ESPORTE E SUSTENTABILIDADE

Parque de Campinas tem parede de escalada feita com materiais recicláveis

Iniciativa de montar aparelho de maneira sustentável partiu da montanhista e ambientalista Aretha Duarte

Cibele Vieira
20/01/2024 às 18:38.
Atualizado em 20/01/2024 às 18:38
Voltada para todas as idades, a parede tem três metros de altura e foi planejada de modo a oferecer a atividade de forma simples, sem necessidade de monitores; corda de proteção não é necessária, pois eventuais quedas são amortecidas pela areia - tratada e higienizada - no entorno (Rosita Belinky)

Voltada para todas as idades, a parede tem três metros de altura e foi planejada de modo a oferecer a atividade de forma simples, sem necessidade de monitores; corda de proteção não é necessária, pois eventuais quedas são amortecidas pela areia - tratada e higienizada - no entorno (Rosita Belinky)

Os desafios nem sempre nascem de questões complexas. Às vezes, uma estrutura física simples pode inspirar novos horizontes e instigar a superação de limites. Por acreditar nisso, a montanhista e ambientalista Aretha Duarte instalou, com a ajuda de empresas parceiras, uma parede de escalada no Parque Linear Capivari, local popularmente conhecido como Parque do Mingone. O equipamento é aberto a todos gratuitamente e está disponível desde dezembro para qualquer pessoa que queira experimentar. Muito mais que uma estrutura de lazer, a construção tem um lado sustentável por usar materiais que não agridem o meio ambiente e tem partes compostas por material reciclado. O Parque fica na Avenida das Amoreiras s/n, no Jardim Paraíso de Viracopos.

“A parede de escalada é uma ferramenta poderosa de transformação para crianças e jovens. Além de ser um desafio físico, ela oferece estímulos mentais, instigando a superação de limites e o sonho de alcançar alturas inimagináveis. Para mim, é mais do que uma estrutura, é uma expressão visual do potencial ilimitado que cada jovem possui”, diz Aretha. Primeira negra latino-americana a escalar o Everest (a montanha mais alta do mundo), ela batalhou por mais de dois anos para construir um equipamento sustentável, que agora está instalado no bairro onde ela nasceu, cresceu e ainda mora. Aretha conta que para 2024 tem planos de ampliar o programa das Paredes de Escalada Sustentáveis pelo Brasil. 

A montanhista revela que está comprometida em expandir sua influência positiva nas áreas ambiental, social e esportiva. O foco é despertar a conscientização ambiental nas crianças, estimular ainda mais engajamento comunitário e desenvolver iniciativas de reciclagem, entre outras ações. “Vislumbro criar um legado, promovendo uma mentalidade inclusiva, sustentável e ecológica”, afirma. Um exemplo que já colocou em prática foi a distribuição de cerca de 600 brinquedos usados - recuperados e higienizados - e mais de 1.200 livros disponíveis para uma biblioteca comunitária no último Natal. Aretha explica que “o gesto não apenas reforça a importância da economia circular, mas também cria memórias positivas, promovendo saúde emocional e reutilização responsável”.

DESAFIOS E OPORTUNIDADES

Nascida e criada na periferia de Campinas, Aretha é formada em Educação Física e acumula experiência de mais de uma década no montanhismo.“Descobri o poder de transformar desafios em oportunidades na infância, e a porta de entrada foi a reciclagem. Ela moldou minha trajetória diferenciada ao enxergar resíduos ao meu redor como recursos para uma vida melhor.” 

À medida que crescia, ela foi lapidando esse comprometimento social e sustentável. Aretha levou essa postura para ambientes naturais após se apaixonar pelo montanhismo. A conexão com o meio ambiente despertou sua consciência ambiental. “Ao longo dos anos, essa consciência evoluiu para ações tangíveis dentro do ecossistema de impacto positivo, como a criação de diversos produtos que promovem conhecimento, empoderamento e sustentabilidade”, relata.

Aretha Duarte venceu os 8.848 metros até o cume do Everest em maio de 2021, mas para conquistar esse sonho, orçado em quase R$ 400 mil, a primeira saída encontrada por ela foi trabalhar com reciclagem envolvendo a família. Com a coleta seletiva, conseguiu recursos para financiar cerca de 35% do valor da expedição. Baseada nessa experiência, Aretha estruturou o programa das Paredes de Escalada Sustentáveis, que quer implantar em diferentes regiões do País, e afirma: “não é apenas uma estrutura física, é uma metáfora para superar desafios. Eu acredito que cada agarra representa uma barreira ultrapassada rumo ao topo da melhor versão de vidas na comunidade, inspirando a busca incessante por novos horizontes, tanto nas montanhas quanto na vida cotidiana”.

