AVANÇO TECNOLÓGICO

Pesquisa da Unicamp usa Inteligência Artificial para identificar risco de infarto

Método utiliza imagens produzidas por aparelho de ultrassom para reconhecer placas de gorduras nas artérias carótidas que podem levar ao ataque cardíaco

Edimarcio A. Monteiro/ [email protected]
05/01/2024 às 09:00.
Atualizado em 05/01/2024 às 09:00
O cardiologista Andrei Sposito, coordenador do estudo: novo método é mais barato, mais eficaz e menos invasivo se comparado às técnicas convencionais; segundo o Ministério da Saúde, o infarto causa cerca de 400 mil mortes por ano no Brasil (Alessandro Torres)

O cardiologista Andrei Sposito, coordenador do estudo: novo método é mais barato, mais eficaz e menos invasivo se comparado às técnicas convencionais; segundo o Ministério da Saúde, o infarto causa cerca de 400 mil mortes por ano no Brasil (Alessandro Torres)

Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveram procedimento inédito que usa a inteligência artificial (IA), capacidade de dispositivos eletrônicos de funcionar de maneira semelhante ao pensamento humano, para identificar risco de infarto, a principal causa de mortes no país e no mundo. O novo método associa um computador com uma programação baseada em algoritmos (conjunto de instruções e regras que um software possui para executar funções) a um aparelho de ultrassom para reconhecer a formação de placas de gordura nas carótidas (artérias que levam sangue e nutrientes ao cérebro) que podem levar ao ataque cardíaco.

Segundo o Ministério da Saúde, o infarto causa cerca de 400 mil mortes por ano no Brasil, número equivalente à soma da população de duas das maiores cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC): Sumaré e Hortolândia. Entre janeiro e setembro de 2023, foram 280.330 óbitos, de acordo com estimativa do "Cardiômetro", da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). A nova metodologia desenvolvida por pesquisadores da área de cardiologia do Hospital de Clínicas (HC) e da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp mede a espessura da camada íntima da carótida e o risco do desenvolvimento de arterosclerose, o que leva ao infarto do miocárdio. A arterosclerose é o entupimento da veia por gordura, o que bloqueia a passagem do sangue e causa o ataque cardíaco.

O novo método é "mais barato, mais eficaz e não é invasivo" quando comparado aos procedimentos convencionais, disse o médico cardiologista Andrei Sposito, orientador do estudo feito com 224 pacientes com diabetes tipo 2, que teve o resultado publicado na revista científica Nutrion, Metabolims and Cardiovascular Diseases, do grupo Nature. Esse é o segundo estudo realizado que levou ao desenvolvimento da metodologia do novo exame. O primeiro foi feito com pacientes com hipertensão (pressão alta), que, junto com a diabetes, está entre as principais causas do infarto. As outras são tabagismo, colesterol alto (gordura), obesidade, estresse e depressão.

CUSTO

A medida ultrassonográfica da soma da espessura das camadas íntima e média das artérias carótidas, localizadas no pescoço, foi uma técnica usada durante muito tempo pelos cardiologistas para avaliação da arterosclerose, mas ela acabou sendo considerada inconsistente para a previsão do risco cardiovascular. Isso porque o ultrassom tradicional não tem capacidade de identificar apenas o que acontece na camada íntima da artéria. O software que usa a inteligência artificial criado pelos pesquisadores da Unicamp faz justamente a leitura do que ocorre nessa parte, refinando assim o diagnóstico.

"A camada íntima é o local aonde o colesterol LDL vai se acumulando e formando a placa de gordura que leva à arterosclerose. Com o tempo, isso causa o entupimento das coronárias", explicou Sposito, orientador do estudo. O LDL é uma lipoproteína de baixa densidade, popularmente denominada "colesterol ruim". Em altas taxas, essa lipoproteína está relacionada com a aterosclerose, que pode levar ao infarto, AVC ou à morte súbita.

A pesquisa feita pela universidade teve também a colaboração do coordenador do serviço de ecocardiografia do HC, José Roberto Matos Souza. Participaram, ainda, os cardiologistas e professores da FCM Wilson Nadrus Júnior e Otavio Rizzi Coelho Filho; Rangel Arthur, da Faculdade de Tecnologia (FT), criador do software; e Alexandre Gonçalves da Silva, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

A Unicamp já entrou com o depósito de patente do novo programa de computador junto ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). A tecnologia está disponível para ser licenciada pela Agência de Inovação (Inova) da universidade para laboratórios, fabricantes de equipamentos médicos, hospitais, Sistema Único de Saúde (SUS) e outros possíveis interessados.

