IBGE, UNICAMP E MPT

Pesquisa sobre trabalho por aplicativo ajudará MPT a combater situações abusivas

Procuradora do MPT-Campinas acredita que dados vão ajudar a fundamentar o debate da relação entre colaboradores e plataformas digitais

Edimarcio A. Monteiro/ edimarcio.augusto@rac.com.br
27/10/2023 às 09:08.
Atualizado em 27/10/2023 às 09:08

Pouco mais de 77% trabalham sem qualquer vínculo empregatício, 61,3% têm ensino médio ou superior incompleto e quatro a cada cinco dos trabalhadores são homens (81,3%) (Rodrigo Zanotto)

A atuação de entregadores e motoristas por meio de aplicativos e plataformas digitais se dá em função da escassez de postos de trabalho e cria uma categoria que se sujeita a um modelo precarizado, caracterizado pelos baixos salários e sem direitos trabalhistas. Essa é a conclusão de uma radiografia inédita do setor feita em parceria pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com os dados oficiais, o MPT entende que a sua atuação na construção de políticas públicas para proteger os trabalhadores nessas atividades é facilitado.

O MPT já tem judicializado inúmeros casos contra as empresas, questionando a relação entre elas e os colaboradores. O órgão defende que há um controle das plataformas sobre os trabalhadores, o que configura subordinação, além da precarização, pois é preciso trabalhar muito para poder ganhar pouco. Entretanto, até a pesquisa ser feita, não havia dados oficiais que comprovassem as alegações do MPT. Agora, a radiografia do setor pode até mesmo fundamentar a discussão sobre a regulamentação ou não desse tipo de profissão, além de ser possível respaldar melhor os pedidos judiciais feitos pelo órgão.

"A pesquisa contribui sobremaneira para fomentar o debate público em torno da regulação do trabalho em plataformas digitais, inclusive do ponto de vista previdenciário, o que só é possível através de dados oficiais", opinou a procuradora Clarissa Ribeiro Schinestsck, do Ministério Público do Trabalho.

PESQUISA

O levantamento que traz os primeiros dados sobre o tema mostra que para conseguirem uma renda mensal que cubra suas necessidades, os entregadores e motoristas se sujeitam a jornadas diárias de trabalho que chegam a 14 horas. Essa é a situação que cerca de 81 mil trabalhadores em Campinas estão sujeitos. São 74,5 mil motoristas cadastrados pela Prefeitura para a prestação do serviço de transporte por aplicativos e outros 6,5 mil que atuam com motocicletas ou bicicletas, segundo dados da Associação dos Entregadores por Aplicativos. No país, o contingente chega a 2,1 milhões de pessoas, de acordo com a pesquisa, com os dados integrando a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad) Contínua.

O projeto aponta que o rendimento médio mensal fica entre R$ 1.994 e R$ 2.454. Além disso, 77,1% trabalham sem vínculo empregatício, 61,3% têm ensino médio ou superior incompleto e são predominantemente do sexo masculino (81,3% do total). “Essa é uma situação insustentável que vai trazer problemas para a sociedade em médio e longo prazo. Uma pessoa pode suportar 12, 14 horas por dia de trabalho por seis, oito anos, mas lá na frente vai começar a apresentar doenças”, afirmou o economista José Dari Krein, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) e professor do Instituto de Economia (IE) da Unicamp.

Ele liderou a radiografia ao lado de Ricardo Antunes, fundador e coordenador do Grupo de Pesquisa Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses (GPMT), sediado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), também da universidade. Para o economista, o mercado de aplicativo se consolidou “diante de um mercado de trabalho ruim, sem opções de emprego de melhor qualidade, mas os entregadores e motoristas estão em uma situação ainda pior”, levados pela possibilidade de um ganho imediato nominalmente um pouco maior.

Krein ressaltou que os entregadores e motoristas atuam sem o amparo de direitos trabalhistas, como férias e 13º salário, e benefícios concedidos a trabalhadores registrados, como vale-alimentação e cesta básica. Para o professor do IE, as empresas vendem a imagem que os prestadores de serviço são empreendedores, “mas é um emprego disfarçado. Eles não têm autonomia para discutir valores a serem pago, horário de trabalho e precisam ter o próprio instrumento de trabalho”.

SITUAÇÃO NAS RUAS

O estudo mostrou ainda que os entregadores e motoristas que atuam por meio de plataformas digitais, ganham, respectivamente, R$ 3,40 e R$ 1,90 a menos, por hora, em comparação aos que trabalham por conta. Essa situação levou o motociclista Adenilson Rodrigues da Silva, que está há 13 anos na atividade, a fazer convênio direto com empresas para entrega de documentos. “Não dá para trabalhar com aplicativo. Assim, ganho mais.”

