Campinas e RMC

Pandemia passou a exigir muito mais das mães

Convívio ininterrupto com os filhos obrigou à mudança de rotina e chega a afetar a establidade emocional da família

Mariana Camba/Correio Popular
10/05/2021 às 10:59.
Atualizado em 15/03/2022 às 20:19
Polyana Pinheiro abraça Miguel e Murilo: mães se dividem na atenção ao trabalho e aos filhos, agora 24h por dia (Marina Marques)

Polyana Pinheiro abraça Miguel e Murilo: mães se dividem na atenção ao trabalho e aos filhos, agora 24h por dia (Marina Marques)

Ser mãe sempre foi sinônimo de amor e heroísmo. Mas em meio à pandemia causada pela covid-19, a maternidade se transformou diante de uma nova rotina.

Há mais de um ano, muitas mulheres estão sendo mães 24 horas por dia, todos os dias, sem uma pausa. O convívio com os filhos deixou de ser frequente e se tornou ininterrupto. Aliado a esse novo contexto, tem o medo causado pelo novo coronavírus. São milhares de sentimentos, tentativas e frustrações que ganharam espaço nesta nova realidade, e que fizeram com que muitas mães questionassem a própria estabilidade emocional para continuar nesta jornada.

A jornalista Laila Ruis Petrucelli, 34 anos, mãe de dois filhos, desde o ano passado vem descobrindo suas diferentes versões na maternidade, para conseguir atender às novas necessidades dos filhos. Ela trabalha em casa há alguns anos, por isso o home office sempre fez parte do seu dia a dia. O que mudou desde o ano passado foi a necessidade de dividir o tempo com o trabalho, os filhos e o marido, sem pausas. "Isso impactou diretamente na minha produtividade. Tive que me redescobrir. Tornei-me a melhor amiga dos meus filhos, que não podem mais ver os seus colegas de escola. Também virei professora. Tive que encontrar esse meu lado pedagógico, que nem sabia que existia", afirmou Laila.

As crianças, quanto mais novas mais precisam da atenção das mães, segundo a jornalista que é mãe de dois meninos, um de quatro anos e outro de seis. Todos os dias ela recebe alguma chamada dos pequenos enquanto está trabalhando. "Quando não sou interrompida, fico esperando a interrupção", pontuou Laila. Mas ela, como mãe, entende que os filhos têm outro ritmo. Afinal, eles também estão passando por adaptações nesta nova rotina, sem os amigos e sem poder sair de casa. "Sinto que hoje eles querem mais minha presença. Então a minha responsabilidade aumentou. Tenho mais crises de ansiedade por isso, e quase nenhum tempo livre para mim. Sou mãe, amo a maternidade e os meus filhos, mas é difícil passar por tudo sem esmorecer", ressaltou.

A jornalista acredita que as mães tiveram que se reinventar durante a pandemia, e neste processo foi inevitável não sentir os reflexos psicológicos. "O meu emocional está totalmente quebrado", afirmou Laila. As demandas, para ela, tornaram-se exponencialmente maiores. "Eu não tenho mais um momento apenas meu. Coisas que eu fazia antes, não consigo fazer mais", explicou. Como tentativa de organizar melhor os espaços em casa, Laila e o marido decidiram delimitar as áreas dentro do lar e as suas finalidades, para que eles, junto das crianças, conseguissem se dividir em meio aos afazeres de cada um.

A falta de momentos para a liberação do estresse ou de válvulas de escape, fez com que a tensão aumentasse. "Estamos há mais de um ano vivendo desta forma, e o pior, não sabemos quando tudo deve passar. Por mais que a maternidade seja tudo o que eu sempre quis, ela é pesada, por si só. Ser mãe é estressante. Mas os momentos bons sempre superam os nem tanto", declarou a jornalista. Para ela, o que fica para este Dia das Mães é a esperança de um futuro melhor e com saúde. "Por mais difícil que tudo esteja, com o emocional de todos debilitado, a gente tem que agradecer por ter chegado até aqui", concluiu.

Mães Amigas

Há dez anos foi criada em Campinas a rede Mães Amigas, fundada pelas irmãs e mães Polyana Pinheiro e Michelle Occiuzzi. A rede nasceu de um grupo de mães, que trocava informações sobre as diversas fases da maternidade, desde a gestação.

A comunidade prezava pelos encontros sociais, para dar suporte aos desafios maternos, mas desde o início da pandemia as reuniões se tornaram virtuais e os assuntos mudaram. "Nós compartilhamos uma realidade muito leve e real. Mas temos sentido as mães mais tensas. A maioria dessas mulheres está sendo forçada a conviver com a família e os filhos em tempo integral, sem um tempo para si", explicou Polyana.

Para a fundadora, o que falta é o autoconhecimento por parte das mães, para que elas possam perceber que não há a necessidade de conseguir fazer tudo, que é normal ter falhas e frustrações. As mulheres, acrescentou a fundadora, estão sem poder parar para se escutarem. "A mãe, não é só mãe, ela também é mulher. Mas é duro não ficar cansada ao exercer a maternidade 24 horas por dia. Nós não somos a Mulher Maravilha, apesar de a sociedade nos taxar desta forma, como se conseguíssemos fazer tudo", criticou Polyana. A fundadora da rede frisou que as pessoas precisam parar de rotular as mães como invencíveis, e começar a enxergar a normalidade e humanidade do exercício materno. O segredo, segundo ela, é não se cobrar tanto e ter consciência dessas limitações.

A psicóloga do hospital PUC-Campinas, Alessandra Lima, afirmou que de todos os pacientes que ela atende 60% são mães, e destas, a maioria tem reclamado da rotina estressante e exaustiva no último ano. Para Alessandra é inevitável que as mudanças do dia a dia afetem o psicológico dessas mulheres, porque de fato elas ficaram mais sobrecarregadas. "Eu sou mãe de três filhos, e assim como as minhas pacientes também sinto essas dificuldades", observou a psicóloga. Para Alessandra a pandemia por si só é um desafio, mas para as mães ela se torna mais uma preocupação diante de tantas outras que surgiram com este momento caótico. Isso gera ansiedade e frustração, de acordo com a psicóloga.

Muitas das pacientes que Alessandra atende, reclamam que não tem uma pessoa para dividir as tarefas e para ajudá-las com os filhos, por isso vão sentindo o peso dessa carga. A dica, segundo a psicóloga, é analisar a nova rotina e adaptá-la para uma melhor versão, que disponibilize um tempo individual para as mulheres, e uma parte coletiva para a maternidade. "Ver um filme, por exemplo, pode ser um recurso, assim como tomar um banho mais relaxante. Tirar um tempo para fazer a comida que está com vontade de saborear. São pequenas ações, mas possíveis dentro desse novo normal, e que podem se tornar a válvula de escape que foi perdida por causa do isolamento social", explicou Alessandra.

A psicóloga garantiu que a melhor reflexão para este dia de celebração é entender que ter falhas e errar é normal. Para ela, as mães também precisam chorar, colocar as emoções para fora, e assim poder viver as mudanças de sentimentos e emoções. "Cada um precisa se analisar e olhar para si. Quando der vontade de sair correndo, tudo bem, isso é normal. Ser mãe não é fácil. Mas é a persistência de um amor que vale o sacrifício",diz Alessandra.

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