REVISÃO

Prefeitura recua em projeto de piscinão na Norte-Sul

Anúncio do corte de quase 400 árvores provocou reação da sociedade civil

Luiz Felipe Leite/[email protected]
30/03/2025 às 11:04.
Atualizado em 30/03/2025 às 13:58
Primeira fase da obra do piscinão já está em andamento, no Jardim Paranapanema, com investimento de R$ 205,8 milhões. (Kamá Ribeiro)

Primeira fase da obra do piscinão já está em andamento, no Jardim Paranapanema, com investimento de R$ 205,8 milhões. (Kamá Ribeiro)

A sociedade civil pressionou e a Prefeitura de Campinas anunciou a revisão do projeto de macrodrenagem na Avenida José de Sousa Campos, mais conhecida como Norte-Sul, para evitar a retirada de quase 400 árvores, como PauBrasil, Palmeira-Juçara, Tipuana, entre outras, plantadas nas praças Ralph Stettinger e Augusto Cesar. Uma está localizada ao lado da outra, na região do Cambuí. Muitas dessas árvores possuem mais de 25 metros de altura. Em mensagem encaminhada à presidência da Frente Parlamentar pelo Meio Ambiente e de Enfrentamento aos Efeitos das Mudanças Climáticas da Câmara de Campinas, o secretário municipal de Infraestrutura, Carlos José Barreiro, afirmou que a reanálise da proposta deverá ser concluída em aproximadamente 60 dias, deixando indefinida a continuidade da iniciativa. O caso gerou polêmica, inclusive com um inquérito civil aberto no Ministério Público (MP), e um pedido de suspensão do projeto do piscinão por parte do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Campinas (Comdema).

A proposta original contemplava a construção de um reservatório na Praça Ralph Stettinger, na Avenida Norte-Sul. Vai ser a terceira obra do Plano para Controle de Enchentes para a Região Central, que inclui a execução de oito obras de combate às enchentes nas bacias do córrego Serafim e no córrego Proença. A primeira delas, já em andamento, fica na região do Jardim Paranapanema (Piscinão - RP-1), com investimento de R$ 205,8 milhões. A segunda está em fase de licitação. Neste caso, o reservatório será construído na Praça da Ópera, no Centro da Cidade, atrás do Mercado Municipal. Com orçamento de R$ 130 milhões, a licitação já recebeu propostas e está agora na fase de análise. O valor total da execução de todas as oito obras é de aproximadamente R$ 1 bilhão, sendo parte desse valor vindo de um financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES).

Segundo uma denúncia que está sendo investigada desde o começo de 2024 pelo Ministério Público, o projeto de macrodrenagem na Avenida Norte-Sul prevê a remoção de 386 árvores das praças Ralph Stettinger e Augusto Cesar. De acordo com o Movimento Resgate Cambuí, existem aproximadamente 2 mil árvores plantadas em todo o bairro. O caso virou inquérito em maio do ano passado, sob a responsabilidade da promotora Luciana Ribeiro de Carvalho. A reportagem fez contato com o MP para entender o atual momento da investigação, mas não houve retorno até o fechamento desta edição.

Quem também questionou o projeto da região do Cambuí foi o Comdema. Em um parecer publicado no Diário Oficial de Campinas em 13 de março deste ano, o órgão publicou um parecer da Câmara Técnica de Planejamento Ambiental do colegiado, sob responsabilidade da integrante do conselho e professora de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Campinas, Vera Santana Luz, que ofereceu alternativas à construção de piscinões, como a priorização pela drenagem natural, por exemplo. Somando ao fato de criticar a possibilidade da remoção das quase 400 árvores localizadas na região da Avenida Norte-Sul, o conselho pediu a suspensão da aprovação do projeto até que um debate mais amplo sobre o assunto seja feito.

Segundo o presidente do Comdema, Tiago Lira, o colegiado é um órgão deliberativo no processo de licenciamento, programas e outros planos da administração Municipal. "A decisão do Condema é um impeditivo ou uma liberação para a obra. Se o conselho não aprovar, a Prefeitura não poderá fazer. Tivemos um parecer muito bem embasado na comissão de planejamento, apontando claramente que essa estratégia dos piscinões não é uma solução viável para Campinas, no que diz respeito ao combate das enchentes", explicou.

CRÍTICAS

A Frente Parlamentar pelo Meio Ambiente e de Enfrentamento aos Efeitos das Mudanças Climáticas da Câmara de Campinas, presidida pelo vereador Wagner Romão (PT), fez uma audiência pública sobre o tema na última sexta-feira, com apresentações de estudos sobre o assunto e a participação de moradores da região das duas praças. O parecer técnico do Condema foi um deles, com a presença da professora Luz. Barreiro foi convidado para participar. Mas em uma mensagem enviada ao parlamentar, informou que não iria ao evento. A reportagem pediu uma entrevista com o secretário sobre o assunto, mas a assessoria de imprensa da Prefeitura respondeu que o titular da pasta de Infraestrutura só vai se posicionar para a imprensa após o final da revisão do projeto. "Em atenção ao convite feito a esta Secretaria, quanto ao projeto de implantação de reservatório para contenção de cheias na Praça Ralph Stettinger, informamos que o projeto em questão foi concebido em nível de estudo, não tendo sido finalizado, estando atualmente em fase de desenvolvimento, levando em conta todas os aspectos necessários, sejam eles hidráulicos/hidrológicos, sociais e ambientais, bem como, outros aspectos inerentes ao desenvolvimento de um projeto desta magnitude", informou, via mensagem.

Ainda por meio do comunicado à Câmara, Barreiro afirmou que a realização da audiência não traria ganhos ao debate considerando que os projetos ainda não estariam completamente definidos. "Sendo assim, sugerimos que a presente audiência possa ser realizada após a conclusão de todos os elementos técnicos que envolvem um projeto deste porte, o que se dará dentro de aproximadamente 60 dias".

Romão criticou a ausência do titular da pasta da Infraestrutura na audiência, comentando que a presença dele poderia tornar a discussão ainda mais ampla. "Infelizmente não tivemos a presença de ninguém por parte da Prefeitura. Mas realizamos a nossa audiência pública, porque nós entendemos que esse é exatamente o momento certo para isso. O que nós pretendemos é que a gente possa dialogar a respeito de alternativas para a contenção das chuvas. E que elas deverão passar necessariamente por outro tipo de intervenção que não os piscinões", pontuou.

Integrante do Movimento Resgate Cambuí, Tereza Penteado morou por muitos anos próxima das duas praças. Ela esteve presente na audiência pública e foi mais uma a criticar a proposta original da Prefeitura. "Se isso acontecer mesmo, vai ser uma tragédia. Vão acabar com um espaço agradável para a população, com uma vasta área verde, motivo de orgulho para os moradores e comerciantes do entorno. Vai ser um crime ambiental, se acontecer mesmo."

O administrador de empresas Samuel Ferreira vive há três anos em um prédio, localizado em frente da Praça Ralph Stettinger. Ele foi encontrado pela reportagem após voltar de uma caminhada pela área com o cão Charlie, da raça Spitz alemão. É um hábito dele e da família aproveitarem o espaço. "Assim que nos mudamos vimos essas árvores tão bonitas. Isso chamou a nossa atenção. Vai ser lamentável se elas forem removidas", concluiu.

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