HOUSING FIRST

População de rua da RMC terá projeto-piloto de moradia

Programa prevê a oferta de habitação provisória por prazo de 12 a 24 meses

Edimarcio A. Monteiro/[email protected]
07/06/2025 às 13:44.
Atualizado em 07/06/2025 às 15:38
Em torno de 3,5 mil pessoas na RMC estão em situação de rua; em Campinas são 1,3 mil (Rodrigo Zanotto)

Em torno de 3,5 mil pessoas na RMC estão em situação de rua; em Campinas são 1,3 mil (Rodrigo Zanotto)

O Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Campinas (CDRMC) aprovou ontem, por unanimidade, a implantação de um projeto-piloto do programa Housing First (Moradia Primeiro, em português), que prevê uma ação integrada dos governos estadual e municipais para a reinserção social de moradores em situação de rua. Ele prevê a oferta de moradia provisória por um prazo de 12 a 24 meses para essa população, associado a outro trabalhos já desenvolvidos dentro do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), com ações multidisciplinares de assistência social, saúde e integração ao mercado de trabalho.

Ele segue o conceito "ter uma casa é a base para ter uma vida" já adotado por outros países, entre eles os Estados Unidos, Canadá, Portugal e Espanha, dando essas pessoas a oportunidade de decidir o seu futuro. As linhas gerais do programa foram apresentadas pelo subsecretário Estadual de Desenvolvimento Urbano e Habitação, José Police Neto. Um comitê a ser formado com representantes de todas as 20 cidades da RMC deverá apresentar em 90 dias a formatação final da proposta para lançamento de um chamamento público de uma instituição responsável pela implantação.

A Grande Campinas será a primeira região metropolitana do Estado a contar com o Housing First, que depois deverá ser levado para outras áreas do Estado. Em torno de 3,5 mil pessoas na RMC estão em situação de rua, de acordo com levantamento do Observatório Brasileiro de Política Pública. Em Campinas, são cerca de 1,3 mil, segundo levantamento feito há um ano pela Fundação Feac. Há ainda outras 200 pessoas em abrigamento, já participando de ações voltadas a tirá-las da situação de rua, apontou a Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Assistência Social.

A ESCOLHA

De acordo com Police Neto, a RMC foi escolhida para implantação do projeto-piloto "por ser a mais propícia" em função de seu perfil socioeconômico e conurbação existente entre as cidades. "É uma região de desenvolvimento tecnológico, atrai grandes investimentos, mas há uma parcela da sociedade que não está conseguindo tocar esse desenvolvimento. Precisamos romper essa barreira", afirmou. O programa a ser implantado será baseado no Programa Reenconto, implantando pela Prefeitura de São Paulo, após ação judicial impetrada pelo Ministério Público, que em 18 meses conseguiu retirar mil moradores da situação de rua. "Ele tem se mostrado o projeto de melhor qualidade na relação investimento feito e resultado obtido", argumentou o subsecretário de Desenvolvimento Urbano.

A proposta inicial é de se ter um contrato por resultado com uma entidade que cuidaria da implantação do programa em toda a região. Ela receberia um valor fixo para cobertura das despesas de execução das atividades e um extra por morador efetivamente encaminhado para o mercado de trabalho e conquistado residência fixa. "A proposta é que essas pessoas ganhem autonomia", afirmou Police Neto. Segundo ele, projetos semelhantes em menor escala já foram implantados com sucesso pela Arquidiocese de Florianópolis (SC), o Moradia Primeiro, e um promovido por voluntários na capital paulista, criado por professores de arquitetura da Universidade de São Paulo, o Fundo Imobiliário Comunitário para Aluguel (Fica).

Em São Paulo, o programa da prefeitura criou a Vila Reencontro, na região do Bom Retiro, onde foram implantadas 350 unidades modulares de 18 metros quadrados (m2), com quarto, cozinha e banheiro para receber as pessoas atendidas. Na Grande Campinas, a proposta é a locação de imóveis disponíveis, sejam casas ou quartos em pensões. A adesão será voluntária, com os interessados devendo procurar esses espaços para participar do programa. Além de moradia fixa, eles receberão alimentação e participarão de programas voltados para saúde física e psicológica e outros destinados a qualificação profissional para encaminhamento para emprego.

