Audiência Pública reuniu autoridades e representantes da sociedade civil
Moradores em situação de rua no bairro Vila Industrial em Campinas (Rodrigo Zanotto)
Uma audiência pública realizada na quarta-feira (10) em Campinas para discutir a segurança no Centro e na Vila Industrial elegeu como alvo a população de rua e o clima esquentou na Câmara, onde o evento foi realizado. Militantes pró e contra a população de rua trocaram farpas na reunião, que foi organizada pelo vereador Marcelo Silva (PSD) e contou com a presença de autoridades de Segurança Pública e de organizações da sociedade civil.
A audiência, inicialmente, tinha como objetivo discutir meios para aumentar a segurança nas duas regiões e tranquilizar moradores e comerciantes, mas na prática os problemas foram atribuídos a presença da população de rua em ambos os espaços. Por fim, a discussão transitou entre pedidos de retirada imediata e até compulsória das pessoas em situação de rua por alguns, defesa da permanência por outros e o Executivo se defendendo de acusações.
Entre os que compuseram a mesa estavam o secretário de Cooperação para Assuntos de Segurança Pública de Campinas, Christiano Biggi, a comandante da Guarda Municipal (GM), Maria de Lourdes Soares, a diretora do Departamento de Operações de Assistência Social, Maria Aparecida Giani, o comandante do 8º Batalhão de Polícia Militar (responsável pela área central), major Carlos Guilherme Cardoso e os capitães Roberto Fraizitzer e Paulo Bueno Junta Jr, ambos do 35˚ Batalhão de Polícia Militar do Interior (BPMI), além do próprio Marcelo Silva.
No início da sessão cada membro da mesa fez sua exposição inicial ordenadamente. O temor do vereador Marcelo Silva é que Campinas vire São Paulo, já aludindo à questão dos moradores de rua. “Temos que enfrentar o problema de frente e com coragem. Se perder o controle, Campinas vai virar São Paulo”, disse, recebendo como resposta de parte do público: “já está virando”.
O parlamentar disse que o alto número de relatos de assaltos, furtos e roubos nas regiões em questão foram fundamentais para a discussão do problema na quarta-feira (10), o que ele considera um primeiro passo.
O Centro foi o mais reclamado pela população e as estatísticas apontam para um índice de criminalidade elevado. De acordo com o major Cardoso, só no Centro foram presas, nos 100 primeiros dias do ano, 77 pessoas em flagrante e capturados 23 procurados pela Justiça. Além disso, 137 operações foram realizadas em conjunto com outras forças de Segurança, como a GM por exemplo.
Na audiência, moradores reclamaram ainda da sujeira gerada pela população de rua.
O secretário Biggi disse que a Segurança não tem “uma receita para lidar com o problema”, mas ressaltou que a GM tem feito rondas rotineiramente pela área central e que, atualmente, a corporação está formando 100 novos agentes, que atuarão diretamente no patrulhamento do Centro. “É a maior contratação da história. Até outubro esses agentes estarão nas ruas”, disse.
O titular da Segurança disse ainda que a GM vai mirar receptadores de produtos de pequenos furtos, para combater o incentivo ao crime.
A comandante Lourdes, da GM, também focou a incidência de moradores de rua como causa para a sensação de insegurança no Centro, de forma que, segundo ela, “a maior parte dos problemas não é de responsabilidade da Segurança Pública”.
O capitão Bueno do 35º BMPI expôs uma série de locais problemáticos para a PM. São espaços entre o Centro, Bonfim e Vila Industrial que concentram elevado número de dependentes químicos durante o dia e registros de furto durante a noite. Um deles fica na Rua Dom José I, onde fica localizado o Sesc. “Esses são alguns dos principais locais onde as ocorrências são registradas, de modo que deveria haver um plano também de urbanismo, para revitalizar essas áreas, também de Assistência Social, para realizar buscas nestes pontos”, disse.
Bairros como Bonfim, Vila Industrial e Botafogo compõem uma região também conhecida como “Centro expandido”. O clima esquentou mesmo quando o vereador Major Jaime (PP), durante uso da palavra disse que “a cidade é muito hospitaleira com moradores de rua e por isso recebe essas pessoas que vêm de todos os cantos”.
Bianca Fricke, de 45 anos, usou o direito à fala para replicar a fala do vereador. “Morei na rua durante muitos anos e hoje estou aqui, recuperada. A fala do senhor é preconceituosa, pois atuo no Centro POP e o que a gente vê na prática são pessoas tentando sair dessa situação. O vereador tem que tentar entender melhor a realidade da cidade, e não ficar apontando apenas saídas de repressão”, disse.
Para o pesquisador William Azevedo, doutorando pela Universidade de São Paulo (USP) e que estuda a situação da população de rua há 12 anos, há uma cultura de medo por parte da população relacionada a existência de pessoas na rua. “Existem crimes de todos os tipos nas mais variadas localidades, sejam elas tomadas ou não por população de rua. Mas pela presença de pessoas em situação de rua em um local ‘x’, todos os crimes registrados nesse local ‘x’ serão atribuídos, automaticamente, a essas pessoas”, explicou.
Para Azevedo, justamente por essa assimilação o tema do debate se enveredou por outros caminhos e chegou à população de rua.
De acordo com a última contagem realizada pela Administração, em 2021, Campinas tem cerca de 1.000 pessoas em situação de rua. 50,72% se concentram na região leste, que abrange o Centro. Ainda de acordo com os dados, cerca de 81% são homens, contra 16% de mulheres. O restante se divide entre pessoas que se declaram de outros gêneros.
Por fim, os dados mostram que o maior percentual vem de outros estados do País, cerca de 37%. Os que são naturais de Campinas correspondem a 29%. Além disso, 20,1% são de outras cidades de São Paulo, 6,9% da Capital e 5% da Região Metropolitana de Campinas (RMC).