SETEMBRO AMARELO

Prevenção do suicídio é uma missão de toda a sociedade

Campanha surgiu com o propósito de quebrar tabus, reduzir estigmas e estimular as pessoas a buscar e oferecer ajuda

Cibele Vieira
20/09/2023 às 08:47.
Atualizado em 20/09/2023 às 08:47
De acordo com especialistas, observar sinais de alerta, manter conversas abertas e sem julgamento, além de oferecer acolhimento emocional e boas políticas públicas, são fatores que podem ajudar a mudar o número de suicídios que cresce em todo país (Alessandro Torres)

De acordo com especialistas, observar sinais de alerta, manter conversas abertas e sem julgamento, além de oferecer acolhimento emocional e boas políticas públicas, são fatores que podem ajudar a mudar o número de suicídios que cresce em todo país (Alessandro Torres)

O suicídio é um problema de saúde pública que mata pelo menos um brasileiro a cada 45 minutos, segundo dados do Ministério da Saúde. E, por isso, deve ser discutido e esta é a ideia da campanha anual Setembro Amarelo. Segundo Carlos Correia, voluntário e porta voz do Centro de Valorização da Vida, “é possível perceber que a sociedade está mais aberta ao tema suicídio e sua prevenção, com quebra de alguns tabus e preconceitos”. Observar sinais de alerta, manter conversas abertas e sem julgamento, além de acolhimento emocional e boas políticas públicas são fatores que podem ajudar a mudar os números que crescem em todo país.

Tatiana Slonczewski, doutora em psicologia e docente pela PUC-Campinas, entende que a campanha “tem um lado muito bom”, que é o de poder educar sobre o tema, aproximar pessoas que possam estar enlutadas e buscar interações para ajudar pessoas em risco que precisam de ajuda. “O que não era esperado é a quantidade de conteúdo inadequado e irresponsável nas redes sociais, de fontes que não são seguras, com informações que podem fragilizar ou vulnerabilizar quem se encontra em risco”, adverte. Ela integra a Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS) e alerta que os suicídios têm causas multifatoriais, multideterminadas e sua prevenção depende de muitas ações. Por isso, explica, “as campanhas não revertem necessariamente em números menores”.

Para a especialista, o comportamento suicida é um problema de saúde mental pública e não pode ser explicado de forma reducionista ou simplista. “É um problema grave, mas quando buscamos compreender e oferecer ações consistentes, seguras e bem-organizadas, é possível ampliar a possibilidade de prevenção”, esclarece. Mas, para isso, assegura que é preciso promover a saúde mental para minimizar os fatores de risco. “Há questões difíceis de controlar individualmente, o que requer políticas públicas”, acrescenta. Outros fatores são individuais e podem estar relacionados a transtornos, situações que geram sofrimento mental, violência e o histórico da pessoa, que dificultam a possibilidade de encontrar ajuda.

“O que a gente nota é que países que tiveram sucesso em reverter o crescimento do suicídio, são aqueles que estudaram o problema de forma responsável, analisando os dados e criando políticas a partir da compreensão de como aquela sociedade e cultura se organizam, além de melhorarem a qualidade e o acesso aos serviços de saúde”, explica Tatiana. No Brasil se observa, nos dez últimos anos, um crescimento de ocorrências suicidas em todas as faixas etárias, inclusive entre crianças e adolescentes.

SINAIS DE ALERTA E AJUDA

Alguns sinais de alerta podem ser observados em adolescentes, que refletem o comportamento suicida, relata a especialista. O primeiro sinal é a mudança súbita de comportamento, ou a fala sobre o desejo de não viver mais, além dos conteúdos de postagens nas redes sociais, cartas e desenhos. “Quando falo em mudança de hábitos, me refiro aos mais básicos como de sono e alimentação, até outros característicos da personalidade que são abandonados. Tudo isso precisa ser visto como alerta”, diz. Tatiana comenta ainda que transtornos mentais, como a depressão por exemplo, aumentam o risco para suicídio, embora não seja determinante. E destaca que “uma pessoa pode conviver com um transtorno mental, de personalidade, e outros que envolvam o humor, sem cogitar cometer suicídio, então é preciso avaliar com cuidado”.

A Organização Panamericana de Saúde publicou um relatório sobre o comportamento suicida entre jovens de 10 a 17 anos e considerou que esta é a terceira causa de mortalidade (até 2019), ficando atrás apenas de acidentes e homicídios. Outro estudo, realizado pela Jama Network Pediatrics, indicou um aumento da ansiedade em crianças e adolescentes antes e durante a pandemia. E entre os fatores avaliados que estão presentes na vida desse público estão as escolas - com seus fatores relacionados à evasão e pertencimento escolar -, a relação familiar – lidando com a garantia mínima de direitos e violência doméstica – além de fatores contemporâneos, como o uso da tecnologia – tempo excessivo em telas e a qualidade do conteúdo. Tudo isso piora a saúde mental, mas não tem relação direta com o número de suicídios, embora a sensação de sobrecarga mental possa ampliar os riscos, dizem os especialistas.

A doutora em Psicologia Tatiana Slonczewski explica que as famílias podem ajudar com a observação e o reconhecimento de alguns sinais de alerta, como a mudança de comportamento repentina, e deve tentar conversar – e não punir - deixando um canal aberto para escuta e diálogo, sem preconceitos, sem condenar o que o outro está sentindo. “Buscar verdadeiramente ouvir como quem quer compreender pode ajudar a minimizar riscos”, afirma. Outra atitude é manter diálogo com professores, que podem observar questões relacionadas ao desempenho e relacionamentos da criança ou adolescente no ambiente escolar. Levar ao médico e pediatra é também outra atitude importante, para oferecer um cuidado amplo, sem estigmatizar o problema e com apoio de psicólogo ou psiquiatra quando necessário.

