APA DO CAMPO GRANDE

Prefeitura de Campinas quer demolir casas ilegais na APA Campo Grande

Administração já aplicou multas no valor de R$ 12,4 milhões contra loteadoras

Paulo Medina/ [email protected]
02/02/2024 às 08:41.
Atualizado em 02/02/2024 às 08:41
Estrada municipal que atravessa a região da Área de Proteção Ambiental do Campo Grande: região abriga nascentes e vegetação de transição de Mata Atlântica para Cerrado (Rodrigo Zanotto)

Estrada municipal que atravessa a região da Área de Proteção Ambiental do Campo Grande: região abriga nascentes e vegetação de transição de Mata Atlântica para Cerrado (Rodrigo Zanotto)

Em meio à polêmica envolvendo as construções irregulares na Área de Proteção Ambiental (APA) do Campo Grande, uma região que abriga 62 nascentes, a Prefeitura de Campinas aplicou até o momento multas ambientais no valor total de R$ 12,4 milhões contra as empresas loteadoras que exploram essa área. Este caso específico é objeto de uma ação civil pública provocada pelo município, atualmente em tramitação no Judiciário campineiro. No âmbito dessa situação, a Secretaria do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável está buscando autorização judicial para a demolição de todas as construções ilegais presentes no local. O pedido de demolição também conta com o respaldo do Ministério Público, que é parte na referida ação. Segundo a Administração municipal, a área ambiental em questão abrange 1.200 lotes, entre aqueles que já foram edificados e os que ainda se encontram sem construções. Um ambientalista, alinhado com a posição da Prefeitura, defende a necessidade da demolição, respaldando as autuações já realizadas, e instiga uma fiscalização mais efetiva no local.

Segundo informações da Secretaria do Verde, a solicitação para a demolição de todas as construções ilegais na Área de Proteção Ambiental (APA) do Campo Grande originou-se dentro da pasta, no contexto do Grupo de Controle e Contenção de Invasões e Parcelamentos Clandestinos, por meio da ação civil pública movida pela Prefeitura contra os loteadores.

Paralelamente a essa iniciativa, o município está em processo de desenvolvimento do Plano de Manejo em três unidades de conservação. No Parque Natural do Campo Grande e Parque Natural dos Jatobás, foi concluído o estudo biofísico, resultando em um zoneamento preliminar. Ambos integram o complexo ambiental na região da APA. Atualmente, encontra-se em fase de licitação o diagnóstico do meio socioeconômico, que será seguido pela elaboração do zoneamento e a conclusão do plano de manejo.

Na APA do Campo Grande, em setembro de 2019, teve início o processo participativo para a formação do Conselho Gestor da APA, culminando com a aprovação da lei municipal nº 16.185 em 29 de dezembro de 2021. A Prefeitura destaca que a criação do Conselho Gestor precede a elaboração do plano de manejo, pois o Conselho representa a principal instância de participação da sociedade civil, considerando a APA como uma Unidade de Conservação de uso sustentável. Com o Conselho devidamente constituído (com conselheiros nomeados), em agosto de 2023 foi iniciado o processo de construção, em conjunto com o Conselho, do Termo de Referência para a elaboração do plano de manejo. A primeira versão foi apresentada pela Secretaria e será financiada com recursos do Fundo de Recuperação, Manutenção e Preservação do Meio Ambiente (PROAMB), conforme explicado pela Prefeitura.

O governo informou que nas últimas semanas, o Conselho está construindo, junto ao órgão gestor da APA, uma avaliação estratégica, etapa preliminar ao plano de manejo, para o melhor direcionamento dos estudos específicos que deverão ser contratados.

As construções irregulares no complexo ambiental também foram parar na Polícia Civil. A Secretaria do Verde, ao receber a primeira denúncia de parcelamento ilegal na APA, realizou vistoria no local. A ação resultou na condução de um corretor de imóveis à delegacia de polícia e na lavratura de boletim de ocorrência. "Este ato, deu início ao processo de responsabilização ambiental na esfera penal. Na sequência, foram identificados 11 loteamentos ilegais em processo de implantação. A Prefeitura elaborou então um embargo preventivo conjunto, ambiental e urbanístico. Paralelamente, iniciou-se o trabalho de identificação dos proprietários, lavratura dos autos de multa e a individualização dos embargos".

Conforme a pasta, hoje, dos 11 loteamentos, oito têm processos de multa e embargos ambientais. Dois estão em processo de identificação dos proprietários e um foi descartado da lista.

"A responsabilidade ambiental acontece nas três esferas, na ambiental, com as multas e embargos. Na civil, com a celebração de termos de ajustamento de conduta para reparação e compensação dos danos e também na esfera penal, com o processo criminal em curso perante a Delegacia de Investigações Gerais - DIG e o Ministério Público", informou.

A menor multa ambiental aplicada a um loteamento foi de R$ 1.075.200,00. Até o momento, foram aplicados R$ 12.434.937,45 em multas ambientais na área.

