ESTUDO

Pesquisa da Unicamp investiga plantas germinadas sem sementes

Pedaço do vegetal é depositado em uma solução com nutrientes e hormônios

Bianca Velloso/ bianca.velloso@rac.com.br
28/06/2023 às 09:09.
Atualizado em 28/06/2023 às 09:09

Coordenador do estudo, professor Marco Aurélio Zezzi Arruda, do Departamento de Química Analítica do IQ da Unicamp, explicou que a solução é composta por nutrientes e hormônios (Alessandro Torres)

Pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), investigam a germinação de plantas sem a necessidade de uma semente , utilizando somente fragmentos, que podem ser originários do caule ou folhas e uma solução de nutrientes. O trabalho pioneiro visa melhorar as características de uma planta, como resistir a períodos de seca, e ampliar os valores nutricionais por meio da aplicação de nanopartículas de elementos químicos. Os pesquisadores dizem que apesar dessas modificações, o vegetal obtido no estudo é idêntico ao comum, também possui sementes e gera frutos. O objetivo do estudo não é substituir os métodos convencionais de semeadura.

A pesquisa está inserida no campo da nanobiotecnologia, que é o estudo da engenharia genética, biologia molecular e nanopartículas (que possuem medidas inferiores a 100 bilionésimo de metro). Para realizar esse processo, os pesquisadores retiraram um pequeno pedaço da planta-mãe, uma espécie comum, ou seja, foi gerada a partir de uma semente e cultivada na terra, utilizando os métodos convencionais. Essa porção recebe o nome de explante e é depositada em uma solução com nutrientes e hormônios. Nesse meio de nutrientes, após cerca de 30 dias, é gerado o chamado calo, que é um amontoado de células-tronco. Os calos são levados para outro recipiente com uma nova solução de nutrientes e hormônios e, finalmente, ocorre a germinação. Na sequência, a planta pode ser transferida para a terra e seguir com o ciclo de vida de uma espécie convencional. Esse processo leva em média seis meses para ser concluído.

Além da perspectiva de melhorar os valores nutricionais, essa técnica pode auxiliar locais que sofreram desastres ambientais e possibilitar que a vegetação seja recuperada, pois utiliza fragmentos para gerar uma planta e não demanda sementes.

O coordenador do estudo, professor Marco Aurélio Zezzi Arruda, do Departamento de Química Analítica do IQ da Unicamp, explicou que a solução é composta por nutrientes e hormônios. “O pulo do gato são os hormônios e as concentrações que a gente coloca. São hormônios de crescimento. Eles servem justamente para fazer com que esse conjunto de calos, ou seja, de células, acabe se transformando em uma planta”.

Zezzi disse que o objetivo da pesquisa não é modificar a estrutura da agricultura atual. “A gente não quer substituir as sementes. O estudo busca guardar uma característica. Por exemplo, preparar uma planta com uma característica adequada, como aguentar o estresse hídrico. A partir disso, a planta pode ser propagada com a semente que ela gera. Quando a gente fala desses calos, é um processo que a gente está querendo melhorar a qualidade dessa planta dentro dos laboratórios, através do cultivo in vitro, e depois colocar isso no campo”, disse o docente que realiza pesquisas com soja, por essa razão o estudo começou com essa leguminosa, mas pode ser aplicado em outras espécies vegetais.

A diferença entre a planta gerada pelo método de germinação sem semente e a planta comum é que o vegetal desenvolvido no laboratório pode ter características modificadas e, eventualmente, ser mais nutritivo. “Queremos assegurar que podemos ter uma qualidade de planta ainda melhor”, explicou o professor.

“O que a gente gostaria de começar a entender é esse mecanismo, quando eu adiciono uma nanopartícula no solo ou em um meio de cultivo, qual o impacto? Ela vai produzir coisa boa ou coisa ruim? A gente precisa avaliar com muito cuidado, que tipo e para que ela vai servir.

O objetivo é trabalhar dentro da agricultura 4.0. Ou seja, onde há muito mais tecnologia e muito mais ciência aplicada ao campo”.

O professor Zezzi revelou que o grupo testou a aplicação da nanopartícula de silício. “O que a gente notou ao aplicar o silício foi que a captação de nutriente é melhor do que se não tivesse aplicado a nanopartícula de silício”.

Ele destacou que os resultados são promissores, mas é preciso da aplicação prática para concluir essa avaliação. “A gente precisa de tempo e espaço para cultivar as plantas, para ter certeza do que estamos falando. Mas, em laboratório, o que estamos percebendo é isso. É óbvio que às vezes no laboratório acontece alguma coisa e quando você coloca na terra a reação da planta ao meio pode ser diferente. Então é isso que a gente precisa avaliar a partir de agora. Mas existem perspectivas bastante interessantes nesse aspecto. É uma linha de estudo”, disse o professor indicando que os estudos na área estão em fase inicial.

Pedaço da planta é depositado em solução com nutrientes e hormônios; após cerca de 30 dias é gerado o calo, que é um amontoado de células-tronco (Alessandro Torres)

Uma das avaliações é a utilização da nanopartícula de prata. A pós-doutoranda Ana Beatriz Santos da Silva explicou esse processo. “Vai chegar um momento que, como é um ambiente controlado, você vai ter uma limitação de nutriente. Assim, o calo não conseguirá captar mais nutrientes e começará a oxidar e ficará na cor amarronzada. Quando oxida você perde. Para não oxidar, a gente tem que fazer a troca entre vinte a trinta dias. Mas o que a gente observou, quando aplica a nanopartícula de prata, ela evita que ocorra essa oxidação. Ao invés de trocar a cada trinta dias, eu consigo estender esse período para quarenta e cinco a sessenta dias. Então dobra praticamente o tempo. O que representa redução de custo e mão de obra” , constatou a graduada em química industrial.

Ana contou que uma das maiores descobertas deste estudo foi a observação da interação da prata. “O grande ápice da linha de pesquisa foi observar esse efeito da nanopartícula de prata. O que foi mais interessante foi que a nanopartícula de prata não teve efeito negativo no calo de forma nutricional”. A Unicamp dispõe de equipamentos que permitem essa avaliação celular, assim os pesquisadores conseguem avaliar o efeito de cada nanopartícula no objeto de estudo.

A outra pós-doutoranda que trabalha nessa pesquisa é Lilian Seiko Kato, graduada em Ciência dos Alimentos. Ela se encarrega do estudo das nanopartículas. “Estudando, a gente observou que essas nanopartículas adentram a parede celular, entram na estrutura celular da planta e causa um estresse. A planta vê que tem algo que ela precisa se defender. E acaba produzindo metabólitos”. Esses metabólitos são compostos necessários no desenvolvimento do vegetal, como proteínas e clorofila.

O uso de nanopartículas no campo ainda não é regulamentado, segundo reiterou o professor Marco Aurélio Zezzi Arruda. “Hoje não há regulamentação em relação à aplicação de nanopartículas no campo. Não tem absolutamente nada. O que se tem são alguns embriões de avaliações e algumas parcelas. Existe muita pesquisa. Na realidade o desenvolvimento dessa parte de normas, ela segue um outro ritmo em relação a esses desenvolvimentos científicos. É muito difícil na realidade. Eu entendo. Você tem que comprovar que não vai fazer mal para as pessoas, não vai trazer dano. Isso tem que ser regulamentado. Eu entendo que existe um descompasso entre a questão legal e a questão de desenvolvimento científico. Em um determinado momento, essas duas curvas tem que se encontrar para que a gente possa aplicar efetivamente no campo e levar para a escala industrial”.

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