Os campineiros que passam diariamente pela Praça Guilherme de Almeida, em frente ao Palácio da Justiça, no Centro de Campinas, se impressionam com o cenário: homens e mulheres amontoados pelos bancos e canteiros, dormindo sobre folhas de papelão, enrolados em cobertores encardidos
Pertences de moradores de rua amontoados ao lado da tradicional banca do Enoch: Setec às vezes aparece e exige a retirada dos objetos, mas é inútil - eles sempre aparecem de novo (Divulgação)
Os campineiros que passam diariamente pela Praça Guilherme de Almeida, em frente ao Palácio da Justiça, no Centro de Campinas, se impressionam com o cenário: homens e mulheres amontoados pelos bancos e canteiros, dormindo sobre folhas de papelão, enrolados em cobertores encardidos. Gente que foi parar na rua por causa de doença, do desemprego e da falta de políticas públicas. Mas o olhar de quem trabalha ou mora nas imediações não é de surpresa ou susto: é de pura desconfiança. É que, entre aquelas pessoas carentes, pode haver criminosos. Ninguém nas imediações tem coragem de registrar um boletim de ocorrência. Os engraxates, donos de bancas e vendedores ambulantes procuram manter uma relação cordial com os “ocupantes” mais suspeitos, temendo algum tipo de retaliação. Mas é um fato admitido em conversas reservadas que há tráfico de drogas e assaltos na praça. Quem os pratica, contudo, se esconde atrás do véu do silêncio dessas testemunhas temerosas. O cenário que reflete com exatidão a degradação do espaço é a tradicional Banca do Enoch, há quase 40 anos instalada na praça, às margens da Avenida Campos Salles. O proprietário, conhecido dos moradores da cidade, se estabeleceu ali e durante todas essas décadas sustentou sua família com o comércio. Mas agora, doente, teve que se afastar da banca, sem previsão para voltar a trabalhar. E quando voltar, não vai gostar nada do que vai encontrar. Os moradores de rua fizeram da banca uma espécie de “porta-badulaques”: guardam ali roupas, calçados, marmitas e garrafas, entre outros objetos. Ali também é o ponto onde acontece o consumo e, supostamente, até o tráfico de drogas. E já teve até quem tomou a liberdade de fazer uma ligação clandestina de energia a partir de um poste público, próximo da banca. Aquele pedaço do largo virou, definitivamente, uma terra de ninguém. Os comerciantes estabelecidos por ali, como todos os demais, pagam uma taxa anual pela ocupação do solo à Serviços Técnicos Gerais (Setec). Às vezes - como na última sexta-feira - os fiscais da autarquia passam pela praça, exigindo a remoção dos badulaques amontoados. Mas a sensação de insegurança persiste - e é enorme. Queixa formal O comando da Guarda Municipal, responsável pelo patrulhamento preventivo dos equipamentos públicos, explicou que não pode realizar alguma ação mais efetiva sem que haja uma queixa formalizada em um distrito policial. Sem isso, o máximo que pode ser feito são as rondas periódicas pela região - e, no caso de um flagrante, a apresentação do caso no plantão policial. A GM pode ser acionada pelo telefone 153, por qualquer cidadão que testemunhe ato criminoso, a qualquer hora do dia. O cidadão também pode ligar para a Polícia Militar (190) ou para o Disque-Denúncia (181), que garante a absoluta privacidade. Setec não tem poder para coibir presença de pessoas A direção da Serviços Técnicos Gerais (Setec), responsável pela fiscalização do uso do solo público, informou que a autarquia “constata a legalidade de cada estabelecimento para a atuação comercial e que, efetivamente, não tem poder legal para coibir a presença de pessoas no entorno - atribuição, no caso, que cabe à Guarda Municipal”. A Prefeitura de Campinas sabe das denúncias de tráfico e vandalismo pelas praças, mas como são as corporações policiais que respondem pela segurança, a Administração investe em ações sociais, que buscam levar os moradores de rua para abrigos, garantindo o acesso a alimentação, higiene pessoal e até qualificação profissional.