PARCERIA INTERNACIONAL

Pesquisa com uso do Sirius gera esperança de tratamento para doenças fatais em mamíferos

Trabalho desenvolvido por pesquisadores brasileiros e alemães avança no entendimento da ‘vaca louca’ e outros distúrbios do sistema nervoso central

Edimarcio A. Monteiro/ edimarcio.augusto@rac.com.br
05/03/2024 às 08:26.
Atualizado em 05/03/2024 às 08:26

Utilizando a linha de luz Cateretê do Sirius, trabalho mostrou pela primeira vez que a transição da proteína príon do estado líquido para o sólido abre caminho para melhorar a compreensão sobre diversas doenças (Alessandro Torres)

Uma pesquisa internacional que utilizou a linha de luz Cateretê, do Sirius, instalado em Campinas, deu pistas para entender e desenvolver tratamento para doenças priônicas, como são chamadas os distúrbios encefálicos degenerativos que afetam os mamíferos, que hoje são fatais. A mais comum é a encefalopatia espongiforme bovina (EBB), popularmente conhecida como doença da vaca louca, que causa grandes prejuízos para a pecuária mundial e tem uma variante humana conhecida como doença de Creutzfeldt-Jakob. As descobertas, publicadas na revista científica Science Advances, foram feitas com o uso de técnicas biofísicas avançadas, incluindo espectroscopia de raios-X de correlação de fótons usando a nova fonte de luz síncrotron, do Sirius, que faz parte do Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM).

O trabalho desenvolvido por pesquisadores brasileiros e alemães conseguiu mostrar, pela primeira vez, que a transição do estado líquido para o sólido da proteína conhecida como príon, que tem a capacidade de infectar diferentes animais, abre caminho para melhorar a compreensão sobre a doença da vaca louca e outros distúrbios do sistema nervoso central. “Esta é uma área bastante promissora porque oferece novas oportunidades para tratamento. Nós não sabíamos que havia esse intermediário entre a forma solúvel e a forma agregada de proteínas. E essas gotículas líquidas podem ser bons alvos farmacológicos, já a forma agregada não. Se conseguirmos manter a forma líquida dessas gotículas, talvez possamos impedir a progressão dessas doenças neurodegenerativas”, explicou Mariana Juliani do Amaral, principal autora do artigo e que recentemente concluiu doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ela é precursora na América Latina nos estudos dos chamados condensados proteicos, além de participar de diversos trabalhos sobre separação de fase líquido de biomoléculas. O estudo é assinado por nove pesquisadores, incluindo a professora alemã Susanne Wegmann, do Centro Alemão de Doenças Neurodegenerativas (DZNE, sigla em inglês para German Center for Neurodegenerative Diseases). A príon normal, cientificamente chamada de PrPC, não causa problemas para o ser humano, mas se torna um agente infeccioso quando sua estrutura é alterada para forma sólida, conhecida como PsPSC. Esse processo em cadeia causa danos neurológicos significativos e fatais.

IMPACTO

“Observou-se que camundongos ou vacas que não produzem príons são resistentes à infecção por príons com forma aberrante, corroborando para a hipótese de que este é o mecanismo por trás das transmissões de doenças priônicas”, explicou a pesquisadora Yraima Moura Lopes Cordeiro, também autora da pesquisa e professora do Departamento de Biotecnologia Farmacêutica, na Faculdade de Farmácia da UFRJ. O uso da luz síncrotron proporcionou a análise dos condensados intracelulares, com o Sirius permitindo o estudo da dinâmica em escala micrométrica, fornecendo informações quantitativas da fase condensada e da forma líquida ou gel da gotícula da proteína.

As doenças priônicas podem ser esporádicas, hereditárias e também transmissíveis. Elas ocorrem por mutações nos genes que codificam a PrPC, tornando-a suscetível a alterações estruturais. Um dos distúrbios causados por transmissão é a doença da vaca louca, que atinge o ser humano ao ingerir a carne de um animal doente. Esse mal foi diagnosticado pela primeira vez em 1986, no Reino Unido, e afeta a pecuária em vários países. 