Apesar de não ter carteira assinada e assumir todo o custo de manutenção da moto, o motociclista calcula que o que sobra é mais do que se trabalhasse com registro. “Eu não penso em mudar de trabalho”, completou.

O motoboy João Pedro faz dupla jornada, trabalhando de dia como mototaxista e à noite como entregador em um estabelecimento (Rodrigo Zanotto)

Já o motoboy João Pedro Moreira adotou o modelo híbrido por conta própria e atende por aplicativo para garantir uma renda maior. “Quando não aparece nenhum documento pelas empresas, eu ligo o aplicativo”, explicou. Marcelo Henrique Souza faz dupla jornada, trabalhando de dia como mototaxista e à noite como entregador em uma lanchonete. “Se for considerar o tempo que dedico à lanchonete, ganho mais lá”, comparou. A única folga durante a semana é na quarta-feira. Os outros dias são ocupados por duas atividades: trabalhar e dormir.

Ricardo Lombardozo deixou há dois anos o emprego de funcionário público concursado para se dedicar exclusivamente a trabalhar com entrega por aplicativo. “Eu ganhava R$ 2 mil por mês, agora tiro mais. Estou feliz porque trabalho para mim, não mais para os outros”, afirmou. Para ele, “agora dá para ter algum progresso”, referindo-se a dar uma condição de vida melhor para a família.

Para garantir alguns direitos mínimos, como uma futura aposentadoria e auxíliodoença em caso de acidente, ele se registrou como microempreendedor individual (MEI). A procuradora Clarissa, do MPT, reforçou que a pesquisa realizada sobre a atividade é uma contribuição para o debate público em torno da regulação do trabalho em plataformas digitais, inclusive do ponto de vista previdenciário.

“As estatísticas abrem a possibilidade de criação de políticas públicas efetivas e de planejamento sobre a atuação dos órgãos de defesa do trabalho decente, ao mesmo tempo que demonstram claramente a informalidade presente nesse tipo de trabalho”, afirmou. Ela considerou que a radiografia feita em parceria com a Unicamp e o IBGE mostra “a forte dependência dos trabalhadores em relação às plataformas, as jornadas mais extensas e o rendimento mais baixo quando comparado com o dos trabalhadores 'não plataformizados' do setor privado.”

Para o economista José Dari Krein, os resultados do estudo precisam ser analisados sob a perspectiva de um país em que 56 milhões de pessoas estão em busca de trabalho, ou na informalidade, e 71% do total ganham menos de dois salários-mínimos (R$ 2,64 mil). “Isso é fundamental para compreender que o trabalho por meio de plataformas digitais se insere e somente se viabiliza em uma realidade muito ruim, marcada por muitas limitações e pelo trabalho precário”, afirmou.

DISCUSSÃO

O Ministério do Trabalho e Emprego criou um grupo tripartite formado por representantes do governo, empresas de aplicativos e trabalhadores para apresentar uma proposta de consenso sobre ganhos mínimos, indenização pelo uso dos veículos, previdência, saúde dos prestadores de serviço e transparência da atividade. Inicialmente, a ideia era que uma proposta consensual fosse apresentada ainda neste mês, mas ela encontra resistência entre as plataformas digitais, com a maior delas chegando a ameaçar deixar de operar no país.

Para o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, se a empresa quiser sair, o “problema” é dela. Porém, ele não acredita nessa hipótese, explicando que o Brasil é o maior mercado desse aplicativo. “Os trabalhadores em momento de crise, como na pandemia (de covid-19), vislumbraram uma oportunidade de trabalho e renda através das plataformas digitais, mas hoje essa realidade se expressa em longas e exaustivas jornadas, baixa remuneração, arbitrariedades dos algoritmos e abusos diversos”, disse o ministro.

“Em resposta ao desafio de enquadrar esse tipo de trabalho na legislação trabalhista do Brasil, quero dizer que estamos muito perto de um acordo tripartite, para enviar ao parlamento brasileiro um projeto de lei que regulamenta o trabalho em plataformas digitais”, acrescentou Marinho. Na quarta-feira (25), ele participou, por videoconferência, de uma reunião com os ministros do Trabalho da Argentina (Raquel Cecilia Kismer de Olmos), Paraguai (Mónica Recalde de Giacomi) e Uruguai (Mónica Recalde de Giacomi) para tratar da igualdade de gênero, erradicação do trabalho infantil, trabalho forçado e a eliminação da informalidade no mundo do trabalho.

Os países fazem parte do Mercosul, grupo que equivale a 5ª maior economia do mundo e que soma uma população de aproximadamente 295 milhões de habitantes. Os ministros destacaram o potencial do uso da tecnologia em prol do desenvolvimento sustentável e do trabalho em condições dignas, salientando a importância do desenvolvimento sustentável da economia e bem-estar integral da sociedade.

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