INSEGURANÇA ALIMENTAR

Presídios da região de Campinas são denunciados à ONU

Segundo denúncias, as três refeições diárias totalizam apenas R$ 4 por pessoa

Isadora Stentzler
22/05/2022 às 10:22.
Atualizado em 22/05/2022 às 10:22
Refeições com pequena quantidade de alimentos e pouco nutritivas são denunciadas pela Defensoria Pública (Defensoria Pública do Estado de SP)

Refeições com pequena quantidade de alimentos e pouco nutritivas são denunciadas pela Defensoria Pública (Defensoria Pública do Estado de SP)

Sete unidades penitenciárias da região de Campinas foram denunciadas à Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), entidade vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), por insegurança alimentar. A denúncia foi feita no início deste mês pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que definiu a situação como “grave”. De acordo com a Defensoria, em algumas unidades, o custo diário em alimentação não ultrapassa R$ 4 por pessoa. A Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) informou que as conclusões são inverídicas.

O documento da denúncia teve por base vistorias realizadas em 27 unidades prisionais do Estado de São Paulo. Na região, os casos foram constatados na Penitenciária de Sorocaba 2, Penitenciária Masculina de Piracicaba e nos Centros de Detenção Provisória (CDPs) de Limeira, Piracicaba, Americana, Sorocaba e Mogi das Cruzes.

De acordo com a Defensoria, as queixas em relação à alimentação ofertada pelo Estado foram praticamente as mesmas em todas as unidades e mencionam: pouca quantidade de alimentos, refeições pouco nutritivas e não balanceadas, compostas, principalmente, por carboidratos, ausência de frutas, verduras e legumes, pouca quantidade de proteína de origem animal, falta de variedade durante todo o ano e identificação de impurezas na comida, como insetos e pelos. 

No CDP Masculino de Limeira, que também fornece alimentação aos presos do CDP Masculino de Americana e CR de Limeira, foi apontada uma quantidade insuficiente de comida.

No mesmo local, de acordo com o relatório, os defensores públicos depararam com garrafas com leite expostas ao Sol para o preparo de uma espécie de "coalhada", usada como reforço da alimentação. E, ainda, relataram que, como a quantidade de café com leite é limitada, os presos usam uma caneca cortada para medir a porção entregue a cada pessoa, para que não falte leite para nenhum deles. Cada pessoa, de acordo com Defensoria, tem acesso a apenas metade da caneca.

A Defensoria concluiu que “as pessoas custodiadas pelo Estado do CDP de Limeira e CDP de Americana vivem em situação de extrema insegurança alimentar”.

Na unidade de Sorocaba 2, os defensores flagraram uma refeição composta de arroz, feijão e ovo com casca. Não foram dados talheres aos presos. No CDP Masculino de Piracicaba, a proteína oferecida foi uma salsicha. 

“A situação é muito grave”, aponta o defensor público Thiago de Luna Cury, coordenador do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. “O Estado não se preocupa se as pessoas presas estão morrendo de fome ou desenvolvendo doenças por baixo valor nutricional.”

De acordo com ele, foi identificado que, em algumas unidades, o repasse para a compra de alimentação equivale a R$ 4,00 por pessoa presa. O valor abarca as refeições de café da manhã, almoço e jantar, o que chega a menos de R$ 1,50 por refeição. 

“Ninguém consegue manter uma saúde adequada com uma alimentação totalmente precarizada e sem valor nutricional adequado”, denuncia. “Isso leva as pessoas, basicamente, a morrerem aos poucos nas cadeias paulistas. E a alimentação, na nossa avaliação, é um fator muito determinante nessa equação cruel e terrível.”

Responsabilidade estatal

A Pastoral Carcerária do Estado de São Paulo e outras entidades de defesa dos direitos humanos assinaram, em conjunto, o documento “Alimentação e prisões: a pena de fome no sistema prisional brasileiro”, que também denuncia a má nutrição nas unidades.

“A fome nas prisões é responsabilidade estatal. O cenário pandêmico agravou esse cenário, mas a escassez de alimentos e sua má qualidade são feridas antigas do sistema carcerário brasileiro”, apontou um trecho do documento.

SAP nega acusações

Procurada, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) disse que a conclusão da Defensoria sobre “situação de extrema insegurança alimentar” nos CDPs de Limeira e Americana é “inverídica”. 

“A pasta preza pela garantia das condições de habitabilidade e salubridade de suas unidades. Ao menos três refeições (café, almoço e jantar) são servidas diariamente em todos os presídios. A alimentação é balanceada e segue cardápio previamente estabelecido e elaborado por nutricionistas. Os reeducandos também podem consumir itens alimentícios adquiridos via pecúlio ou enviados por seus familiares”, informa, em nota. 

Em relação ao armazenamento de leite para fazer coalha, a SAP apontou que “o armazenamento de leite em qualquer tipo de recipiente não é permitido”. 

“O consumo de alimentos é liberado no refeitório, em horários estabelecidos. São servidos 200 ml de café e 250 ml de leite para cada reeducando, sem qualquer racionamento. Não há elaboração de ‘coalhadas’ como reforço na alimentação e nem o uso de ‘canecas cortadas’”, rebate. 

A nota conclui que: “Os presídios paulistas recebem inspeções periódicas de órgãos e entidades de controle e que todas as denúncias recebidas são apuradas dentro dos critérios legais. A pasta está permanentemente aberta ao diálogo com a sociedade civil para aprimoramento do sistema carcerário e ressocialização de todos os presos do Estado de São Paulo”.

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