Uma liminar da 2ª Vara da Fazenda Pública de Campinas determinou a continuidade de todos os atendimentos do serviço de saúde por um prazo de 180 dias
Os funcionários, usuários e ex-usuários de seis serviços geridos pela instituição fizeram protestos ontem (Alessandro Torres)
Uma liminar da 2ª Vara da Fazenda Pública de Campinas determinou a continuidade de todos os atendimentos feitos pelo Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira que funcionam por meio do convênio entre a instituição filantrópica e a Prefeitura de Campinas por mais 180 dias contados a partir de amanhã. A decisão, concedida ontem pelo juiz Francisco José Blanco Magdalena, determina ainda que aconteça um reajuste imediato do repasse feito pela gestão municipal ao Cândido em um índice de 3,15%, abaixo dos 5,5% ofertados originalmente pela Prefeitura ao órgão conveniado. A instituição, que queria 23% considerando o déficit atual mensal atual de R$ 1,3 milhão, disse que adotará todas as medidas possíveis para contenção de despesas e, assim, seguir com os atendimentos dos mais 5 de mil usuários. O vínculo vigente entre as duas partes venceria hoje. Funcionários, usuários e ex-usuários dos serviços do Cândido fizeram protestos públicos durante o dia de ontem, com palavras de ordem e defendendo a manutenção do convênio, mas sem nenhum corte de gastos.
O magistrado foi acionado pela Procuradoria-Geral do Município, na tarde de ontem, em uma Ação Civil Pública com pedido de liminar para reivindicar a manutenção dos serviços. A gestão municipal, em comunicado divulgado à imprensa, justificou o pedido alegando que a continuidade do serviço de saúde é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal, principalmente durante tratamentos que possam colocar em risco a vida dos pacientes.
O valor mensal atual dos repasses da Prefeitura ao Cândido Ferreira é de R$ 6.068.301,83 e passará para R$ 6.259.584,39. Também foi estabelecida uma multa diária de R$ 100 mil caso haja descumprimento das medidas e que terá valor revertido para o Fundo Municipal de Saúde de Campinas. A instituição administra, por exemplo, 11 dos 14 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) existentes em Campinas, centros de convivência, o Núcleo de Oficinas e Trabalho, a Casa das Oficinas, o programa Consultório na Rua.
Segundo o secretário de Justiça de Campinas, Peter Panutto, infelizmente ainda não foi possível chegar a um consenso para a renovação do convênio, e por isso não houve alternativa ao município senão ajuizar uma ação para garantir os atendimentos à população. "Então, por 180 dias, o Cândido vai continuar oferecendo o serviço, o município vai continuar pagando o valor do convênio e, nesse período, as partes, quais sejam o município e o Cândido Ferreira, vão continuar discutindo no intuito de fazer a renovação do convênio da melhor forma possível", afirmou.
A reportagem apurou que a Prefeitura propôs à instituição filantrópica, antes da abertura da Ação Civil Pública e da concessão da liminar, que o convênio fosse renovado por alguns meses para que um reajuste maior fosse discutido posteriormente. A direção do Cândido Ferreira confirmou o encontro, realizado na quarta-feira, mas informou que recusou a nova proposta por causa do déficit mensal vivido pelo órgão conveniado.
A decisão do juiz vai de encontro a uma recomendação emitida anteontem pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP). A promotora Cristiane Hillal sugeriu ao prefeito de Campinas, Dário Saadi (Republicanos), e ao secretário de Saúde, Lair Zambon, que garantam sem qualquer interrupção a assistência integral dos serviços públicos de saúde mental a todos os usuários que dependam do Cândido Ferreira, sob pena de responsabilização pessoal por eventual desassistência.
Ao mesmo tempo, a promotora de justiça recomenda que, no caso de optarem por renovar a parceria com a instituição filantrópica, que respeitem a autonomia da gestão do conveniado em determinar o nível de qualidade dos serviços que deseja prestar e o Cândido seja remunerado de forma justa. A Prefeitura optou por não se manifestar ao ser questionada a respeito das recomendações do Ministério Público.
PROTESTOS
Os funcionários, usuários e ex-usuários de seis serviços geridos pelo Cândido Ferreira fizeram protestos ontem. A reportagem acompanhou um deles, no Parque Taquaral. Os manifestantes dos CAPS Reviver, Esperança, David Capistrano, Independência e do programa Consultório na Rua fecharam a Rua Padre Domingos Giovanini, entre a Rua Latino Coelho e a Avenida Almeida Garret. A paralisação durou em torno de 3h30. O grupo utilizou cartazes e entoou palavras de ordem, como "não vai ter corte, vai ter luta" e "Dário, cadê você, estou aqui só para te ver", e fechou as vias com fitas zebradas, mesas, galhos de árvores, entre outros itens.
Uma das manifestantes foi Lorrany Arantes. Ela é usuária do CAPS Reviver faz 12 anos, entre idas e vindas. Dependente química, ela lamentou a possibilidade do fim do vínculo entre a Prefeitura de Campinas e o Cândido Ferreira. "O CAPS me ajudou a sair das ruas. Aqui é onde eu, e outros colegas, nos lembramos que somos seres humanos", disse.
Ana Paula Scatolin é coordenadora do Movimento Popular de Saúde em Campinas. A um ano de alta do CAPS, é dependente de álcool e drogas, e criticou a forma que a Prefeitura se posicionou nas negociações com o Cândido Ferreira. "Existe um risco muito grande, se esse convênio não for renovado, de que comunidades terapêuticas ligadas às líderes religiosos procurem assumir esses serviços que são feitos há tantos anos pelo Cândido Ferreira".
André Neri vive atualmente em uma residência terapêutica administrada pelo Cândido Ferreira. Ele tem um longo histórico de internações e tratamentos de saúde mental. Diagnosticado com bipolaridade e depressão, Neri contou que chegou a ser internado no Cândido Ferreira quando ainda era um hospital psiquiátrico, no final da década de 1980. E que viveu nas ruas nos anos 1990. Ele teme não ter para onde ir, caso o vínculo com a Prefeitura seja encerrado. "Isso tudo que está acontecendo é uma irresponsabilidade muito grande conosco, que dependemos diretamente desses serviços", desabafou.
OUTRO LADO
Sem detalhar se irá recorrer da decisão judicial, o Cândido Ferreira informou que ainda não foi notificado oficialmente da liminar, mas entende que a determinação judicial deverá ser cumprida. "Dessa forma, vamos adotar todas as medidas possíveis para contenção de despesas e, assim, prosseguir com o atendimento aos usuários. Enquanto isso, voltaremos a negociar com a Prefeitura os índices de reajuste", informou a instituição por meio de nota.
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