A lei de crimes ambientais prevê que causar danos diretos ou indiretos à unidade de conservação ambiental pode acarretar em uma pena de reclusão de um a cinco anos.

Além do processo de responsabilização ambiental, a Secretaria do Verde oficiou a Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento de Campinas (Sanasa), a CPFL e o Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci), indicando o número de registro dos corretores que comercializam os lotes na área.

Os loteamentos em investigação e processo de responsabilização ambiental são Condomínio Espaço Feliz, Paraíso das Palmeiras, Condomínio Pantanal I, Recanto do Lago, Sítio Monte Verde, Condomínio Montes Claros I, Terra Preta, Santo André, Sítio do Lago e Associação Estância Pantanal I.

O Condomínio Panorama foi alvo de investigação, mas por estar na área há cerca de 40 anos vive um processo de análise para regularização perante a Secretaria de Habitação da cidade.

Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), os terrenos em área rural devem possuir no mínimo 20.000 metros quadrados. Terrenos com metragem inferior são ilegais.

A Prefeitura incentiva a denúncia. "Aos munícipes, pedimos que não comprem, denunciem. Desconfiem de propagandas com imóveis muito abaixo do preço de mercado. Não adquiram imóveis por contrato de gaveta, apenas com escritura. Em caso de dúvidas sobre a regularidade do negócio, procure a Prefeitura através do telefone 156". O governo diz que os loteadores serão tratados com o "rigor da lei", para que os danos ambientais sejam reparados e compensados.

LIMINAR

Em dezembro passado, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP) suspendeu a decisão que ordenava a Prefeitura a interromper obras nas dependências da APA Campo Grande, do Parque Natural Municipal do Campo Grande e Parque Natural Municipal dos Jatobás, complexo envolvido no processo. A liminar também proibia obras e licenciamento ambiental de empreendimentos em uma faixa de 10km das áreas até a execução dos planos de manejo. O complexo possui cerca de 62 nascentes. A suspensão se deu por conta de uma resolução ambiental já revogada que serviu como base para análise da Justiça local.

Em novembro, a Promotoria de Justiça Cível de Campinas obteve a liminar impondo ao município a obrigação de elaborar, em até 12 meses, planos de manejo de todo o complexo ambiental. As áreas, conforme a Promotoria, ainda são objeto de especulação imobiliária.

Ao ajuizar a ação civil pública, o promotor José Fernando Vidal de Souza argumentou que a vistoria feita na APA pela Secretaria Municipal de Planejamento e Urbanismo identificou loteamentos irregulares em estágio avançado de ocupação e com diversas obras em andamento ou já finalizadas. As autoridades encontraram exemplos de parcelamento irregular do solo, com danos ambientais causados, por exemplo, por pavimentação, instalação de postes de eletricidade, obras de drenagem e áreas de lazer.

De acordo com o promotor, as unidades de conservação situam-se na macrozona de relevância ambiental definida pelo artigo 5º da Lei Complementar nº 189/2018, numa área de carga e recarga do Aquífero Itararé, compreendendo um "número significativo" de nascentes e com vegetação de transição de Mata Atlântica para Cerrado. Ainda de acordo com o promotor, a ausência de planos de manejo impossibilita a orientação de conduta por parte de todos que habitam ou desenvolvem algum tipo de atividade nessas áreas.

PROBLEMA

O ambientalista Paulinho Olivieri, da SOS Piçarrão, classificou o pedido de demolição e as autuações ambientais como positivas, mas aponta que as medidas não resolvem o problema. "Eu acredito que a medida seja positiva, não tenho conhecimento do teor das autuações, mas de qualquer forma é positiva, resolver o problema, não resolve, acredito que precisamos de algumas ações. A primeira é, sem dúvida, uma fiscalização mais efetiva e eficiente e um investimento massivo na parte de habitação popular e conscientização das pessoas sobre como identificar loteamentos irregulares. A maioria das pessoas que adquirem esses lotes não faz por má fé, pelo contrário, são vítimas, acabam perdendo o pouco que conseguiram juntar", disse. Para Olivieri, entre os prejuízos de construções irregulares em área ambiental estão a derrubada de árvores, aterramento das nascentes e contaminação do solo e lençol freático.

CONSTRUÇÕES

A reportagem percorreu trechos da APA Campo Grande nesta quinta-feira (1˚) e observou um cenário de construções já em estágio avançado entre casas e condomínios de chácaras. Há ainda construções paralisadas, com areia e tijolos em frente a imóveis. A informação que circula entre moradores e trabalhadores da região é que as construções na área estão proibidas. "O que eu sei dizer é que está proibido construir aqui, o dono já falou que por enquanto não pode mexer, não pode construir porque tem problema judicial. Várias construções da APA estão com esse dilema porque é área verde", disse José Carlos da Silva, de 38 anos, que trabalha em uma horta dentro da APA.

A reportagem apurou que com a decisão judicial vendedores retiraram do ar os principais sites com anúncios de imóveis na área.

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