Instituição afirmou que não pode aceitar a renovação nos termos propostos pelo município, que ofereceu reajuste de 5,5%; vínculo se encerra amanhã
(Divulgação)
Um clima de incerteza marca o convênio entre a Prefeitura de Campinas e o Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, responsável por atender mais de 5 mil pessoas na cidade. Não há uma definição sobre a prorrogação do atual vínculo entre as partes, que será encerrado oficialmente amanhã. O impasse está no índice de reajuste dos repasses feitos pela Administração Municipal para a instituição filantrópica. A Prefeitura ofereceu 5,5%, enquanto o Cândido Ferreira pediu 23%.
O Cândido Ferreira afirmou que não pode aceitar a renovação nos termos da gestão municipal, pois já vive um déficit de R$ 1,3 milhão por mês. Uma possível interrupção dos serviços preocupa funcionários e usuários da instituição e até vereadores da Câmara Municipal, que protocolaram uma representação sobre o assunto no Ministério Público.
O temor é de um colapso na rede de saúde mental do município, uma vez que a instituição administra, por exemplo, 11 dos 14 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) existentes em Campinas, centros de convivência, o Núcleo de Oficinas e Trabalho, a Casa das Oficinas, o programa Consultório na Rua. O valor dos repasses dos municípios previstos no atual acordo, válido desde 1º de junho de 2024, é de R$ 44.943.621,96 para um período de 12 meses. Isso representa 61,7% da receita total do Cândido Ferreira, que é de R$ 72.819.621,96, considerando outras fontes de verba, como repasses federais.
A possibilidade do final do convênio veio à tona anteontem, na apresentação do relatório da Secretaria Municipal de Saúde referente ao primeiro quadrimestre de 2025, em audiência pública na Câmara Municipal. O tema foi levantado pela vereadora Fernanda Souto (PSOL), que integra a Comissão de Política Social e Saúde do legislativo campineiro. Ela questionou o secretário de Saúde, Lair Zambon, sobre a negociação entre a gestão municipal e o Cândido Ferreira. A vereadora destacou que o Cândido cuida da maioria dos serviços de atenção à saúde mental do município e perguntou se eles seriam municipalizados caso a prorrogação do contrato não ocorresse e quais medidas a Prefeitura e a Saúde estavam avaliando tomar.
Zambon respondeu que a negociação com o Cândido Ferreira dura aproximadamente dois meses. Segundo ele, o município ofereceu 5,5% de reajuste nos repasses, enquanto o serviço de saúde teria demandado 30%, informação rebatida posteriormente pela instituição filantrópica. Ele classificou esse índice como inviável de ser alcançado.
O presidente do Conselho Municipal de Saúde de Campinas, Paulo Mariante, também participou da audiência pública na Câmara de Vereadores. Ele classificou como trágica a maneira que o secretário de Saúde se posicionou sobre o assunto. Mariante avaliou que situação é muito preocupante. “O Cândido responde possivelmente por 90% do serviço de saúde mental em Campinas. Qualquer gestor com um mínimo de responsabilidade não trataria essa questão dessa maneira. A comparação do Cândido com outros conveniados, no meu ponto de vista, é um equívoco”, pontuou Mariante, em referência à comparação de Zambon com outra entidade conveniada.
IMPACTOS
Funcionários do Cândido Ferreira expuseram um cenário preocupante. Como profissionais, eles temem um desmantelamento da estrutura atualmente existente e que auxilia mais de 5 mil usuários. Os profissionais ouvidos pela reportagem pontuaram que as dificuldades existem há algum tempo. Segundo os relatos, a falta de reajuste dos repasses, algo que ocorreu nas últimas renovações, ocasionaram muitos cortes de profissionais nos serviços oferecidos pelo Cândido Ferreira, o que atrapalha o trabalho de todos. Quem ficou, é porque acredita no trabalho realizado, mesmo com salários baixos e no limite operacional. As dificuldades, inclusive, impedem que outros profissionais sejam atraídos para trabalhar nos serviços.
