ENTREVISTA

Peri Chaib: 87 anos de devoção ao futebol, Gazeta e Ponte Preta

Uma das figuras mais marcantes do esporte de Campinas revela que sonha com alguém para "tomar conta" do clube que ajudou a fundar

Elias Aredes; Manuel Alves Filho
06/07/2025 às 09:23.
Atualizado em 06/07/2025 às 11:23
Presidente da Ponte Preta entre 1994 e 1995, Pedro Antonio Chaib discursa durante uma reunião do Conselho Deliberativo do clube; Peri revelou que nunca perdeu um jogo de Dérbi no Moisés Lucarelli, casa da Macaca (Pesquisa William Ferreira/Cedoc)

Presidente da Ponte Preta entre 1994 e 1995, Pedro Antonio Chaib discursa durante uma reunião do Conselho Deliberativo do clube; Peri revelou que nunca perdeu um jogo de Dérbi no Moisés Lucarelli, casa da Macaca (Pesquisa William Ferreira/Cedoc)

O advogado Pedro Antonio Chaib, o Peri, tem uma trajetória de vida que se confunde com a história da Ponte Preta, mas também do Esporte Clube Gazeta, instituição pela qual ele deu o sangue. O ex-diretor e ex-presidente da Ponte fez uma declaração de amor à instituição, que criou com outros sete torcedores da Macaca e que foi responsável por inúmeras alegrias em sua vida.

Peri Chaib foi convidado pelo Correio Popular e discorreu sobre sua ligação com o futebol. Aos 87 anos, ele não descreveu somente aquilo que presenciou nas ruas e nos estádios de Campinas. Sua memória alcança personalidades históricas do esporte de Campinas, como Otacílio Pires de Camargo, o Cilinho, e seu irmão, Tufik, mentor de muitas pessoas que viveram e amaram a Gazeta e a cidade de Campinas.

Leia, a seguir, os principais trechos da conversa com Peri Chaib.

Peri, o senhor é uma memória viva da cidade de Campinas. Como era a cidade nas décadas de 1940 e 1950?

Eu estudei no Grupo Orosimbo Maia, nome de um ex-prefeito de Campinas. Nasci em Santo Antônio de Posse, mas a minha família já morava em Campinas. Nós tínhamos uma propriedade rural lá, ainda temos. Quando eu estava no último ano, eu brinquei com a turma na formatura dizendo que não tinha passado de ano. Não entregaram diploma para mim no Orosimbo Maia. Eles receberam a ordem do prefeito de entregar para o primeiro aluno de cada escola no Grupo Francisco Glicério. Eu fui o melhor aluno do Grupo Orosimbo Maia. A melhor colocação, nota 10, nota 100. Depois eu fui fazer vestibular no Culto à Ciência. Naquele tempo, no ginásio do estado, o exame de admissão não era o vestibular. O exame de admissão era para mais de mil pessoas. Eu entrei em segundo lugar, um bom desempenho. No Culto à Ciência, eu encontrei o melhor aluno da classe, o Sérgio Castanho, que escreve no Correio. Na primeira, segunda, terceira, quarta série, só dava o Sérgio Castanho.

O senhor já tinha contato com a rivalidade entre Ponte Preta e Guarani naquela época?

