CIDADANIA

PF retira expressão 'pai' e 'mãe' de passaportes

A reivindicação aparece em um dos artigos do Estatuto da Diversidade Sexual apresentado ao Congresso Nacional em 2011

Inaê Miranda
25/03/2017 às 10:12.
Atualizado em 22/04/2022 às 19:54

A substituição das expressões “pai” e “mãe” nos documentos oficiais de identificação é uma demanda antiga da população LGBTI — lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, travestis e intersexuais —, que garante o reconhecimento das novas constituições familiares pelas instituições. A reivindicação aparece em um dos artigos do Estatuto da Diversidade Sexual apresentado ao Congresso Nacional em 2011. Embora continue tramitando, algumas instituições avançaram implementando as mudanças, como é o caso da Polícia Federal (PF), que alterou os termos no formulário de solicitação de passaporte por genitor 1 e genitor 2 e incluiu a expressão “filiação” na caderneta. No próprio site, a polícia afirma que a mudança ocorre “em face da possibilidade de novas constituições familiares, inclusive para união homoafetiva”. Na versão mais antiga do Sistema Nacional de Passaporte (Sinpa), o formulário que se preenchia na internet possuía os campos: nome do pai e da mãe. Porém, na caderneta de passaporte, não constavam os nomes dos pais, pois no lugar havia uma barra de código bidimensional. Numa versão intermediária, foi retirada a barra bidimensional e foi inserido na caderneta de passaporte o campo de “Filiação”, contendo o nome do pai e o nome da mãe. Com a mudança que foi implementada em 23 de novembro de 2014, na versão 10.3.8 do Sinpa, o formulário preenchido na internet transformou os campos “nome do pai” e “nome da mãe” em “nome do genitor 1” e “nome do genitor 2”, incluindo também o campo sexo para cada genitor. Na caderneta de passaporte continua aparecendo apenas o campo “Filiação”. Além do reconhecimento da união homoafetiva, a Polícia Federal diz que a mudança visava satisfazer um anseio da sociedade, melhorando a vida dos viajantes nos postos de controle migratórios, assim como aumentar a qualidade do serviço prestado ao cidadão. A medida da Polícia Federal é considerada um avanço, mas as entidades e a comunidade LGBTI cobram a ampliação para os demais documentos de identificação, assim como a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional que institui o Estatuto. O anteprojeto foi entregue ao congresso por Maria Berenice Dias, presidente da Comissão Especial de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entidade autora da proposta. Advogado e militante, Paulo Tavares Mariante integrou a comissão especial da diversidade sexual da OAB Federal que se dedicou à elaboração do estatuto. Ele afirma que embora tenha relação com o direito de família, a questão está também relacionada com os direitos de personalidade, e o binarismo de gênero — masculino e feminino — ainda constitui um obstáculo para o reconhecimento de direitos. “Em 2011, o Supremo reconheceu a união entre pessoas do mesmo sexo e o Conselho Nacional de Justiça normatizou. Se a Corte Constitucional brasileira diz que não reconhece as uniões homoafetivas viola um direito fundamental, impedir que no registro conste os nomes dos dois pais ou das duas mães é uma violação. E o estatuto propõe exatamente como superação dessa visão binarista e autoritária a expressão filiação”, explica. O casal Helena Raquel Barbosa, de 48 anos, e Patrícia Mazim, de 43 anos, está junto há seis anos. Raquel tem uma filha do primeiro casamento e sua companheira tem dois filhos de outra relação. O caçula tem 8 anos, não tem contato com o pai biológico e reconhece Raquel como mãe. Helena, que é assessora parlamentar, diz que pensa em oficializar o registro do filho, mas afirma que a burocracia ainda é muito grande. “Ele tem o registro como filho dela (Patrícia) na certidão, mas não consta o nome do pai”. Sobre a medida adotada pela PF, ela afirma que “a partir do momento que isso é legalizado e constar numa documentação facilita muito a vida, inclusive o emocional. É uma medida que deve ser estendida para todos os documentos”, afirmou. Direitos são assegurados por Estatuto Além de combater a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero e criminalizar a homofobia, o Estatuto da Diversidade Sexual contém normas de natureza civil e penal que asseguram diversos direitos à população LGBTI. “A OAB fez encaminhamento, mas não teve andamento no congresso até pelo conservadorismo. No Brasil não tem uma lei que reconheça os direitos da população LGBT. A única norma que tem é o decreto da presidente Dilma, que reconhece o nome social das pessoas trans. Isso caracteriza, mais do que omissão, uma postura hostil, de negação de direitos”, diz Paulo Mariante. Segundo ele, advogados da entidade estudam denunciar o Estado pela omissão na Corte Interamericana de Direitos Humanos. “Se a Corte adotasse o procedimento de condenar o Estado brasileiro a adotar uma legislação, a população LGBTI teria 90% das demandas garantidas”, afirma. O documento pode ser acessado na íntegra no site http://www.estatutodiversidadesexual.com.br/. (IM/AAN)

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