão.

✔ Maio de 2018 – Em crise financeira, a Aeroportos Brasil entra em recuperação judicial.

✔ Agosto de 2020 – Governo federal prevê realizar o novo leilão do aeroporto entre julho e setembro de 2021.

✔ Outubro de 2020 – A Anac e a Aeroportos Brasil assinam termo aditivo do contrato de licitação para a devolução do aeroporto. Documento prevê prazo de 60 dias para o encerramento da recuperação judicial do terminal e para ser dado andamento à relicitação.

✔ Dezembro de 2020 - Justiça encerra o processo de recuperação judicial do consórcio. A sentença é condição obrigatória para o andamento da relicitação do terminal após a empresa arcar com as dívidas previstas no processo. As dívidas da concessionária somam R$ 2,88 bilhões.

✔ Dezembro de 2021 - Secretário nacional de Aviação Civil do Ministério da Infraestrutura, Ronei Saggioro Glanzmann, anuncia redução do sítio Aeroporto de Viracopos de 27 km2 para 13 km2, o que dá início à ação conjunta de órgão públicos e entidades privadas para a manutenção da área do aeroporto.

✔ Dezembro de 2021 – O Aeroporto fecha o ano com mais de 10 milhões de passageiros (10.045.361), a terceira melhor marca de sua história. O recorde anual foi em 2019, com 10,5 milhões, seguido por 2015, com 10,3 milhões. Quanto à carga, Viracopos bateu o recorde no ano passado, com 364,3 mil toneladas, somadas as áreas de importação, exportação, remessas expressas (courier) e cargas nacionais. Para 2022, a estimativa é atingir 12 milhões de passageiros e 400 mil toneladas de carga.

✔ Março de 2022 - Anac aprova a manutenção do sítio aeroportuário de 27 km2 e adia a relicitação do aeroporto para 2024. A minuta do edital prevê lance mínimo para a outorga de R$ 3,5 bilhões, concessão por 30 anos e investimentos de R$ 4,2 bilhões.

✔ Julho de 2022 – Inauguração de quatro novas pontes de embarque e desembarque de passageiros no pier B de Viracopos, que passa a contar com 28 no total. A solenidade é marcada por reclamações de quebra de contrato de concessão por parte do governo federal e cobranças para manutenção dos projetos previstos para Viracopos.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por