CRISE CLIMÁTICA

Pesquisa indica que cidade deve ficar 2,5˚C mais quente até 2050

Resultado é inferior ao de regiões como Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, cuja elevação deve alcançar 6˚C, mas superior ao aquecimento que ocorrerá em cidades do Litoral Norte e da Baixada Santista

Edimarcio A. Monteiro/edimarcio.augusto@rac.com.br
31/07/2024 às 09:36.
Atualizado em 31/07/2024 às 09:36

Estiagem atual na Região Metropolitana de Campinas ainda é reflexo do fenômeno El Niño, marcado neste ano por um baixo volume de chuvas e temperaturas acima da média histórica (Kamá Ribeiro)

A temperatura na região de Campinas deve subir 2,5˚C até 2050, o dobro do registrado em um semelhante período de anos encerrado em 2022. A elevação em três décadas (2020 a 2050) foi projetada em estudo realizado por pesquisadores do Instituto Geológico (IG) e da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), divulgado pela Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC).

Ela é 2,08 vezes maior do que o aumento de 1,2ºC já constatado no avanço da média das temperaturas máximas registradas num período de 34 anos em outro estudo. Como reflexo das mudanças climáticas que afetam o planeta e causam aquecimento global, a média passou para 28,6ºC entre 1989 e 2022, de acordo com estudo divulgado em agosto passado por pesquisadores dos institutos de Biologia (IB) e Geociências (IG) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com base em dados coletados na estação meteorológica do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), no campus da instituição no distrito de Barão Geraldo.

“Os alertas sobre as mudanças climáticas começaram nos anos 1970 e muita gente não acreditou e ainda não acredita, mas elas estão aí, estão acontecendo”, disse a presidente da APqC, Helena Dutra Lutgens.

O novo estudo de avanço da temperatura foi feito considerando dois cenários, com projeções elaboradas a partir de quatro modelos climáticos e nove variáveis de temperatura do ar e chuva para calcular o desvio, com a diferença constatada entre essas duas referências comparadas à média histórica. A projeção até 2050 se baseia no comparativo dos dados coletados entre 1961 e 1990, considerando os maiores e os menores valores dos desvios.

O resultado mostra impacto maior no Norte paulista, com elevação de temperatura em até 6˚C nas regiões de Ribeirão Preto e São José do Rio Preto. O menor aquecimento, entre 0,5 e 1,5˚C, ocorrerá no Litoral Norte e Baixada Santista devido à influência do Oceano Atlântico. O estudo mostrou também que as ondas de calor podem ser extensas, indo de 25 dias por ano até mais de 150, em um cenário mais pessimista.

De acordo com a presidente da APqC, o principal reflexo da elevação da temperatura já ocorrida é no avanço da escassez hídrica. A afluência do Sistema Cantareira, principal fonte de água para a região de Campinas, caiu de 53 metros cúbicos por segundo (m³/s) entre 1980 e 1989, época em que atingiu o ápice, para menos da metade entre 2020 e 2023, 25 m³/s, de acordo com dados divulgados pela Sociedade de Abastecimento e Saneamento S.A. (Sanasa).

RACIONAMENTO

A prolongada estiagem ocorrida neste ano levou duas cidades da região, que enfrentam redução do nível das represas locais, a adotar medidas para reduzir o consumo de água. Vinhedo e Artur Nogueira adotaram racionamento, com rodízio no abastecimento.

Os problemas causados pela falta de chuvas no Estado fizeram o governo de São Paulo a lançar na segunda-feira (29) o Plano Estadual de Resiliência à Estiagem. A medida visa a estimular o consumo consciente de água, oferecer apoio aos municípios atingidos pela estiagem, integrá-los às políticas e aos programas estaduais de resiliência climática já em andamento, além de outras iniciativas.

