ESPERANÇA RENOVADA

'Páscoa é vida do amor sem fim', afirma dom João Inácio

Arcebispo de Campinas traz mensagem de fé e esperança em data que representa a renovação

Raquel Valli/ Correio Popular
04/04/2021 às 12:10.
Atualizado em 22/03/2022 às 02:29
É uma Páscoa com mais dor, mas não com menos esperança, menos alegrias, as que brotam do Cristo ressuscitado (Kamá Ribeiro/ Correio Popular)

É uma Páscoa com mais dor, mas não com menos esperança, menos alegrias, as que brotam do Cristo ressuscitado (Kamá Ribeiro/ Correio Popular)

O arcebispo metropolitano de Campinas, dom João Inácio, criou um comitê emergencial para que a Cúria pudesse dar uma resposta às frentes da fome, do desemprego e de tantas outras mazelas advindas com a pandemia. No ano passado, uma paróquia em Indaiatuba arrecadou oito toneladas de mantimentos. Na semana passada, mais quatro. A informação foi dada na visita que dom João Inácio fez na última quinta-feira ao presidente-executivo do Grupo RAC, publicador do Correio Popular, Ítalo Hamilton Barioni.

Durante o encontro, o arcebispo discorreu sobre a Páscoa em tempos de distanciamento social, sobre a abertura das igrejas durante a pandemia, sobre a manutenção da esperança em tempos tão sombrios, sobre a divisão que o Brasil vem enfrentando e sobre a necessidade de diálogo entre diferentes, entre outros temas.

Dom João Inácio é o oitavo bispo e o sexto arcebispo da Arquidiocese de Campinas. Veio da diocese de Lorena (SP) para substituir dom Airton José dos Santos, que foi transferido para a Arquidiocese de Mariana, em 2018. Nasceu em 15 de junho de 1960, em Santa Clara do Sul (RS). Estudou filosofia na Faculdade Imaculada Conceição, na cidade de Viamão, na Arquidiocese de Porto Alegre-RS, e teologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e no Studium Theologicum em Jerusalém, em Israel. Foi ordenado padre em 1988, e assumiu a arquidiocese campineira em 14 de julho de 2019, no aniversário de Campinas.

A Páscoa será mais uma vez celebrada durante a pandemia, mas num cenário ainda mais difícil que no ano passado. Vamos vivenciar a data em meio a um quadro de mortes, desemprego e incertezas. O que esta data pode proporcionar de resgate aos cristãos?

É pergunta para uma tese. A Páscoa foi trazida à sua plenitude em Cristo. Cristo é a Páscoa. Páscoa de quê? Da morte para a vida. Cristo mergulhou fundo dentro da força do mal, que dominava o ser humano. Morreu como um condenado. Foi jogado para fora pelas autoridades religiosas e políticas. Depois, foi escondido no seio da terra, e, do túmulo, Ele explodiu, arrebentou a morte. Ele se entrega à morte, dando a vida dEle para que nos pudéssemos ter a nossa vida, quebrando a força da morte, e nos levando à eternidade, para o Pai. Estamos sentados em Cristo, ao lado do Pai. A vida eterna já existe em nós: a ressurreição, a força do bem, já existe em nós. Mas, nós podemos sempre olhar para trás. Ao invés de olharmos para Deus, que é vida, olhamos para o eu. A árvore que estava no centro do Paraíso se chama eu.

Quando Adão e Eva começaram a se alimentar da vontade deles, e não da vontade de Deus, eles olharam para trás. Quiseram ser deuses, pensando: eu não preciso que Deus me oriente, eu quero me orientar. Mas nós, batizados, que temos a força da vitória dentro de nós, não estamos mais submissos ao mal. O mal não tem mais poder sobre nós. Os santos são pessoas que habitualmente se mantêm agarrados na força vitoriosa de Deus. Eles não deixam o mal dominá-los. Eles podem pecar, mas se confessam e voltam a ter a força da vida. E é o que a nós é sugerido: se eu peco, eu vou me confessar, e a graça de Deus me tira da força do mal, e me coloca de novo na graça que o Cristo nos concedeu. Essa é a grande passagem que Cristo instaurou plenamente com a vitória dEle, padecendo, morrendo, sendo sepultado, ressuscitando para a vida. A morte não teve poder sobre Ele.

O profeta Zacarias fala muito da entrada de Cristo em Jerusalém. Jesus veio montado em um jumentinho como um servo manso, não para tomar posse da cidade, do reinado, de modo como faziam os reis. Não. É um jeito bem diferente. Ele toma posse entregando-Se, amando até o fim, até o derramamento de todo o sangue dEle. Jesus é a revelação plena de Deus. Cristo não quer a morte. Ele Se entregou a ela para nos dar a vida. Ele chorou porque gostaria de poder recolher-nos a todos, como pintainhos que a choca recolhe debaixo das asas dela. Mas, nem todos querem recebê-lO. Não se deixam recolher por Ele. Jesus chora aqueles que se negam a receber o amor que Ele nos quer derramar.

Como está sendo feita a atividade pastoral em meio à pandemia?