Para Police Neto, o Housing First mudará a atual modelo dos programas desenvolvidos com a população em situação de rua, como o de distribuição de alimentos e Consultório na Rua, que perpetua a permanência dela nesse cenário. "Os programas atualmente desenvolvidos mantêm essas pessoas na rua. Não são a solução", afirmou. A moradia provisória será implantada sem prejuízo dos atuais trabalhos desenvolvidos, que poderão ser revistos no futuro a partir dos resultados obtidos e a real diminuição dos moradores em situação de rua.

Segundo o subsecretário, a implantação do novo programa precisa ser feita simultaneamente nas 20 cidades da RMC para evitar a situação existente hoje de uma cidade "exportar" para outra a população necessitada. Ele descartou a possibilidade da adoção do Housing First atrair pessoas em situação de rua de outras regiões, uma vez que a proposta é expandi-lo e evitar a migração. O prefeito de Campinas e presidente da CDRMC, Dário Saadi (Republicanos), acredita no sucesso do novo programa. "É a primeira vez que o Estado participa de uma solução para esse problema, que é complexo e atinge o mundo todo. Como todo problema complexo, não tem uma solução fácil, mas não podemos nos omitir", afirmou.

RECURSOS

Inicialmente, o Housing First deverá contar com recursos estaduais e do o Fundocamp RMC (Fundo de Desenvolvimento Metropolitano de Campinas). É um órgão de gestão da Agência Metropolitana de Campinas (Agemcamp), que tem como principal objetivo financiar e investir em projetos de interesse comum para a Região Metropolitana de Campinas. Para a secretaria municipal de Assistência Social e Cidadania de Vinhedo, Cris Mazon, uma das dificuldades da nova proposta será conseguir a adesão dos participantes.

"O problema é que ganham dinheiro, vivem na rua e não tem nenhuma responsabilidade", disse. Já o prefeito de Itatiba, Thomás Capeletto (PSD), acrescentou que enfrenta o problema de migração de moradores de situação de rua vindos de São Paulo. "Quando a coisa aperta por lá, eles vêm para cá", disse. Ele contou ter vagas para contratação de pessoas para capinação de rua e outros serviços de zeladoria da cidade, mas enfrenta o problema de falta de interessados.

De acordo com o subsecretário estadual de Habitação, após a implantação do programa, também será buscado recurso do governo federal para a sua manutenção. "Porém, se não conseguirmos, não será um impeditivo para a sua realização", argumentou. Police Neto enfatizou a necessidade do programa contar com a participação de todos os atores envolvidos com a questão, incluindo a sociedade, entidades civis, universidades e Ministério Público, através da Procuradoria-Geral de Justiça.

REPERCUSSÃO

O morador em situação de rua Edmilson Pires da Silva Júnior se manifestou favorável ao Housing First, mas previu dificuldades para sua execução. "Eu participaria de um programa como esse, mas essa é uma questão difícil. Não atenderia pessoas com problemas mentais, viciados em droga, viciados em álcool", argumentou. Ele disse ter passado a morar na rua após desavenças familiares e não tem noção do tempo em que está nessa situação. "Eu já perdi a conta", disse.

Edmilson Silva Júnior contou que o pai mora em Hortolândia, mas descartou ir morar com ele. "Eu que bebo e ele que roubou meu computador. Não dá", disse, com um sorriso irônico. O morador em situação de rua disse já ter participado de curso profissionalizante de cabeleireiro, mas voltou para as ruas. "Abandonei tudo e voltei", afirmou.

O coordenador geral do Fórum Municipal dos Direitos Humanos de Campinas, Paulo Mariante, viu com bons olhos a proposta do novo programa na RMC, mas fez a ressalva de se acompanhar a sua execução para garantir os resultados esperados. "O Housing First é uma das bandeiras dos movimentos voltados aos moradores em situação de rua, mas esse é um problema complexo porque envolve, muitas vezes, pessoas que perderam todos os vínculos familiares e sociais", afirmou. Para ele, o fato de ser um programa regional é importante, mas é preciso garantir que a entidade escolhida para sua execução seja laica, pois é comum o proselitismo religioso ser uma barreira para a execução de projetos com essa população. Além disso, completou, há diferenças entre os trabalhos desenvolvidos em cada cidade.

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