No campo da prevenção, envolvem fornecimento aos municípios de equipamentos necessários de ações iniciais para combater incêndios florestais, aprimoramento das regras de preservação e consumo de água, reforço da fiscalização do uso dos recursos hídricos e elaboração de estudos para emprego de água de reúso na agricultura. O decreto de instituição do plano prevê a possibilidade de parcerias com prefeituras, consórcios municipais, entidades públicas e privadas, além de outros poderes e esferas de governo, para a efetivação de programas e ações preventivas e de resposta à estiagem.

As 20 cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC), onde residem 3,17 milhões de pessoas, enfrentam situação de seca severa, de acordo com relatório de impactos divulgado pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), unidade de pesquisa do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). A classificação indica imposição de restrições ou escassez de água, com possibilidade de perdas de cultura ou pastagens. O quadro é resultado do fenômeno El Niño, marcado neste ano por um baixo volume de chuvas e temperaturas altas, acima da média histórica.

De janeiro a julho de 2024, Campinas, por exemplo, registrou chuvas abaixo da média registrada entre 1990 e 2023, aponta levantamento feito pelo Cepagri. A situação mais crítica foi em junho, quando terminou o El Niño. Os pontos de monitoramento do órgão não registraram nenhuma chuva em junho de 2024, sendo a média histórica para o mês é de 41,3 milímetros (mm), o equivalente a 41,3 litros de água por metro quadrado. Já a média de temperatura no mês foi de 21,1˚C, contra 18,2˚C da série.

A passagem de uma frente fria causou ontem uma queda momentânea da temperatura na região. Em Campinas, a temperatura ficou entre 14ºC e 19˚C, com tempo nublado e uma chuva fraca, mas o calor volta a partir de hoje. De acordo com previsão do Cepagri, a mínima continuará na casa dos 14ºC até sábado, mas a máxima sobe para 27 graus já a partir desta quarta-feira.

OUTRAS CONSEQUÊNCIAS

Para a saúde humana, “a principal consequência do aumento da temperatura é o aumento na quantidade de insetos e doenças”, explica o médico especialista em alergia e imunologia Antônio Medeiros Nunes. O aumento da temperatura e maior grau de urbanização favorece, por exemplo, a proliferação do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, zika e chikungunya. A mudança do clima também impacta na maior incidência de alergias respiratórias e crises de asma a partir da liberação de aeroalérgenos, como o pólen, ácaros e poeira.

Campinas registrou neste ano o recorde de casos de dengue e de mortes de doença. Foram registrados, até ontem, 115.523 pacientes e 48 óbitos, de acordo com o Painel Interativo de Arboviroses da Secretaria Municipal de Saúde. A maior marca anterior foi verificada em 2015, com 65.754 pessoas com dengue e 22 mortes. Para a presidente da APqC, é preciso adotar políticas públicas para reduzir a velocidade do aumento da temperatura. Helena Lutgens considerou necessário reduzir as emissões de gases de efeito estufa, preservar as matas naturais, aumentar as matas ciliares e adotar medidas para adoção de sistemas agroflorestais, o cultivo comercial em consórcio com a preservação ambiental. Ela acredita as ações devem ser definidas com base em estudos científicos, mas critica o esvaziamento dos órgãos públicos paulistas nessa área. A presidente da APqC afirma ter ocorrido nas últimas décadas uma queda no número de pesquisadores e funcionários, sem a realização de concurso público para reposição, e redução das verbas.

O Instituto Geológico, autor do estudo, foi extinto e fundido com outros dois, o Florestal e o de Botânica, no Instituto de Pesquisa Ambiental, mas sem mudança na estrutura disponível e na disponibilização de recursos financeiros. “É urgente fortalecer o sistema paulista de pesquisa e tecnologia, e isso exige investimentos financeiros e em recursos humanos”, defendeu Helena Lutgens.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Anuncie
(19) 3736-3085
comercial@rac.com.br
Fale Conosco
(19) 3772-8000
Central do Assinante
(19) 3736-3200
WhatsApp
(19) 9 9998-9902
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por