Existia uma rivalidade muito grande. Maior do que agora. Por quê? Eu participei da construção do Campo da Ponte Preta (Estádio Moisés Lucarelli). Uma molecada da rua pegava rabeira de caminhão no Largo do Rosário, caminhão que levava tijolo, areia, cimento. Eu fui nessa. Ali no campo, eu achei que eu poderia ajudar ao carregar tijolo e fazer alguma coisa. Eu ajudei. Um dia o time do ginásio do estado jogou no Guarani e eu fui lá jogar para o time do ginásio. Eu era zagueiro central. Joguei bem e fui convidado para jogar pelo Guarani por três, quatro, cinco, seis jogos. Então eu (pensei): estou jogando no Guarani, mas eu sou pontepretano. Vou agir com a cabeça. Se eu joguei contra o Guarani e fui convidado, eu vou fazer o meu Gazeta, ali na minha rua, jogar contra a Ponte Preta. Fizemos um jogo e eu levei o Pelé, o Fifi, que vivia no Guarani. O jogo empatou, um a um. O Fifi fez o gol do Gazeta. Eu joguei de zagueiro central, o Ernesto Belucci, da Ponte, que me pôs de centroavante. Terminada a partida, o Ernesto foi em cima do Fifi. Falei assim: “Ernesto, Fifi já está comprometido com o Guarani”. O Ernesto era meio despachado. Ele falou: “Turco, então vem você para a Ponte Preta”. Eu entrei no vestiário, esfuziante de alegria. Eu arrumei o jogo para ser convidado e eu fui.

Então o Gazeta já existia naquela época?

Estava começando. Eu joguei aquele jogo (contra a Ponte Preta). O Zaiman jogou. Ele era fundador do Gazeta. Eu entrei no vestiário (após o jogo contra a Ponte Preta) naquela alegria toda. O meu goleiro não jogou no profissional da Ponte Preta porque se formou em Medicina, o Paulo Tubino. O lateraldireito, Vieira, também foi convidado. Ele era filho do presidente que fundou a Ponte (Pedro Vieira da Silva). Eu tinha de 11 para 12 anos e disse que só fui convidado porque eu seria no futuro presidente da Ponte Preta. Eu lembrei dessa história quando eu era presidente e o Vieira levou a esposa (para me visitar). Ele falou: “Olha o Turco. Quando o Gazeta jogou aqui, ele falou que seria presidente. E hoje ele é o presidente da Ponte”. (Pedro Antonio Chaib, o Peri Chaib foi presidente da Ponte Preta entre 1994 e 1995).

A Campinas daquela época, eu tenho saudades. Não é a Campinas de hoje, que tem tanta coisa boa, mas tem muita coisa ruim também. Era uma Campinas gostosa de morar, de viver. Eu vivia na escola e no futebol. Melhor que isso não tinha. Não tinha para ninguém. Eu vivi no Gazeta. O Gazeta é a minha vida. O Gazeta me fez começar a viver. Só ganhava, não perdia para ninguém. Eu já tinha uma ideia de dirigente, tanto é que eu profetizei ser presidente da Ponte quando comecei o Gazeta. Eu via jogador bom de um lado e puxava para o Gazeta. E ele vinha.

O Gazeta foi fundamental para a formação de treinadores, jogadores, dirigentes em Campinas. Como surgiu o clube?

Eu entrei na semana seguinte (após a fundação). Eu não fui naquela reunião onde sete pontepretanos (fundaram o Gazeta). O Zaiman é um deles. Eram os sete. No oitavo fui eu. Eu cheguei uma semana depois. Eu falei: “Eu vou por ordem na casa”. No primeiro jogo, eu fui. Foi em Sousas, contra o Gazeta de Sousas. No dia 10 de junho de 1950.

Existiam dois Gazetas em Campinas?

Tinha outro Gazeta em Sousas. A Gazeta Esportiva deu um jogo de camisa para o time de Sousas. O Gazeta (do Peri) foi lá e disputou o nome. Tinha disso. Disputou, ganhou de 3 a 0 e ficou com o nome. Comecei a tomar conta na semana seguinte. Eu só convidava jogador bom. Tanto é que o Gazeta foi campeão no último ano, 1985. Nós fizemos uma festa (pelos 75 anos de fundação do Gazeta) e havia sete jogadores de 1985 lá. Pelo amor de Deus, cada homem forte. Romílio, um touro de forte. Tatão, um touro de forte. Só jogador forte. Sabe quem escolhia? Eu. Tinha um jogador em cada bairro de Campinas. Quem era melhor lá fora, era escolhido para jogar no Gazeta. Eu procurava o melhor de cada bairro. 

