PERFIL ESTADUAL

Pesquisa revela que mulheres estudam mais e ganham menos

Maioria da população paulista (51,3%), público feminino precisa lidar com desafios e tabus para acabar com a desigualdade em relação aos homens

Edimarcio A. Augusto Monteiro/ [email protected]
08/03/2024 às 09:07.
Atualizado em 08/03/2024 às 09:07
Uma em cada cinco mulheres do país vive em São Paulo e a idade média delas é de 39,1 anos; desde 2000, população feminina do Estado cresceu 22,48% (Rodrigo Zanotto)

Uma em cada cinco mulheres do país vive em São Paulo e a idade média delas é de 39,1 anos; desde 2000, população feminina do Estado cresceu 22,48% (Rodrigo Zanotto)

O número de mulheres no Estado de São Paulo aumentou 22,48% em 23 anos, chegando ao total de 23,1 milhões no ano passado. Ou seja, desde 2000, o contingente feminino cresceu em 4,24 milhões de pessoas, o que corresponde a 3,75 vezes toda a população de Campinas. É o que revela a pesquisa “Perfil da Mulher Paulista: Demografia, Escolaridade, Trabalho e Renda”, divulgada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), que mostra que elas são a maioria da população paulista (51,3%), têm nível de ensino superior ao dos homens, mas ganham menos. 

De acordo com o levantamento, uma em cada cinco mulheres do país vive em São Paulo e a idade média delas é de 39,1 anos. Apesar da alta participação no universo populacional, o rendimento por hora dos homens é de R$ 32,80, 16,46% a mais do que os R$ 27,40 pagos para elas, apontou o estudo que se baseou em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse recorte contrasta com o fato do percentual de mulheres que concluíram o ensino superior até o ano passado ser maior em todas as faixas etárias, com exceção das pessoas a partir de 65 anos, idade em que normalmente elas já deixaram ou estão em vias de sair do mercado de trabalho. A maior diferença está na faixa entre 25 e 34 anos, na qual 33% das mulheres conquistaram o diploma da faculdade, contra 26% dos homens. 

“Esse fato (a diferença salarial) ainda é resultado de uma perspectiva estrutural de desvalorização das mulheres, algo que se prolonga há seculos”, avaliou o chefe de Estudos de Indicadores Sociais da Seade, o economista Alexandre Loloian. Nas 20 cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC), essa discrepância ocorre já no processo da contratação. Das 31.003 novas vagas criadas em 2023, as mulheres ocuparam 18.268 postos, o equivalente a 58,92%, contra 12.736 preenchidas pelos homens (41,08%). Porém, o salário inicial deles foi de R$ 2.406,11, superior aos R$ 2.035,38 pago para elas, apontou o Mapa do Emprego do Observatório PUC-Campinas.

AÇÕES

“Nos últimos anos, as mulheres conquistaram alguns avanços e passaram a ocupar alguns nichos que eram exclusivamente de homens, mas ainda há muito o que avançar”, disse Alexandre Loloian. Para o pesquisador da Seade, garantir novas conquistas passa por mudanças no mundo corporativo, abrindo mais espaço para elas em cargos de chefia e diretoria, associadas ao aumento de políticas públicas, como construção de creches. São caminhos para amenizar as atuais desigualdades e dar a elas mais instrumentos para concorrer em proporções mais equivalentes.

O “Perfil da Mulher Paulista” mostra ainda que as mulheres pretas e pardas, que representam 40% da população feminina, são atingidas de forma mais contundente pela disparidade. Elas somam 9,24 milhões de pessoas e “estão abaixo de todos, do homem branco, da mulher branca e do homem negro”, afirmou a vice-presidente do Conselho da Comunidade Negra de Campinas, Marcela Reis. De acordo com a pesquisa da Seade, o rendimento por hora da negra é de R$ 15,70, inferior aos R$ 18,60 recebidos pelos homens negros, equivalente a 57,29% do que é pago para a branca e menos da metade do valor destinado ao branco (47,87%).