Em fevereiro de 2023, a China, principal importadora de carne brasileira, suspendeu temporariamente as compras do produto de origem bovina após a confirmação de um caso isolado da doença no Pará. O país asiático importa em torno de 1,1 milhão de toneladas de carne de boi por ano do Brasil, negócio estimado em US$ 7,5 bilhões (R$ 37,1 bilhões). A suspensão das compras durou um mês, gerando um prejuízo de US$ 625 milhões (R$ 3 bilhões).

O último caso da variante em seres humanos no Brasil foi diagnosticado há dez anos. Entre os anos de 2005 a 2014, foram notificados, no país, 603 casos suspeitos da doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ), dos quais 55 foram confirmados, 52 descartados, 92 indefinidos e 404 tiveram a classificação final ignorada, de acordo com a Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde. Ela faz parte da lista das doenças de notificação compulsória.

Atualmente, não há tratamento da doença em humanos e animais, com os casos sendo fatais. Ela causa dificuldade de locomoção, postura anormal, perda de peso, mudanças de comportamento, tremores e hipersensibilidade a estímulos externos. O diagnóstico é feito com base nos sinais clínicos, que somente se manifestam muito tempo depois da incubação. A confirmação desse distúrbio encefálico degenerativo somente pode ser realizada durante a autópsia.

ACORDO COM HOSPITAL

O CNPEM firmou uma colaboração científica com a Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, de São Paulo, para pesquisa, ensino e inovação em diversos temas na área biomédica, como engenharia de tecidos, estudo de vírus emergentes e terapia gênica. A ação em conjunto envolverá intercâmbio de pesquisadores e utilização de equipamentos e infraestrutura, com expectativa de avançar estudos em andamento e iniciar novos projetos capazes de impactar a saúde do Brasil e do mundo. 

“Essa construção representa um marco na pesquisa biomédica. A união dos nossos avançados recursos tecnológicos, como o Sirius, fonte de luz síncrotron de última geração, com a expertise clínica e de pesquisa biomédica do Einstein abre caminhos promissores para novas descobertas, como no estudo de doenças genéticas, vírus emergentes e testes de novos medicamentos”, afirmou o diretor-geral do centro de pesquisa instalado em Campinas, Antonio José Roque da Silva.

“Estamos unindo forças com o CNPEM para ir além dos limites tradicionais da pesquisa biomédica.”, disse o vice-presidente do Einstein, Fernando Bacal, que acaba de ser eleito o 28º melhor hospital do mundo, de acordo com ranking da revista norte-americana Newsweek.

“A colaboração entre as duas organizações, que são referências nacionais e internacionais em suas áreas de atuação, permitirá aperfeiçoar o treinamento da próxima geração de cientistas e de profissionais de saúde”, completou. Entre os projetos em curso, na área de terapia gênica, o CNPEM estuda meios para tratar a mucopolissacaridose tipo 1, doença genética rara que provoca acúmulo de substâncias nos tecidos e afeta múltiplos órgãos, tirando décadas de vida. 

O Einstein está construindo estratégias de tratamento para doenças genéticas, como a anemia falciforme, causada por uma alteração nos glóbulos vermelhos do sangue e que afeta gravemente dezenas de milhares de pessoas no Brasil. A colaboração científica envolverá também a ampliação da capacidade de detecção de doenças causadas por vírus, como a covid-19 e dengue, em um contexto em que o país atravessa uma nova epidemia dessa última doença, com mais de 1 milhão de casos registrados apenas em 2024.

A primeira detecção no país do Sars-CoV-2, causador da covid, aconteceu no Einstein. Nos laboratórios do hospital também foi identificado recentemente um novo tipo de arenavírus, responsável por casos de febre hemorrágica em humanos. Já o CNPEM desenvolve o projeto para criar o Orion, que deve ser o primeiro complexo de laboratórios com os mais elevados níveis de biossegurança do país e o primeiro do mundo conectado a uma fonte de luz síncrotron. Na nova unidade a ser construída em Campinas poderão ser estudados, de forma inédita, organismos altamente contagiosos. Além do Sirius, o centro de pesquisa tem laboratórios de biociências, biorrenováveis e nanotecnologia.

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