FINANÇAS PÚBLICAS

Prefeitura de Campinas inicia processo para ‘venda’ da dívida ativa

Os débitos do munício cobrados judicialmente hoje chegam a R$ 13 bilhões, valor superior ao do orçamento de 2025

Luiz Felipe Leite/[email protected]; Paulo Reda/[email protected]
07/02/2025 às 11:16.
Atualizado em 10/02/2025 às 16:06
Segundo a Prefeitura, a próxima etapa será a contratação de uma consultoria especializada para avaliar o perfil da dívida ativa de Campinas e o formato mais indicado para a operação de “venda” (Kamá Ribeiro)

Segundo a Prefeitura, a próxima etapa será a contratação de uma consultoria especializada para avaliar o perfil da dívida ativa de Campinas e o formato mais indicado para a operação de “venda” (Kamá Ribeiro)

A Prefeitura de Campinas pretende lançar no mercado títulos da dívida ativa dos contribuintes do município. O objetivo com essa “venda” é antecipar valores que só chegariam aos cofres públicos parcelados e ao longo dos anos. A iniciativa foi viabilizada por uma legislação federal sancionada no ano passado.

A próxima etapa será a contratação de uma consultoria especializada para avaliar o perfil da dívida pública de Campinas e o formato mais indicado para a operação. A dívida ativa do município é hoje de aproximadamente R$ 13 bilhões, Isso supera o total do Orçamento Municipal previsto para todo o ano de 2025, que é de R$ 10,8 bilhões. 

Para que a securitização de dívida ativa ocorra, é necessária ainda a aprovação de uma lei específica pela Câmara Municipal. Com isso, a Secretaria de Finanças abrirá uma licitação para a venda dos recebíveis da dívida ativa. A previsão é de que esse edital seja lançado até o final deste ano. A dívida ativa inclui débitos dos contribuintes com impostos municipais como IPTU, ISSQN e ITBI e também com taxas públicas.

Pela Lei Complementar Federal n° 208/2024, a venda dos recebíveis da dívida ativa do governo municipal é um mecanismo financeiro no qual o município transfere para terceiros apenas o direito de receber os valores. Portanto, o poder público segue sendo o “proprietário” da dívida. Esse processo, no qual títulos da dívida ativa podem ser negociados com bancos ou instituições financeiras cadastradas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) com deságio, também é chamado de securitização da dívida ativa. 

Um aspecto que ainda gera dúvidas na interpretação da legislação federal diz respeito à possibilidade da instituição financeira que comprar a dívida ativa da administração municipal efetuar a cobrança do débito diretamente do contribuinte inadimplente.

Em nota, a Secretaria Municipal de Finanças de Campinas informa que “no entendimento da Pasta, a cobrança judicial ou extrajudicial é de responsabilidade das áreas responsáveis por cobrança na Prefeitura, o que não impede que, caso seja necessário e devidamente previsto no edital, que a vencedora da licitação promova a contratação de empresa prestadora de serviço especializado para auxiliar a Procuradoria ou a Secretaria de Finanças no processo de cobrança, por meio do envio de cartas, mensagens eletrônicas ou ligações telefônicas.

Essa possibilidade de cobrança direta dos contribuintes por meio de uma empresa privada, porém, é contestada por advogados tributaristas ouvidos pelo Correio Popular.

De acordo com Andressa Saizaki, advogada tributarista do escritório Vernalha e Pereira Associados, a lei complementar 208, estabelece claramente que a cobrança judicial e extrajudicial dos créditos de que se tenham originado os direitos cedidos com a venda da dívida ativa para uma instituição financeira só pode ser executada pela própria Fazenda pública. “Nesse caso, a procuradoria do município faz a cobrança e repassa posteriormente os valores arrecadados dos débitos quitados para a empresa que comprou a dívida”, destacou Andressa.

Outro advogado tributarista, Dirceu Chrysostomo, afirmou que se a administração pública terceirizar a cobrança da dívida corre o risco de ser processada por descumprir não apenas a lei complementar 208, mas a própria Constituição Federal. “Além do mais, as procuradorias públias têm a disposição profissionais e instrumentos legais suficientes e devidamente preparados para fazer esse tipo de cobrança”.

VANTAGENS

Em entrevista ao Correio Popular, o secretário de Finanças de Campinas, Aurílio Caiado, falou sobre as vantagens desse mecanismo para a Prefeitura. Na avaliação dele, a futura operação vai resultar na antecipação do recebimento de valores que chegariam aos cofres públicos de forma diluída ao longo dos anos. Ele ressaltou, no entanto, que a legislação federal obriga que as quantias arrecadadas dessa forma sejam utilizadas para financiar investimentos públicos e abater o déficit do RPP (Regime Próprio de Previdência), que na cidade hoje é de R$ 19,2 milhões ao mês. “A operação acaba sendo até mais vantajosa para a administração do que um Refis, por exemplo, porque a cidade não corre o risco de ter uma alta inadimplência”, disse.

Caiado explicou que devido à complexidade da futura operação, uma instituição sem fins lucrativos com expertise no setor financeiro será contratada para fazer uma análise preliminar do fluxo dos recebíveis e da elaboração da minuta do projeto de lei municipal, necessária para regulamentar o mecanismo permitido pela lei federal, entre outros pontos. “É uma operação muito complexa, que envolve estrutura financeira e a Comissão de Valores Mobiliários, expertise que a maioria dos municípios não têm. A consultoria vai nos ajudar a elaborar o edital de licitação e também a lei, que terá como objetivo dar segurança jurídica para a Prefeitura, para o munícipe e também para a instituição financeira que vencer a licitação”, comentou.

A etapa atual do processo, também de acordo com Aurílio Caiado, é o levantamento do perfil dos contribuintes de Campinas. Esse balanço será passado futuramente para a consultoria a ser contratada pela Prefeitura. Isso vai auxiliar na criação dos mecanismos necessários para permitir a venda dos recebíveis da dívida ativa.

O professor de educação financeira da Escola de Economia e Negócios da PUCCampinas, Eli Borochovicius, alertou para os riscos de a Prefeitura receber um valor menor do que o total da dívida ativa. “A securitização da dívida ativa é uma boa opção para a Prefeitura colocar em caixa de um valor que teoricamente ela só receberia no futuro. Só que ela vai receber uma quantia menor para antecipar esse recebimento. Esse risco vai para a empresa que vencer a futura licitação”, explicou ele. 

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