Além disso, a mulher negra enfrenta mais dificuldades para entrar no mercado de trabalho. O estudo revelou ainda que a taxa de desemprego da mulher negra em 2023 foi de 10,75%, contra 6,8% do negro, 6% da branca e 5,2% do branco. Outra barreira é o racismo e a necessidade de o tempo todo ter de provar a capacidade. “Você sofre preconceito o tempo todo. Já fui gerente financeira e a todo momento era questionada se havia garantia jurídica para estar a frente do processo de negociação”, explicou Marcela Reis, que se prepara para iniciar o curso de Direito e já que tem duas faculdades, Serviço Social e Gestão de Pessoas.

Ela atua hoje como analista financeira e também é conselheira do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (CMDM) de Campinas. “As mulheres, de uma forma geral, sofrem desigualdades, mas as mulheres com deficiências, moradoras da periferia e as asiáticas também estão entre as mais afetadas, não apenas as negras”, disse a diretora estadual do Instituto Proteja, a advogada Cláudia Camargo. 

SEXISMO

Trabalhando desde os 14 anos e formada em Administração de Empresa e Direito, Cláudia disse que sempre foi emancipada financeiramente, mas isso não a impediu de ser vítima de sexismo. “Eu e juízas já fomos desrespeitadas por advogados no tribunal”, recordou, mostrando que o preconceito independe da classe social e formação. Tanto Cláudia Camargo quanto Marcela Reis apostam na formação das próximas gerações para aumentar a empatia e formar uma sociedade mais igualitária, solidária e livre de preconceitos.

Elas desenvolvem trabalhos em escolas, levando os temas para discussão com crianças e adolescentes, além de atuar em outras frentes. A vice-presidente do Conselho da Comunidade Negra promove curso profissionalizante de trança para mulheres. A diretora do Proteja apontou que o empoderamento feminino passa também por cuidados com a saúde, conscientização sobre seus direitos, assistência social, psicológica e jurídica, iniciativas voltadas não apenas para o público feminino, mas também para o masculino, porque eles precisam entender e respeitá-las. 

Na quinta-feira à tarde, véspera do Dia Internacional das Mulheres, Cláudia deu uma palestra sobre saúde feminina para funcionárias e funcionários das Centrais de Abastecimento S.A. (Ceasa) de Campinas. A pesquisa da Seade revelou que mulheres buscam empreender para ter ou aumentar a renda e gerar empregos. Segundo o perfil, 1,71 milhão trabalham por conta própria, o que representa 37% dos que são os próprios patrões, e são 31% dos empregadores. Elas comandam 308 mil de 1 milhão de empresas que têm, pelo menos, dois empregos.

Ketty de Jesus começou a vender cosméticos de porta em porta para reforçar o que ganhava como professora de Educação Física, o que acabou se tornando sua principal atividade. “Em determinada época, passei a ganhar mais como vendedora, que era um trabalho paralelo, do que como professora”, contou. Nos cinco anos que passou como distribuidora, ela gerenciou cerca de sete mil revendedores, conheceu o marido e juntos fundaram uma rede de cosméticos 100% veganos. Atualmente, os sócios contam com mais de 130 unidades em todo Brasil, inclusive na Região Metropolitana de Campinas, além de atuaram com e-commerce e através da venda direta.

Aos 64 anos, Sônia Ramos teve de empreender quando o filho caçula perdeu o emprego e a família teve de encontrar uma maneira urgente de complementar a renda para fechar as contas do mês. Ela abriu uma loja de bolos. Catorze anos depois, o negócio prosperou e hoje tem aproximadamente 500 franquias em todo o país, tendo faturado R$ 410 milhões em 2022. Muitas unidades estão na RMC, quatro apenas em Campinas. “É preciso muito trabalho para ter sucesso. É preciso acreditar para ter sucesso!”, afirmou Sônia Ramos, passando a receita, não de bolo, para ter um negócio próprio. 

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