PAREDE DE ESCALADA

Quem chega pela entrada principal do Parque Linear do Capivari visualiza a parede de escalada, que tem três metros de altura, pensada para oferecer a atividade de forma simples e intuitiva, sem necessidade de monitores e com segurança. O acesso é gratuito, no horário do parque, entre 6h e 20h. Para a prática de escalada nesse equipamento não é necessária corda de proteção, porque as eventuais quedas são amortecidas pela areia no entorno, como preveem as normas de segurança da ABNT. “Essa característica garante opções para todos os níveis de atletas, desde quem nunca praticou até atletas experientes”, explica Aretha.

O projeto foi desenhado e instalado pela empresa Fábrica de Formas, de Curitiba, pioneira em projetos de escalada desportiva e recreativa no Brasil. A construção é de madeira e aço, sendo a estrutura primária feita com toras de eucalipto tratado, que garante durabilidade e resistência. Já a parede de escalada em si foi construída em madeira compensada de alta densidade, proveniente de zonas de reflorestamento. As ‘agarras’ foram desenvolvidas em parceria com a empresa Bolt Holds, que ampliou o conceito de sustentabilidade ao usar pedaços triturados de garrafas PET's na composição dos apoios.

Para garantir a absorção de impacto na descida e em caso de quedas, foi implementada uma caixa de areia tratada e higienizada, específica para playgrounds. Aretha conta que também foi feita “uma cobertura em telhado com beiral em projeção, que servirá como medida de proteção adicional contra intempéries climáticas, como chuva e sol excessivo. Além disso, o beiral também ajuda a limitar a altura da parede a três metros, proporcionando sombra e conforto aos escaladores, ao mesmo tempo em que mantém a segurança da atividade, pois evita a subida do escalador ao topo da estrutura”.

"Essa é uma das minhas maiores concretizações de 2023. Espero que seja a primeira de muitas, para que crianças, jovens adultos, enfim, pessoas de todas as idades tenham a oportunidade de conhecer e praticar esse esporte. Estou muito feliz", comenta Aretha. 

A montanhista sonha com essa parede desde o retorno da Expedição Everest e conta que foram gastos cerca de dois anos e seis meses para concluir o projeto. Ela ressalta que “não foi fácil, mas nos mantivemos firmes, resilientes, até que, finalmente, conseguimos. Esse é meu grande sonho, realizar conquistas coletivas. A parede está linda, em local público, aberto, democrático e gratuito”.

CARREIRA EM EVOLUÇÃO

Formada em Educação Física, Aretha conheceu a modalidade de escalada na faculdade, aos 20 anos, quando um professor da PUC-Campinas apresentou os esportes outdoor para os alunos na Grade6, uma operadora de montanhismo. Lá, ela aprendeu sobre como funciona o esporte e se apaixonou. "Fiquei pensando: 'como nunca tinha ouvido falar neste tipo de esporte antes?'", conta. Entusiasmada, começou a fazer cursos de escalada em rocha, trabalhou em eventos corporativos e acabou sendo efetivada na empresa em 2011, quando foi realizada a primeira expedição comercial ao Everest. "Daí em diante comecei a praticar escalada, trekking e expedições. Em janeiro de 2012 fui pela primeira vez à alta montanha, no Aconcágua. Desde então, ao menos uma vez por ano, realizo expedições no pico mais alto das Américas, na Argentina."

Além de montanhista, Aretha criou sua própria empresa, a AD, e salienta que está “sempre em busca de novos cumes”, com planos de enfrentar desafios continuados em 2024. “Meu foco incluirá expandir o ecossistema de impacto positivo, galgando novas parcerias para a sustentabilidade, e inspirar outros a se tornarem agentes de mudança também”. Para isso planeja realizar expedições engajadas, guiando grupos apenas de mulheres e pessoas negras em alta montanha e publicar livro infantil sobre o feito do Everest – para despertar conscientização ambiental e empoderamento para crianças. 

"Vislumbro criar um legado, promovendo uma mentalidade inclusiva. Enxergo cada obstáculo como uma plataforma de impulso para crescimento e ganho de musculatura na minha própria capacidade de sonhar e realizar."

Ano passado a montanhista gravou uma série – com locações em Campinas, São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba – que explora sua trajetória. O roteiro acompanha desde sua origem até o atual momento, relatando os principais marcos e projetos, com a tônica da responsabilidade coletiva de empoderar e transformar ambientes para as gerações futuras. A exibição está sendo programada para o segundo semestre deste ano, no Canal Off. Enquanto isso ela segue em conferências e palestras como Embaixadora ESG (sigla referente a questões ambientais, sociais e de governança) representando o compromisso com as práticas ambientalmente sustentáveis e socialmente responsáveis.

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