Os funcionários informaram que os usuários temem tanto ficar sem assistência para as questões de saúde mental, que são tratadas pelos serviços do Cândido, como perder o vínculo com os profissionais que estão com eles no dia a dia. “São vínculos extremamente importantes para eles”, explicou uma das pessoas ouvidas em condição de anonimato.
REPRESENTAÇÃO
Os vereadores do PT, Wagner Romão, Paolla Miguel e Guida Calixto, e do PSOL, Mariana Conti e Fernanda Souto, protocolaram ontem uma representação no Ministério Público. O objetivo foi alertar sobre os riscos da suspensão dos atendimentos à saúde mental no SUS de Campinas, que dependem da parceria entre a Prefeitura e o Cândido Ferreira.
Em comunicado conjunto divulgado ontem para a imprensa, os parlamentares argumentaram que o número de atendimentos realizado tem superado, desde 2021, o limite da capacidade contratada, “sendo no ano passado um aumento em 21% a mais de atendimentos prestados. Assim, o Cândido Ferreira em nenhum momento deixou de abrir novas vagas de cuidados, reconhecendo a necessidade, uma vez que é de domínio público os índices em crescimento dos casos de doenças mentais.”
O vereador Wagner Romão disse que é inadmissível que a Prefeitura de Campinas tenha tanto descaso com o oferecimento do serviço de saúde mental na cidade. “O Cândido Ferreira vem arcando com um déficit bastante elevado ano a ano e passou da hora de que haja uma remuneração justa à entidade pelo serviço prestado. São milhares de pessoas que dependem diretamente desse convênio e que ficarão desassistidas se nada for feito imediatamente.”
POSIÇÕES
Questionado sobre diversos pontos, a gestão do Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira divergiu das declarações feitas pelo secretário de Saúde, Lair Zambon. A instituição afirmou que foi iniciativa dela procurar o titular da Pasta em março para tratar da renovação do convênio, e que a primeira proposta de reajuste solicitada à Prefeitura foi de 23%, não 30% como alegado pelo secretário. “A Prefeitura não aceitou, propondo apenas 5,5% sobre o valor repassado pelo município, o que corresponde a apenas 3,29% do valor global (aporte do município somado aos demais repasses). A instituição reelaborou o plano de trabalho e apresentou nova proposta de reajuste, de 16,82%, mas a Prefeitura novamente insistiu nos 5,5%. Diante da negativa em atender a essa proposta, a instituição elaborou outra versão do plano de trabalho, considerando o reajuste oferecido, de 5,5%. Além de manter a redução do quadro ao mínimo operacional, seria necessária a desmobilização de 154 trabalhadores, afetando diretamente todas as equipes dos CAPS e resultando também no encerramento do projeto de inclusão social por meio do trabalho, deixando claro que o Cândido Ferreira não teria como atender à demanda atendida, que está em crescimento.”
O Cândido Ferreira explicou também que vem passando por déficit financeiro, considerando os convênios assinados com a Prefeitura nos últimos anos. Além disso, a instituição pontuou que até poucos meses atrás arcava com os prejuízos utilizando recursos oriundos de um ressarcimento judicial, que foi o resultado de um acordo, intermediado pelo Judiciário, no qual a Prefeitura de Campinas reconheceu uma dívida com o Cândido da época em que a instituição contratava funcionários de recursos humanos para a rede de saúde e vários departamentos da Prefeitura. “A posição da instituição é não assinar a renovação do convênio nos termos propostos. O reajuste que reivindicamos é condizente com os serviços prestados em cuidados da saúde mental.”
A Prefeitura de Campinas foi perguntada em que pé está a negociação com o Cândido Ferreira, se houve alguma mudança de posição da administração e se há um novo encontro marcado entre as partes. Em nota, a Secretaria de Saúde de Campinas pontuou que fez várias rodadas de negociação com o Cândido Ferreira e que está empenhada em construir soluções que assegurem a continuidade e o acesso da população aos serviços de saúde mental.
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