O programa de computador usa a IA para identificar as alterações na espessura da camada íntima da carótida com base nas imagens comuns de ultrassom, com o resultado ficando pronto em 15 minutos. De acordo com Sposito, outra vantagem da nova metodologia é que o exame pode ser realizado em qualquer consultório do país com o equipamento normal existente, com as imagens sendo transmitidas online para central equipada com um computador mais robusto para rodar o software e o processar as imagens, que são arquivos pesados, o que reduz os custos para a implantação.

Um aparelho de ultrassom custa em torno de R$ 100 mil, enquanto o de tomografia computadorizada usado para fazer angiotomografia coronariana, considerado hoje o exame mais eficiente para prevenir infarto, custa entre R$ 1,5 milhão e R$ 3 milhões. Esse equipamento passou a ser utilizado a partir de 2019, seguindo as diretrizes europeias, com a angiotomografia exigindo que o paciente faça uso de contraste. Esse exame não está disponível no SUS.

O preço do exame varia de acordo com o laboratório e método utilizado, mas na rede particular é entre R$ 600 e R$ 1,6 mil, enquanto o de ultrassom custa no máximo R$ 200, sem contar que o equipamento também está disponível na rede pública. A nova metodologia criada pela Unicamp permite a prevenção imediata do infarto, através de cuidados médicos, uso de medicamentos quando necessário, alteração na dieta e realização de atividades físicas.

De acordo com Andrei Sposito, a intervenção preventiva resultará em uma economia em escala na rede de saúde, reduzindo os casos de emergência, necessidade de cirurgia e uso de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), sem contar o impacto positivo na economia, ao diminuir os afastamentos do trabalho, e aumentar as chances de vida do paciente. "Cerca de 40% das pessoas que sofrem infarto não chegam vivas ao pronto-socorro", explicou o cardiologista.

QUALIDADE DE VIDA

A prevenção resulta também na melhora da qualidade de vida dos pacientes, pois o infarto pode deixar sequelas graves, como insuficiência cardíaca e arritmia, além de exigir mudanças radicais nos hábitos alimentares. O aposentado Laércio de Carvalho, de 65 anos, chegou na quinta-feira (4) ao HC da Unicamp, onde foi buscar exames, com a pressão arterial 25 por 12, quando o normal é 10/6 ou 12/8. É um quadro a partir do qual pode sofrer ataque cardíaco ou acidente vascular cerebral (AVC) a qualquer momento.

"O meu pai e os meus irmãos morreram de infarto e posso seguir pelo mesmo caminho se não me cuidar", admitiu. Ele toma medicamentos para controlar a hipertensão há 20 anos, mesmo assim perdeu totalmente a visão do olho esquerdo e tem 10% do direito. No Natal, o seu almoço foi um pãozinho e salada regada apenas com um pouco de limão, após acordar passando mal, com dor de cabeça e náuseas. "Eu sei o que posso comer", disse ele, que não se alimenta fora de casa, nem mesmo na casa de amigos ou parentes, e cortou totalmente a bebida alcoólica e o cigarro.

A dona de casa Margarete Aparecida Leite de Oliveira, que já sofreu infarto, leva uma vida na base de medicamentos e limitações alimentações e físicas, sofrendo arritmia constantemente. "O doutor disse tudo o que eu posso fazer. Bebida alcoólica, nem pensar", afirmou ela.

A ocorrência do infarto está mais associada a idosos ou portadores de diabetes ou hipertensão, que têm de duas a quatro vezes mais chances de sofrer um ataque cardíaco. Porém, um estudo divulgado em setembro passado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia revelou que o Brasil teve aumento de 62% nas mortes de mulheres de 15 a 49 anos por essa causa de 1990 para 2019. Na faixa etária de 50 a 69 anos, o número quase triplicou, com alta de aproximadamente 176%.

Entre os motivos, segundo a entidade médica, estão as mudanças no estilo de vida, que levaram a mais sedentarismo, estresse e outros fatores de risco. Gláucia Maria Moraes de Oliveira, do Departamento de Cardiologia da Mulher da SBC, alertou que as mulheres merecem atenção especial, porque a falta de conhecimento dos sintomas por parte delas faz com que procurem um médico tardiamente e, consequentemente, tenham um pior desfecho. Isso porque elas podem ter sintomas diferentes dos apresentados pelos homens, que geralmente sentem dor intensa no peito. As mulheres, porém, podem ter apenas cansaço extremo ou sinais semelhantes a uma crise de ansiedade.

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