ESTUDO INÉDITO

Pesquisa investiga passado em peças arqueológicas indígenas

Unicamp e LNLS estudam ancestrais pré-históricos que viviam em Campinas

Bianca Velloso/ bianca.velloso@rac.com.br
18/04/2023 às 08:56.
Atualizado em 18/04/2023 às 08:56

Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS) em Campinas (Rodrigo Zanotto)

Pesquisadores investigam fragmentos de cerâmica indígena com o objetivo de compreender o acervo arqueológico de Campinas e construir o quebra-cabeça do passado da cidade. Este é um estudo inédito no Brasil, pois utilizou pela primeira vez radiação na análise de fragmentos arqueológicos. As investigações laboratoriais foram conduzidas por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS), em parceria com o Museu da Cidade, onde estão as peças. O trabalho foi realizado no complexo científico denominado Sirius, que é uma fonte de luz síncrotron brasileira, sediada em Campinas, por meio de um acelerador de partículas - um equipamento de grande porte que investiga a estrutura molecular e atômica de qualquer tipo de material - que pertence ao Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). Agora os pesquisadores estão analisando os dados para desvendar possíveis ligações entre os povos que habitaram a região de Campinas no passado.

A escolha desse tipo de material se deu porque as peças de cerâmica conservam suas características originais por longos períodos, por isso são objetos tradicionais nos estudos no campo da Arqueologia. O motivo de estudar esses objetos é tentar obter informações adicionais sobre a matéria-prima, com isso é possível desvendar o local de origem da argila e outros componentes utilizados na confecção. Essa parte de identificação dos elementos químicos ficou a cargo das análises laboratoriais.

A paleontóloga Flavia Callefo, pesquisadora do CNPEM responsável pelo apoio no uso das instalações do laboratório, explicou a metodologia. "Os fragmentos de cerâmica foram analisados quanto a sua composição elementar. Para isto, aplicamos a técnica de Fluorescência de Raios X, a qual gerou um mapa dos elementos de regiões escolhidas dos fragmentos. Também foi realizado o estudo do estado de oxidação do ferro contido tanto nas cerâmicas, quanto nos pigmentos". Flavia destacou que esse método não é destrutivo. "Como se tratam de amostras de valor inestimável, que são patrimônios históricos, culturais e naturais, elas não podem ser destruídas para serem estudadas".

"Com os resultados, queremos obter pistas sobre possíveis origens tanto das cerâmicas quanto dos pigmentos. Isto, por exemplo, daria respostas importantes sobre o modo de vida desses indígenas. Este foi um importante estudo preliminar nessas peças, que trouxe respostas fundamentais para delinear os próximos passos", finalizou.

As análises seguem em andamento, conforme explicou o professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, o arqueólogo e historiador Pedro Paulo Funari, que foi um dos coordenadores do estudo. "Agora, os planos são dar continuidade na análise dos dados obtidos pela análise laboratorial, em particular para verificar como a cerâmica pode indicar ligações entre os antigos habitantes, através de suas redes de comunicação, que iam da costa do Brasil aos Andes".

Pesquisadores estudam peças de cerâmica encontradas na cidade (Alessandro Torres)

A importância dessa pesquisa se sustenta em quatro aspectos. O primeiro, e já mencionado, é o ineditismo. O pesquisador também destacou que esse estudo tem caráter científico original, uma vez que une as diversas ciências (humanas, exatas e sociais), ou seja, uma pesquisa multidisciplinar. O terceiro ponto é o avanço para a Arqueologia brasileira, justamente por ser o primeiro estudo realizado dessa forma. Por fim, Funari enfatizou que os esforços da equipe levará à sociedade a importância da herança e presença dos antepassados, os indígenas. "Isso é muito importante, tendo em vista que, apenas reconhecendo e conhecendo a ancestralidade indígena, sua humanidade, podemos ter uma sociedade de convívio, não de destruição", disse.

O professor da Unicamp lembra que os indígenas, embora sejam parte da cultura brasileira e da genética, foram marginalizados e hostilizados. "Mesmo assim, aprendemos muito com a longa trajetória de mais de 10 mil anos deles".

Para a assessora técnica da coordenadoria da extensão cultural da Secretaria de Cultura, Adriana Barão, essa pesquisa é importante para aprofundar nas informações sobre o acervo arqueológico disponível no local. "É fundamental que o público em geral compreenda em primeiro momento que essa ação faz parte do trabalho em museus". Adriana assegurou que os resultados desses esforços de pesquisa serão mostrados em exposições para a população. "Para a cidade é interessante perceber, através dessa pesquisa, as várias camadas históricas e pré-históricas de ocupação do território que atualmente habitamos e conhecemos contemporaneamente como Região Metropolitana de Campinas", finalizou.

Idealizadora

A ideia desta investigação partiu de Sofia Rodrigues, que foi estudante da Unicamp e estagiou no Museu da Cidade de Campinas. Durante o período de estágio, ela ficou encarregada de fazer a documentação de um acervo que continha os fragmentos de cerâmica que pertenciam aos indígenas. Na época, o Museu estava celebrando 30 anos. Em uma das comemorações, os funcionários pensaram em expor essas peças, mas queriam fazer algo a mais. Nesse contexto, Sofia teve a ideia de fazer o estudo da composição dessas peças.

"Pensamos em datação de Carbono 14, só que é muito caro. Então me lembrei de uma vez que eu fui no Sirius, quando ele estava aberto para visitação. Liguei para o pessoal da linha Carnaúba e eles estavam superinteressados em trazer também quem estuda humanidades para lá e deu certo", comemorou Sofia, que agora faz mestrado na área de pré-história e Arqueologia.

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