LONGA ESPERA...

Pandemia impacta doação e transplantes de orgãos em SP

Apenas em 2021, 4,2 mil pessoas morreram na fila, 80% a mais do que em 2019

Ronnie Romanini / [email protected]
28/06/2022 às 09:53.
Atualizado em 28/06/2022 às 11:42
A psicóloga clínica e vice-presidente da ONG Doe Vida, Eva Marques, passou por um transplante de rim e voltou à fila de espera (Gustavo Tilio)

A psicóloga clínica e vice-presidente da ONG Doe Vida, Eva Marques, passou por um transplante de rim e voltou à fila de espera (Gustavo Tilio)

A pandemia afetou os números das cirurgias de transplantes realizadas em todo o Brasil, ocasionando uma queda nos procedimentos e na quantidade de doadores de órgãos. Ao mesmo tempo, cresceu a lista de espera e a mortalidade de pacientes que aguardavam na fila. Dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) apontam para um crescimento superior a 30% na espera, ultrapassando 50 mil pacientes. Em 2021, 4,2 mil pessoas morreram na fila, 80% a mais do que os 2,5 mil de 2019. 

Atualmente, 18,6 mil pessoas estão aguardando um órgão em São Paulo, de acordo com Central de Transplantes do Estado de São Paulo. A maior parte, 78% (14.544), espera por um transplante de rim. São 3,2 mil pacientes na fila por córnea, 17,4% do total. O restante está dividido entre fígado (412), coração (157), pâncreas/rim (151), pulmão (105) e pâncreas (10).

Pouco antes do início da pandemia de covid-19, em dezembro de 2019, 15,7 mil pessoas aguardavam por um transplante. Um ano depois, em dezembro de 2020, o crescimento foi de 10%, com 17,2 mil pessoas na fila. Em 2021, eram 18,1 mil. Os números são da Central de Transplantes do Estado de São Paulo.

Queda nos transplantes 

Em Campinas, o Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp, referência no assunto, observou uma queda de 27% nos transplantes realizados em 2020, primeiro ano da pandemia, na comparação com 2019, saindo de 395 para 289, o menor número desde 2014, quando 281 transplantes foram feitos no HC. 

No Estado de São Paulo, a média de transplantes realizados em 2018 e 2019, anos anteriores à pandemia, foi de 8,3 mil pessoas. Em 2020, primeiro ano da pandemia, a queda nos procedimentos atingiu aproximadamente 35%, com 5.408 transplantes executado. No início da pandemia, o Ministério da Saúde orientou pela contraindicação na doação de órgãos e tecidos em alguns casos, como de doadores com teste positivo. A contraindicação passou de 15% antes da pandemia para 23%, em 2021, diminuindo as doações. 

A taxa de recusa familiar aumentou de 31% em 2020 para 39% em 2022, de acordo com João Luis Erbs, diretor-técnico da Central de Transplantes.
"A população precisa conversar com os parentes, a família, pois são eles que decidem, que autorizam a doação de órgãos. Não existe mais aquela história de deixar registrado na carteira de identidade, de habilitação. Conversem e deixem claro o desejo. O transplante salva vidas. Há pacientes que estão esperando por um fígado, por exemplo, que tem expectativa de vida de 2, 3 meses. Com o transplante conseguimos dar 15, 20 a anos a mais de sobrevida. Sem falar da qualidade de vida. Imagina uma pessoa que não enxerga, recebe transplante de córnea e volta a enxergar... Ou quem fica três vezes por semana, quatro horas por dia, em uma máquina de hemodiálise e depois não precisa mais. Isso é qualidade de vida."

Doação de órgãos afetada

De acordo com a ABTO, a doação de órgãos foi bastante atingida na pandemia. A meta anual de doadores por milhão de população era de 20 em 2019, sendo que houve 18,1 doadores efetivos por milhão. No ano seguinte, o primeiro da pandemia, a meta passou para 21,8 a cada 1 milhão de pessoas, mas a proporção de doadores efetivos caiu para 15,8. Em 2021, a meta novamente aumentou, desta vez para 24 por milhão, ao mesmo tempo em que a quantidade de doadores efetivos oscilou mais uma vez para baixo, com 15,1. Em 2019, foram 3.768 doadores, número que caiu para 3.207 em 2021, redução de 14,88%.

ONG Doe Vida e espera por um órgão

A psicóloga clínica e vice-presidente da ONG Doe Vida, Eva Marques, passou por um transplante de rim, assim como as duas irmãs, em 2005, um caso de grande repercussão nacional sobre o tema. Agora, ela está de volta à fila de espera.
Um problema na ligação do órgão anteriormente transplantado com a bexiga fez com que ela tivesse infecções recorrentes, que acometeram o rim transplantado. Os episódios esporádicos de infecção surgiram em 2012 e foram até 2017, quando uma biópsia constatou que o rim estava falhando e que haveria necessidade da retirada dele para a tentativa de um novo transplante. Desde abril de 2018, Eva aguarda por um novo transplante.

"Desde então não fui chamada, meu telefone não tocou. Geralmente há uma triagem antes. Às vezes, há três pacientes compatíveis e eles são acionados para que o hospital faça exames definitivos para ver quem tem mais condição de receber o órgão, mas nem isso aconteceu."

Para ela, não fosse a pandemia, com certeza o transplante teria acontecido.

Eva explicou que um alto número de anticorpos também pode ser um impeditivo para o transplante, algo que pode ser aferido por um exame conhecido como Painel de Reatividade de Anticorpos. Para manter o nível baixo, o que dá mais chances de sucesso ao procedimento, ela faz uso de um tratamento há quase três anos com imunoglobulina humana.

"Desde antes da pandemia, estou com uma porcentagem muito boa, o que aumenta as minhas chances de ser transplantada. Porém, a imunoglobulina humana é uma medicação feita mediante o plasma do sangue. Com a pandemia, a doação de sangue também caiu, então, essa medicação está em falta."

Eva contou que o medicamento é de alto custo, com cada ampola custando aproximadamente R$ 1,5 mil. Quando usa o medicamento, são 24 ampolas em um dia e mais 24 no dia seguinte. Porém, desde março Eva não consegue encontrar a imunoglobulina humana. Se ela ficar muito tempo sem, há o risco de que os anticorpos voltem a crescer, diminuindo as chances de sucesso no transplante.

Enquanto aguarda por um chamado, Eva e os demais pacientes vivem com algumas restrições de alimentação, de líquidos, e um processo difícil de hemodiálise algumas vezes por semana. A psicóloga passa cerca de três horas por dia, quatro vezes por semana, na hemodiálise. "Você acaba se adequando à rotina, mas não pode viajar, não pode beber água à vontade... são coisas que vão nos limitando e debilitando."

Fundada em 2003, a ONG Doe Vida tem por objetivo principal divulgar a importância da doação de órgãos. O site da entidade está em manutenção, mas o perfil do Instagram (@ongdoevidaoficial) está no ar para auxiliar quem precisar de informações sobre o tema.

"O trabalho de conscientização em relação à importância da doação de órgãos é permanente. É importante divulgar as informações corretas à população, porque, no geral, as pessoas são solidárias e tendem a tornarem-se doadoras quando bem informadas."

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