Ex-motorista diz que carro do presidente ultrapassou ônibus pela direita antes de bater em curva
Josias Nunes de Oliveira, motorista que estava no trecho onde Juscelino morreu e foi o primeiro a chegar no carro para tentar o resgate (Érica Dezonne/AAN)
A peça-chave no inquérito do acidente automobilístico que matou o ex-presidente Juscelino Kubitschek, em 22 de agosto de 1976, mora em um abrigo para idosos em Indaiatuba. Josias Nunes de Oliveira, de 69 anos, viu o Opala dirigido pelo motorista de JK colidir frontalmente com o caminhão de gesso de Orleãs (SC), no então quilômetro 165 da Rodovia Presidente Dutra (BR-116). Também afirma que presenciou o último suspiro de um dos mais populares mandatários do Brasil. À época, Oliveira era motorista de ônibus da Viação Cometa e foi o primeiro a parar para prestar socorro a JK. Hoje, é frequentemente atormentado pelas memórias do dia que mudou sua vida.O ex-motorista foi acusado de ter provocado a tragédia, passou pelo banco dos réus e foi inocentado. Com a reabertura do inquérito sobre a morte pelo governo de Minas Gerais, deve ser chamado para recontar sua versão. O paulista de Rancharia será convidado ainda para depor na Comissão da Verdade, criada para esclarecer crimes da Ditadura Militar, na Câmara de São Paulo.A entrevista concedida por Oliveira ao Correio foi permeada por lágrimas. O aposentado se emocionou ao falar sobre o longo período em que foi acusado pela mídia e opinião pública como responsável pela morte de Juscelino. Segundo ele, o carro dirigido pelo motorista do ex-presidente, Geraldo Ribeiro, cortou o ônibus em alta velocidade pela direita e perdeu o controle na “curva do açougue”, na altura de Resende (RJ). Oliveira negou ter “fechado” o veículo de JK, como foi noticiado. “Saí às 14h30 da antiga Rodoviária Júlio Prestes, em São Paulo, com 33 passageiros para o Rio de Janeiro. Estava andando devagar. O Opala passou por mim, deve ter feito a curva a uns 70km/h. Ele ia rápido, mas não sei dizer se estava sendo perseguido”, disse.Após o ver o impacto, por volta das 17h30, parou o ônibus e atravessou a pista para ajudar. Ainda estava claro, mas Oliveira afirmou que não reconheceu de pronto o ex-presidente nas ferragens do banco de trás. “Vi ele dar a última piscada e fechar os olhos. Só eu e Deus vimos”, contou, emocionado. O aposentado só se deu conta da dimensão do que estava presenciando quando viu os documentos do presidente em uma maleta, que estava aberta. “Esperei, com alguns passageiros, mais carros pararem antes de seguir viagem. Juscelino e o motorista dele já estavam mortos.” Oliveira disse não acreditar em teorias de que o motorista de JK teria levado um tiro na cabeça antes do acidente. “Agora, se mexeram no carro deles, eu não sei”, disse.O calvário do aposentado começou no dia seguinte, ao retornar a São Paulo, em outra viagem com passageiros. Ao chegar na rodoviária, foi recebido por dezenas de jornalistas, fotógrafos e os donos da empresa. Oliveira disse não ter ideia de como todos souberam que ele tinha presenciado o acidente. Os diretores da Cometa defenderam a versão do funcionário, mas não conseguiram impedir que ele fosse indiciado. “Minha vida virou um inferno. Era apontado por colegas de trabalho como criminoso. Tive que sair da estrada, fazer trabalho de escritório na empresa. Não teve como fugir da depressão.” MalaOliveira afirmou ao Correio que no período do julgamento, em 1977, em plena ditadura militar, lhe ofereceram uma “mala cheia de dinheiro” para assumir a culpa do acidente. “Eles chegaram na minha casa e disseram que se eu não pegasse aquele dinheiro davam fim em mim. Queriam que eu me declarasse culpado. Eu não aceitei”, disse. O motorista contou que não sabe os nomes dos homens que foram à sua residência e que não foi agredido. “Mas passei a ter muito medo.” Oliveira foi inocentado através dos depoimentos dos passageiros, que afirmaram em juízo que o ônibus não bateu no Opala de JK.InquéritoNa última segunda-feira, o secretário de Estado de Defesa Social de Minas Gerais, Rômulo Ferraz, anunciou que irá retomar as investigações do acidente de JK. Uma força-tarefa irá tentar localizar o documento da perícia realizada em 1996, que apontou um fragmento metálico no crânio do motorista de JK. O governo mineiro irá pedir ainda uma autorização judicial para fazer uma segunda exumação no corpo de Geraldo Ribeiro. O presidente da Comissão da Verdade Vladmir Herzog na Câmara de São Paulo, Gilberto Natlini (PV), disse que irá convidar o ex-motorista da Viação Cometa Josias Nunes de Oliveira para dar seu relato sobre a morte de Juscelino Kubitschek. Para o vereador, várias “peças” no acidente do ex-presidente não se encaixam, e JK foi assassinado por agentes da ditadura militar. “Era a época da Operação Condor, em que vários líderes ditadores da América Latina se juntaram para manter a hegemonia militar. Morreu Letelier (Orlando Letelier, diplomata chileno) em um dia e no dia seguinte Juscelino. Depois Jango (o ex-presidente João Goulart) e Carlos Lacerda (ex-deputado federal e ex-governador da Guanabara).” Natalini acredita que todos os acidentes estão relacionados a um documento emitido a Ernesto Geisel, então presidente do Brasil, pelo governo chileno, avisando que JK seria candidato a presidente pelo PSD. João Goulart também estava fazendo pré-campanha para presidente pelo PTB e Carlos Lacerda concorreria pela UDN. Os três morreram em um intervalo de oito meses, entre setembro de 1976 e maio de 1977. Lacerda foi vítima de uma infecção no coração, de acordo com laudo médico. Goulart sofreu um ataque cardíaco, mas também tem as circunstâncias da morte investigada pela Comissão da Verdade.Ainda segundo Natalini, no caso JK, algo poderia ter ocorrido durante a parada do ex-presidente em um hotel fazenda de um amigo, em Resende, durante a viagem de sua morte. “O Juscelino passou na estância e ficou lá uma hora e meia. Morreu a três quilômetros do hotel.” Natalini foi a Belo Horizonte (MG) pedir pessoalmente ao secretário de Estado de Defesa Social de Minas Gerais, Rômulo Ferraz, a exumação do corpo do motorista de JK.