“Vivemos, na sociedade brasileira, uma permissividade grande em relação ao álcool e isso é mais um fator de risco não só para a questão do suicídio, mas para a vida do adolescente. Então é preciso, enquanto sociedade, ser mais responsável com o que é consumido, divulgado, ou incentivado”, alerta.

Números que assustam

As razões podem ser diferentes, mas muita gente anda pensando em suicídio. Estudos recentes da Unicamp divulgados pelo CVV dão conta que 17% dos brasileiros, em algum momento, pensaram seriamente em dar um fim à própria vida e, desses, 4,8% chegaram a elaborar um plano para isso. Já o boletim epidemiológico divulgado no final de 2021 pelo Ministério da Saúde mostrava que, entre 2010 e 2019, ocorreram no Brasil 112.230 mortes por suicídio, com um aumento de 43% no número anual de mortes. Eram 9.454 em 2010, passaram para 13.523 em 2019, período que a população brasileira cresceu 10,17%. A análise da evolução dessas taxas segundo faixa etária demonstrou aumento da incidência de suicídios em todos os grupos etários, mas com destaque para o avanço pronunciado entre adolescentes, da ordem de 81% no período.

Em Campinas, os números relativos a mortes por suicídio se mantiveram estáveis entre 2019 (89 óbitos) e 2022 (87), com maior concentração na faixa etária entre 20 e 40 anos, segundo informações da Secretaria Municipal de Saúde. Mas as notificações de tentativas de suicídio nesse período praticamente dobraram: foram 313 em 2019 e 638 em 2022. A Prefeitura informou, por meio de nota, que “o Setembro Amarelo conta com ações educativas, coordenadas pelos centros de saúde e voltadas para seus frequentadores. Durante todo o ano, a Saúde Mental realiza atividades de conscientização e prevenção em toda a rede”.

O MOVIMENTO DO “SETEMBRO AMARELO”

Foi em 2015 que setembro foi escolhido, pela mobilização de várias entidades, como mês mundial de prevenção do suicídio, o “Setembro Amarelo”. Um de seus principais apoiadores no Brasil é o Centro de Valorização da Vida (CVV), junto com outras entidades. A cor amarela já é usada mundialmente como referência direta ao Dia Mundial de Prevenção do Suicídio (10 de setembro). Em 2023, no 9º ano da Campanha, foi escolhido o tema “Acolher é cuidar” para lembrar a importância de oferecer acolhimento, um olhar compreensivo e não julgador, colocar-se à disposição para conversar amigavelmente com quem pede ajuda ou demonstra precisar de ajuda ao nosso lado.

Segundo Carlos Correia, do CVV, “a sociedade civil, setor de saúde, poder público, pessoas físicas e jurídicas estão mais conscientes quanto ao problema e como apoiar na redução dos índices de suicídio que, segundo dados oficiais, mata um brasileiro a cada 45 minutos”, afirma. Essa mudança não deve ser creditada exclusivamente ao movimento, mas ele tem um papel importante nesta transição de opinião, reforça. Informações sobre as atividades e dados podem ser consultados no site: www.setembroamarelo.org.br

O PIONEIRO CVV ATUA COM VOLUNTÁRIOS

Um dos mais antigos serviços de prevenção ao suicídio no Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV) foi fundado em São Paulo em 1962 e atua no apoio emocional e na prevenção do suicídio por meio do telefone 188 e também por chat e e-mail, acessados pelo site cvv.org.br. Carlos Correia, voluntário e porta-voz da entidade, relata em redes sociais que o mês de setembro, em função da campanha, é o período mais intenso de procura por voluntários da instituição. “Nos preparamos desde o início do ano para aproveitar esse importante momento de falar sobre prevenção do suicídio e, aos poucos, quebrar alguns tabus”, relata.

Correia salienta que os 32 suicídios que ocorrem diariamente no país, média de 1 morte a cada 45 minutos, é algo que pode ser reduzido. Ele afirma que “perceber que a pressão interna está muito elevada, que o copo está para transbordar e, nesse momento ou antes disso, pedir e aceitar ajuda é muito eficiente. Conversar com alguém, seja conhecido ou desconhecido, de forma acolhedora e sem críticas já ajudaria essa pessoa a superar aquele momento”. O voluntário complementa que muitas vezes as pessoas precisam de acompanhamento médico e/ou psicológico, mas que o serviço atua em situações de crises, como complemento a esse tratamento.

O CVV funciona com apoio de aproximadamente 3.500 voluntários, que são preparados e se revezam para realizar cerca de três milhões de atendimentos ao ano. Um ato de simplicidade, mas com grande efeito, ao ofertar algo que não pode ser tocado, mas pode ser sentido. Ao receber uma ligação pelo 188, o atendente oferece apoio emocional por meio de conversas, 24 horas por dia e com sigilo. Os responsáveis pela entidade acreditavam que a atenção, a escuta e o acolhimento das emoções podem ajudar uma pessoa a se sentir confiante, aceita e, com isto, mais capaz de lidar com suas emoções, compreender suas dores, e, assim, buscar ajuda. Embora a entidade apareça nas plataformas digitais com dois endereços diferentes para atendimento pessoal em Campinas, em nenhum deles havia a estrutura ou as informações sobre o serviço.

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