Como Cilinho (Otacílio Pires de Camargo, técnico falecido em 28 de novembro de 2019) apareceu no Gazeta?

O Cilinho foi uma das pessoas mais inteligentes que eu conheci no futebol. Ele era quarto zagueiro do Guarani. Eu queria levar o Cilinho para a Ponte, mas o Ernesto Belucci não aceitava. Ele me tratava assim: “Turco, não vem com essa aí. Cilinho eu não quero. Ele vai muito expulso. Não quero”. Ele nunca aceitou o Cilinho na Ponte. Quando o Cilinho foi para a Ponte Preta (como treinador), sabe quem o levou? Esse cara que não aceitou o Cilinho como jogador. Ernesto Belucci. O Gazeta disputou o Varzeano, antes de entrar no Amador, e foi campeão invicto. Cilinho concentrava o time para os jogos principais. Treinava duas vezes por semana à noite em Sumaré e Nova Odessa, onde tinham campos iluminados. No ano seguinte ele teve um erro crasso. Meu irmão (Tufik) também. Em 1961, ele foi campeão Varzeano. Em 62, o Gazeta disputou o título no campo do Mogiana e foi campeão. O Bonfim foi campeão da outra série. Tinha um jogo no campo da Ponte Preta, e o Cilinho foi abandonado por um jogador que era o volante do time e que jogou com ele no juvenil do Guarani, o Edgarzinho. Ele avisou todo mundo que ia concentrar. Não avisou o Edgarzinho, que chegou com a chuteira na mão no campo da Ponte Preta e o time chegou trocado. O Naldo entrou de meia-esquerda e Jamir de volante no lugar do Edgarzinho. Mas a influência (da atitude de Cilinho) foi negativa. Um olhou para o outro, o outro olhou para o Edgarzinho ali. O Cilinho se vingou dele (ao tirá-lo do time). Foi bom para ele aprender. Era um erro crasso. O Gazeta perdeu do Bonfim de 1 a 0. Entrou para perder. Esse foi fundamental na vida dele. No ano seguinte ele foi campeão no Gazeta e depois foi convidado para ir para a Ponte.

Ele já era o que a gente escuta hoje a respeito dele? Um treinador disciplinador e, ao mesmo tempo, uma espécie de pai para os atletas?

Era disciplinador. Tanto é que ele quis agir com disciplina, no caso do Edgarzinho. Acabou com a vitória do (outro) time. Ele era inteligente demais.

E a história que você serrou a trave de um campo?

O Campeonato Amador era duro. O Gazeta era bom. O Sousas também tinha time bom. Só que começaram a trabalhar contra o Gazeta na Liga (Campineira) de Futebol. Um dia, eu fui buscar os cartões de inscrição e vieram com dois goleiros e dez jogadores (aptos para jogar), e só. Eu voltei para a sede do Gazeta, no Largo do Rosário, e falei: “A Liga deu o time escalado. Escalaram nosso time”. O que vou fazer? Existia uma perua ali na porta (da sede) e falei: “Vamos no campo do Sousas”. No domingo, o Gazeta jogaria em Sousas. Fomos eu e Peró (quarto zagueiro do Gazeta). Achamos uma serra, colocamos na perua do Peró e fomos para lá. Demorou para o zelador dormir. Ele dormiu uma e meia da manhã. Quando ele dormiu, apagou tudo. Nós fomos lá, serramos a trave e deixamos no lugar. No domingo, o nosso goleiro era o José Roberto Fernandes. Eu avisei que ele escolhesse o lado que estava a trave serrada. Ele disse: “Deixa que eu sei”. Ele tirou o lado errado, mas mudou para o gol que estava com a trave serrada. O jogo ia começar, ele pulou na trave e ela ruiu. A Liga marcou a rodada novamente para todos, menos para o Gazeta, que jogaria em Sousas. O Gazeta foi e ganhou por 3 a 0, dessa vez com o time titular.

*Assine o Correio Popular e leia a matéria na íntegra.

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