O poder civil não pode me obrigar a fechar a minha igreja. Mas, ele pode me obrigar a não levar para dentro, em ambiente de aglomeração, os civis que também são meus filhos. O poder civil tem poder sobre o cidadão, mas eu tenho poder sobre o meu filho espiritual. Mas, eu não posso ir contra o poder civil quando isso implica correr riscos. Precisamos, em um diálogo sadio, nos compreender. Inclusive o papa, em Roma, mantém as igrejas abertas, mas ele não faz cerimônias públicas. Ano passado, ele passou quase o ano todo celebrando sozinho, com um ou dois leitores. A Igreja continua aberta porque é o povo de Deus. Nós somos Igreja. Agora, os templos continuam abertos para visita pessoal, para poderem rezar, ficar diante do Santíssimo Jesus, presente, vivo e ressuscitado na hóstia consagrada. A Igreja não está fechada, e não pode fechar nunca. Nós celebramos os nossos cultos. A nossa Igreja se manteve aberta e muito dinâmica através de prece e intercessão pelo celular, por exemplo. Mas, o maior trabalho que fizemos é o da solidariedade. Temos muito desemprego. No ano passado, uma paróquia em Indaiatuba arrecadou oito toneladas de mantimentos, e, na semana passada, quatro. Eu criei um comitê emergencial para que nós pudéssemos dar a nossa resposta às frentes da fome, do desemprego, das famílias que não têm o que comer.

O papa Francisco pediu aos cardeais e bispos prioridade na evangelização. Mas, como fazê-lo em tempos de pandemia?

Eu insisto muito com os padres: cuidem de si e cuidem, do melhor modo possível, do povo. Sempre que for possível, busquem ir ao encontro do povo com criatividade. Nós podemos ser Igreja ainda hoje, e nós o somos. Igreja em saída, aberta, que se inspira em Jesus, que veio do seio do Pai, que caminhou entre nós. Jesus não era preguiçoso. Não ficava fechado em casa. Estava sempre nas ruas. Quando alguém tinha alguma dificuldade, ele parava, dava a mão, curava, levantava da morte, abençoava, fazia levantar os caídos. E é isso que o papa quer. Não uma igreja parada. Por quê? Devido a esse referencial que é Jesus, mas, também, porque nós nos acomodamos com muita facilidade. Por isso que o padre não pense tanto em si: que não pense apenas 'o que eu vou comer? Será que vou ter uma cama boa?' Não. Tem que ser Igreja que sai e que foca no povo, e, em especial, nas pessoas que têm mais necessidades. Jesus levava a mensagem do Pai a todos. Não podemos nos deixar endeusar, não nos deixar fechar. A Igreja é em saída. Mas, temos a tendência de tentar nos agarrar às coisas, como na conta bancária, no plano de saúde. A gente tem a tendência de se preocupar muito consigo e menos com os outros. Mas, devemos é olhar para Jesus.

A travessia do Egito para Canaã deveria durar 11 dias, mas levou 40 anos porque o povo não aprendeu a lição, e ficou rodeando no deserto. O que as pessoas estão rodeando hoje, na pandemia, sobretudo no Brasil? O que ainda não foi aprendido?

Por causa das infidelidades do povo, a geração que saiu do Egito morreu no deserto, porque se rebelou contra Deus. Mas, não é só virar as costas [para a escravidão] e ir embora. O nosso papa critica muito nossos bispos e a nós todos pela nossa mundaneidade, pela nossa corrupção. Nós temos que abandonar isso. E nós não estamos conseguindo superar a nossa pandemia porque há uma guerra, porque estamos divididos. Se nós nos entendêssemos como família humana, nós teríamos largado o dinheiro, e os laboratórios teriam juntado os grandes cientistas, e eu tenho a certeza que nós teríamos tido uma vacina em seis meses. Mas, nós nos dividimos, o que é obra do diabo, que instiga com a força do status, da fama de quem vai inventá-la, da nação que conseguirá imunizar mais gente, e isso é força do mal.

Nós nos separamos ao invés de nos unirmos. Aqui no Brasil, onde somos a vergonha do mundo, hoje, na pandemia, pelo número de mortos e pela nossa postura como nação, estamos divididos. Um diz isso, outro diz aquilo. Um faz isso, mas o outro, o contrário. E creio que ainda não nos demos conta da seriedade do que é esse vírus. Todo mundo acha que vai escapar dele. E eu lamento muito essa situação porque a gente pensa que o vírus pega todo mundo igual. Não é verdade. Todas as doenças pegam mais forte no pobre. Sempre. Nas casas de periferia, de favela, não há como ficar isolado. O quintal das crianças é a rua. E é impossível sonhar com esse distanciamento em lugares de grandes necessidades. Não há calçamento. O esgoto passa na rua. Por isso que o nosso papa diz que as misérias que já existiam agora saltaram ainda mais aos olhos.

O senhor veio a Campinas com alguma missão específica? Quais são os principais desafios e as diretrizes da Igreja para a Arquidiocese?

Sim. Vim para ser um bom pastor. A gente sabe qual é a missão quando chega ao lugar. Mas, é preciso chegar com calma. E um dos grandes desafios em Campinas é ser Igreja em saída. A nossa arquidiocese hoje não tem muitos recursos, embora estejamos na Região Metropolitana de Campinas, com o terceiro PIB do Brasil. Eu, como bispo, sou responsável, como todos os bispos, pela Igreja toda. Todos devem estar preocupados com a Igreja inteira, porque ela é uma só. Hoje, em Campinas, nós temos paróquias que não conseguem se sustentar. Imaginem, então, as do Nordeste. Eu olho muito para esses lugares. E o que eu busco fazer é potencializar, do melhor modo possível, o que nós temos aqui em Campinas, não apenas para nós. Nós precisamos nos abrir. Isso é ser Igreja. Outro desafio é que precisamos dar espaço a novas lideranças, abrir as janelas da nossa Igreja e deixar entrar vento novo.

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