Aeronave do tipo leve esportivo foi apresentada ontem em Campinas pela Anac em comemoração ao Dia da Aviação Inclusiva
Ademir Ribeiro Pereira, 55 anos, perdeu o movimento das pernas em 1992 ao ser vítima de bala perdida e considerou que a possibilidade de cadeirantes se formarem como pilotos é um ato importante que mostra representatividade e respeito (Kamá Ribeiro)
O primeiro avião adaptado do Brasil foi apresentado ontem em Campinas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Trata-se de um modelo Montaes MC-01, do tipo leve esportivo, que tem todos os comandos na altura das mãos, o que possibilitará a inclusão de pessoas com deficiência na profissão de piloto. O objetivo é garantir a oferta de cursos adaptados para esse público, que daqui a algum tempo poderá atuar profissionalmente no setor da aviação civil. O evento ocorreu ontem no Aeroporto dos Amarais em comemoração ao Dia da Aviação Inclusiva. A iniciativa é uma parceria entre a Anac e uma escola de aviação de Campinas, dentro do programa Asas Para Todos.
Fábio Padilha Castro, 52, especialista em regulação de aviação civil da Anac, é o responsável pela elaboração e consolidação do projeto para a formação de pilotos com deficiência. Ele revelou que um dos grandes objetivos é incluir pessoas com deficiência no mundo da aviação civil de pequeno porte. Para ele, existe a possibilidade de que futuros pilotos cadeirantes consigam ingressar no mercado de trabalho. Com relação à formação dos pilotos com deficiência, Fábio explicou que o processo é praticamente similar à formação de qualquer piloto. Na prática, para a obtenção do Certificado Médico Aeronáutico, a pessoa com deficiência prova que consegue pilotar a aeronave com as modificações realizadas. Tal documento é necessário para fazer o curso de piloto privado. “Dado esse primeiro passo, nossa expectativa é tornar o programa de formação o mais abrangente possível, para que consigamos atrair mais pessoas cadeirantes para se formarem como pilotos.”
Natural da Colômbia, ele caiu em um poço de elevador quando trabalhava em uma empresa de telecomunicações em seu país e perdeu o movimento das pernas. Em 2017 começou a reunir histórias de pilotos cadeirantes ao redor do mundo e percebeu que tal situação deveria também ocorrer no Brasil, mas de maneira profissional, no ramo da aviação comercial. A ideia começou a ganhar forma quando entrou para trabalhar na Anac. “Hoje é um dia de muita felicidade e orgulho”, comentou.
Piloto e especialista em aviação brasileira, Lito Souza, 58 anos, destacou o pioneirismo do Brasil em criar um regulamento específico para pilotos com deficiência e incentivar a formação dos profissionais. Ele considerou muito positivo o fato de uma pessoa que usa cadeira de rodas ser capacitada com o mesmo currículo que qualquer outro piloto tem, com a única diferença que ela voará em um avião adaptado. Além disso, essa iniciativa também pode ampliar o acesso de pessoas com deficiência em outras áreas, como a de manutenção de aviões, opinou o especialista. Ele ressaltou que a aviação vai muito além das pistas de pousos e decolagens. Como o setor de manutenção de aeronaves é extenso, Lito avaliou que é possível absorver cada vez mais profissionais com algum tipo de deficiência, especialmente após iniciativas como essa. “Estou bastante entusiasmado com o Brasil dando esse passo.”
Cinco pessoas que usam cadeira de rodas foram convidados para voar no avião adaptado. Um deles foi Ademir Ribeiro Pereira, 55. Ele perdeu o movimento das pernas em 1992 ao ser vítima de uma bala perdida na cidade de São Paulo. Durante o processo de recuperação, descobriu a vela paralímpica, esporte adaptado. “Já fui campeão brasileiro e paulista de vela”, contou. Ele mencionou que estava apreensivo antes de entrar no avião, mas abriu um sorriso depois de aterrissar. “Foi muito legal, da água para o ar, eu gostei muito”. Ademir considerou que a possibilidade de cadeirantes se formarem como pilotos é um ato importante para a representatividade e respeito. Para ele, a sociedade precisa evoluir, especialmente no respeito às pessoas com deficiência. “É uma questão social de educação e de atitude respeitosa.”
“Não estamos falando em favor ou filantropia”, enfatizou o servidor público Anderson Jardim, 48. Ele contou que sempre foi apaixonado por aviação, tanto que se tornou paraquedista depois de inicialmente tentar ser piloto. Em 1999, sofreu um acidente que o deixou cadeirante. Não demorou para voltar "ao ar". Logo que se recuperou, passou a voar de balão e paramotor. “Experiência maravilhosa, um voo tranquilo e leve”, analisou após realizar um voo como passageiro na aeronave adaptada.
Para Anderson, por muito tempo houve uma resistência para que pilotos com deficiência pudessem voar. “Essa chave virou. Agora temos uma escola de aviação e uma fabricante de aeronaves que podem realmente desenvolver esses pilotos”, comemorou. Para ele, é necessário consolidar o mercado para quem possui deficiência em todas as áreas, e a aviação não poderia ignorar o fato de que muitas pessoas nessa condição podem ser profissionais do segmento. “É realmente uma iniciativa pioneira por envolver diversos setores, desde a iniciativa privada até a Anac com a regulamentação. Eu me arrisco a dizer que é uma das grandes iniciativas no mundo.”
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